ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Report - Year2020 - Volume35 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0017

RESUMO

A reconstrução da pálpebra inferior secundária à ressecção de câncer de pele é um desafio cirúrgico e sua abordagem deve ser planejada por lamelas e extensão da ressecção. Apresentamos o caso de paciente do sexo masculino, 69 anos, que após a ressecção oncológica apresentou defeito de espessura total maior de 60% na pálpebra inferior. Para reconstrução foi indicada a associação do retalho miocutâneo unipediculado de Tripier com enxerto de cartilagem da escafa obtendo resultados favoráveis, mostrando que a associação destas técnicas é uma boa prática na hora de planejar a reconstrução da pálpebra inferior.

Palavras-chave: Carcinoma basocelular; Neoplasias cutâneas; Retalho miocutâneo; Cartilagem da orelha; Pálpebras

ABSTRACT

The reconstruction of the secondary lower eyelid to a resection of skin cancer is a challenging surgical procedure that must be carefully planned with regards to issues related to lamella and extension of the resection. We present the case of a 69-year-old male patient who, after oncologic resection, presented a total thickness defect greater than 60% in the lower eyelid. For reconstruction, it was indicated that the use of Tripier's unipedic myocutaneous flap with scapha cartilage graft produced favorable results, which confirms that it is worthwhile using these techniques when planning lower eyelid reconstruction.

Keywords: Basal cell carcinoma; Skin neoplasia; Myocutaneous flap; Ear cartilage; Eyelids.


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer que mais frequentemente afeta o ser humano. No Brasil estima-se uma incidência de 165.580 novos casos por ano de câncer de pele não melanoma1. Seu crescimento é lento e raramente produz metástase. No entanto, quando localizado nas pálpebras, a reconstrução após o tratamento cirúrgico pode representar um desafio para o cirurgião plástico. A reconstrução da pálpebra inferior deve ser planejada seguindo seus limites anatômicos, particularmente reconstruindo a lamela anterior e posterior como duas estruturas independentes. Para isto devem ser estudadas as diferentes técnicas já descritas para cada uma delas e indicar uma associação que seja segura para otimizar os resultados estéticos preservando sua funcionalidade2.

Dentro das técnicas de reconstrução de pálpebra inferior, o retalho miocutâneo de Tripier apresenta vantagens, sendo mostrado como uma boa opção para cobertura da lamela anterior, que pode ser associado a enxertos de cartilagem para reconstrução da lamela posterior com ou sem cobertura mucosa.

OBJETIVO

Relatar um caso de reconstrução da pálpebra inferior com a associação do retalho miocutâneo de Tripier com enxerto de cartilagem da escafa mostrando uma opção terapêutica nas reconstruções de defeitos de espessura total e extensão maior a 60% da pálpebra inferior.

RELATO DE CASO

Apresentamos o caso de um paciente de sexo masculino de 69 anos, com diagnóstico de carcinoma basocelular nodular recidivado em pálpebra inferior direita. Foi encaminhado para ressecção com congelação através de cortes horizontais (“en face” ou CCPDMA) intraoperatória no Hospital AC - Camargo Cancer Center.

Sob anestesia geral, em decúbito dorsal e com proteção oftálmica com pomada, realizou-se marcação das bordas da lesão com 4mm de segurança para ser enviado a congelação. Após a ressecção com infiltração hemostática, a congelação reportou margem lateral e profunda comprometidas requerendo uma ampliação.

Após obtenção de margens livres, o defeito final evidenciou uma perda de continuidade da pálpebra inferior acometendo 70% da extensão desta, abrangendo pele, placa tarsal e conjuntiva, desde o canto lateral até próximo ao canto medial. O tamanho final do defeito era de 3,0 x 0,5cm (Figura 1).

Figura 1 - A. Defeito final após ampliação de margens; B. Demarcação do retalho de Tripier.

Para a reconstrução do defeito optou-se por uma reconstrução com um retalho miocutâneo de Tripier monopediculado lateralmente associado a um retalho de avanço de conjuntiva e enxerto de cartilagem auricular da escafa.

