INTRODUÇÃO
Hemangioma infantil (HI) é o tumor vascular benigno mais comum da infância, sendo
maior a incidência no sexo feminino e na população branca. Quase 60% dos casos ocorrem
em cabeça e pescoço e os localizados na face estão mais associados a distúrbios psicossociais,
estéticos e funcionais1-2.
A lesão varia clinicamente de acordo com sua evolução ao longo do crescimento da criança,
a qual apresenta uma história natural dividida em 3 fases: fase inicial de crescimento,
denominada proliferativa; fase de regressão espontânea ou involutiva e a fase de equilíbrio
final ou involuída1.
Ao se considerar os hemangiomas centrais da face, e principalmente os hemangiomas
nasais, o tratamento ativo durante a fase proliferativa torna-se mais frequentemente
indicado, em decorrência dos possíveis problemas funcionais e do potencial desfigurante
que tais lesões podem apresentar2,3.
Alguns estudos ainda apontam que a taxa de resolução espontânea dos hemangiomas nasais
é menor, mesmo após o término da fase proliferativa. A presença de depósito fibrogorduroso
e excesso cutâneo podem causar deformidades de contorno e contribuem para o resultado
insatisfatório frequentemente observado em lesões não tratadas. Dessa forma, os casos
não tratados com propranolol ou não operados na infância, usualmente requerem correção
na fase adulta, por incômodo estético e/ou funcional3-6.
OBJETIVO
Relatar um caso de hemangioma infantil de ponta nasal, columela e lábio superior,
tratado cirurgicamente na fase involuída.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 28 anos, relatava presença de lesão avermelhada na ponta
nasal, columela, filtro do lábio superior e parte do vermelhão, de aparecimento nos
primeiros dias de vida. A lesão foi tratada de forma expectante, sem uso de medicações,
evoluindo com redução espontânea do tamanho, a partir dos 3 anos de idade. Apesar
disso, a paciente manteve volume aumentado na ponta nasal e retração do lábio superior,
com deformidade em assobio (Figura 1 e 2).
Figura 1 - A. Paciente com 1 ano de idade, com hemangioma nasal, columela e lábio superior; B. Paciente aos 7 anos, com lesão já involuída; C. Paciente aos 28 anos, com lesão residual e retração labial.
Figura 1 - A. Paciente com 1 ano de idade, com hemangioma nasal, columela e lábio superior; B. Paciente aos 7 anos, com lesão já involuída; C. Paciente aos 28 anos, com lesão residual e retração labial.
Figura 2 - A, B, C e D. Paciente com hemangioma nasal e de lábio superior involuído com componente profundo
predominante; D e E. Retração do lábio superior com deformidade em assobio.
Figura 2 - A, B, C e D. Paciente com hemangioma nasal e de lábio superior involuído com componente profundo
predominante; D e E. Retração do lábio superior com deformidade em assobio.
Procedimentos cirúrgicos
Rinoplastia
Realizada rinoplastia aberta, com acesso transcolumelar e marginal, para ressecção
do excesso de partes moles e melhora da definição da ponta nasal.
Foram identificadas as seguintes alterações em relação a anatomia normal do nariz:
presença de tecido fibrogorduroso anômalo na columela e na ponta nasal, compatível
com o hemangioma involuído (medindo 1,8cm) e uma descontinuidade da cartilagem alar
na região do domus à direita, com cruzes mediais estreitas e frágeis. Após ressecção
do tecido fibrogorduroso excedente, optou-se por amputação e reinserção das cruzes
laterais com confecção de um neodomus, igualando as forças entre os lados e evitando
possíveis assimetrias (Figura 3).
Figura 3 - A. Acesso aberto com excesso de partes moles na columela; B. Exérese de partes moles; C. Domus fraturado à direita; D. Amputação e reinserção de cruzes laterais nos domus; E. Fixação de strut columelar nas cruzes mediais e cruzes laterais com posição e força
simétricas; F. Pontos interdomais e nas cruzes mediais junto ao strut columelar; G. Lesão de 1,8cm.
Figura 3 - A. Acesso aberto com excesso de partes moles na columela; B. Exérese de partes moles; C. Domus fraturado à direita; D. Amputação e reinserção de cruzes laterais nos domus; E. Fixação de strut columelar nas cruzes mediais e cruzes laterais com posição e força
simétricas; F. Pontos interdomais e nas cruzes mediais junto ao strut columelar; G. Lesão de 1,8cm.
A fim de adquirir boa projeção e definição da ponta nasal, foi utilizado strut columelar,
fixado nas cruzes mediais e realizados pontos transdomais (Figura 3).
É importante ressaltar que não houve dificuldades técnicas relacionadas a sangramento
ou dissecção dos planos, além das habituais encontradas em uma rinoplastia.
Labioplastia
No lábio superior, optou-se por zetaplastia da mucosa, permitindo avanço do vermelhão
úmido e melhora da retração. Devido à persistência de falta de volume e projeção na
região, foi associada uma lipoenxertia de 2ml, com resolução da deformidade em assobio
(Figura 4).
Figura 4 - A e B. Marcação de zetaplastia em área de retração da mucosa do lábio superior; C. Transposição dos retalhos da zetaplastia.
Figura 4 - A e B. Marcação de zetaplastia em área de retração da mucosa do lábio superior; C. Transposição dos retalhos da zetaplastia.
Paciente foi acompanhada no pós-operatório com evolução satisfatória, acomodação de
pele do nariz e melhora da deformidade labial (Figura 5).
Figura 5 - A, B e C. Pré-operatório; D, E e F. Pós-operatório de 3 meses.
Figura 5 - A, B e C. Pré-operatório; D, E e F. Pós-operatório de 3 meses.
DISCUSSÃO
Devido à sua localização central na face e grande importância estética, os hemangiomas
nasais são lesões incômodas para pacientes e familiares. Podem cursar com complicações
locais, comprometimento funcional, deformidades e impacto no desenvolvimento psicossocial1-2.
Além da conduta expectante, intervenções farmacológicas, cirúrgicas e uso de laser
são as atuais opções de tratamento. O propranolol representa a primeira linha para
HI devido à sua grande eficácia e segurança7. A cirurgia mantém seu papel nos casos refratários, naqueles com complicações locais,
com comprometimento funcional e para as sequelas após regressão do hemangioma.
O momento ideal para indicação cirúrgica ainda é controverso na literatura. Os benefícios
da intervenção precoce, mesmo para lesões limitadas, são reduzir os danos provocados
pela proliferação dos hemangiomas, evitando prejuízos no crescimento das cartilagens
nasais8. Entretanto, a reconstrução nasal em crianças pequenas é desafiadora e o risco potencial
de deformidade iatrogênica, distúrbios do crescimento do esqueleto nasal ou cicatrização
excessiva deve ser considerado5,8.
Autores como Giugliano et al., em 20189, preferem realizar a cirurgia na fase involuída, considerando que as estruturas anatômicas
são melhor definidas e o tamanho da lesão pode ter reduzido, tornando a reconstrução
tecnicamente mais fácil e com consequente melhor resultado. Em sua série, não houve
alteração do crescimento e sim a separação de diferentes elementos estruturais das
cartilagens nasais, requerendo reposicionamento adequado do complexo alar. Estes achados
são semelhantes à experiência relatada por Waner et al., em 20086 e Hochman et al., em 200510, observando que destruição da cartilagem é incomum. No presente caso também observamos
um sangramento semelhante ao das demais rinoplastias, condizente com a literatura.
Nos casos de envolvimento isolado da ponta nasal, por hemangioma involuído e profundo
(sem acometimento da pele), há indicação para rinoplastia aberta (McCarthy et al.,
em 20025) podendo ser ressecada a pele excedente. No caso acima, optou-se por não ressecar
a pele excedente, pois acreditamos que, com a melhora da definição e projeção da ponta,
a pele apresenta boa acomodação e resultado estético satisfatório.
Em contrapartida, nem sempre apenas uma rinoplastia aberta será a solução cirúrgica
para os casos involuídos. Nos casos de comprometimento da pele na subunidade da ponta
nasal ou contiguidade com outras subunidades, está indicado um retalho frontal ou
outro retalho regional para fornecer uma reconstrução adequada. Quando outras subunidades
são afetadas, uma excisão direta também pode ser realizada5.
COLABORAÇÕES
MM
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Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Realização das operações e/ou
experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição.
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RCL
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização,
Concepção e desenho do estudo, Realização das operações e/ou experimentos, Redação
- Preparação do original.
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LCI
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Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão.
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RG
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Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação.
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REFERÊNCIAS
1. Hiraki PY, Goldenberg DC. Diagnóstico e tratamento do hemangioma infantil. Rev Bras
Cir Plast. 2010;25(2):388-97.
2. Boye E, Jinnin M, Olsen BR. Infantile hemangioma: challenges, new insights, and therapeutic
promise. J Craniofac Surg. 2009 Mar;20(Suppl 1):678-84.
3. Bruckner AL, Frieden IJ. Hemangiomas of infancy. J Am Acad Dermatol. 2003;48:477-93.
4. Frieden IJ, Eichenfield LF, Esterly NB, Geronemous R, Mallory SB. Guidelines of care
for hemangiomas of infancy. J Am Acad Dermatol. 1997 Oct;37(4):631-7.
5. McCarthy JG, Borud LJ, Schreiber JS. Hemangiomas of the nasal tip. Plast Reconstr
Surg. 2002 Jan;109(1):31-40.
6. Waner M, Kastenbaum J, Scherer K. Hemangiomas of the nose. Arch Facial Plast Surg.
2008;10(5):329-34.
7. Leaute-Labreze C. Infantile hemangiomas: the revolution of betablockers. Rev Prat.
2014 Dec;64(10):1421-8.
8. Cho S, Lee SY, Choi JH, Sung KJ, Moon KC, Koh JK. Treatment of Cyrano angioma with
pulsed dye laser. Dermatol Surg. 2001;27:670-2.
9. Giugliano C, Reculé F, Guler K, Gantz JT, Hasbún T. Persistent nasal infantile hemangioma:
a surgical treatment algorithm. J Craniofac Surg. 2018 Sep;29(6):1509-13.
10. Hochman M, Mascareno A. Management of nasal hemangiomas. Arch Facial Plast Surg. 2005;7:295-300.
1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Disciplina de Cirurgia Plástica
e Queimaduras, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Rodolfo Costa Lobato, Rua da Consolação, 3741, 11º andar, Cerqueira Cesar, São Paulo, SP, Brasil. CEP:
01416-907. E-mail: rodolfolobato49@yahoo.com.br
Artigo submetido: 04/04/2019.
Artigo aceito: 22/06/2019.
Conflitos de interesse: não há.