O retalho foi marcado na pálpebra superior ipsilateral de forma semelhante a uma marcação de blefaroplastia, com a borda inferior do retalho no sulco palpebral e o limite superior foi marcado deixando 1cm de largura do retalho correspondendo à quantidade de pele em excesso, sem comprometer a oclusão ocular. No canto lateral foi preservada uma base de 0,5cm de largura. Com infiltração local foi elevado o retalho miocutâneo desde o canto medial, deixando ele pediculado na base. O defeito foi suturado com fio de Mononylon 6-0 de forma contínua.

Após infiltração local, foi obtido da fossa escafoide direita com abordagem anterior, um fragmento de cartilagem e pericôndrio com as dimensões da nova placa tarsal com 3cm de cumprimento e 4mm de largura. Foi suturada a pele da escafa com fio de Mononylon 4-0. O enxerto de cartilagem da escafa foi posicionado de forma que sua borda superior ficasse ao nível do limbo esclerocorneano inferior, fixado com 2 pontos de Mononylon 5-0 no extremo lateral com o ligamento cantal lateral e 2 pontos na porção medial, fixados ao tarso. Após a fixação, a porção superior do retalho de Tripier foi suturado à porção superior do retalho de conjuntiva com Vicryl Rapid 6-0, apoiados sobre o enxerto de cartilagem (Figuras 2 e 3).

Figura 2 - A. Pós-operatório imediato de reconstrução da pálpebra inferior com retalho de Tripier monopediculado associado a enxerto de cartilagem da escafa - vista frontal; B. Vista lateral.
Figura 3 - Pós-operatório imediato evidenciando o posicionamento final do retalho.

O paciente evoluiu satisfatoriamente após a reconstrução, sem recidiva da lesão e mostrando resultados estéticos e funcionais adequados da pálpebra inferior (Figura 4). Com adequada oclusão palpebral e sem queixas de olho seco. Não foi indicada fisioterapia.

Figura 4 - 2 semanas de pós-operatório.

DISCUSSÃO

A reconstrução da pálpebra inferior deve ser planejada seguindo seus limites anatômicos, particularmente reconstruindo a lamela anterior e posterior como duas estruturas independentes. Para isto devem ser estudadas as diferentes técnicas já descritas para ambas as lamelas e indicar uma associação que seja segura para otimizar os resultados estéticos preservando sua funcionalidade2.

Dentro das opções para reconstrução de defeitos com extensão maior a 60% da lamela anterior está o retalho de rotação de Mustardé3 que requer uma área de descolamento ampla ou retalhos periorbitais locais como o retalho de Blasius, Imre, Fricke e Tripier4. O retalho de Tripier, originalmente descrito em 1889, descreve dois tipos de retalhos miocutâneos bipediculados baseados no músculo orbicularis oculi desenhados em forma de alça de balde, considerado na literatura como a primeira descrição de um retalho miocutâneo preservando a sua inervação. Um dos retalhos descritos foi aplicado na reconstrução da pálpebra inferior após ressecção de um tumor5.

O retalho de Tripier tem sido usado de forma muito versátil e publicadas diferentes variações na técnica tanto para reconstrução de pálpebra superior, quanto para correção de ectrópio na pálpebra inferior6.

Siegel, em 19877, que chamou a sua descrição “Retalho de blefaroplastia”, descreve as vantagens estéticas e funcionais deste retalho para reconstrução da pálpebra inferior, pois relata que permite uma transferência de tecido muscular que proporciona adequados vetores de suporte à borda palpebral, com uma ótima compatibilidade em textura e cor da área doadora e deixando a cicatriz na prega palpebral.

Outras modificações têm sido reportadas realizando uma transposição do retalho de forma monopediculada lateralmente para correção de defeitos laterais da pálpebra e evitando também um segundo tempo cirúrgico para secção dos pedículos8.

Assim, o retalho miocutâneo de Tripier possui vantagens como: aporte de tecido muscular ao defeito, semelhança na coloração e espessura da pele à área receptora, mínima morbidade da área doadora com cicatriz pouco aparente, adequado resultado estético e funcional na área receptora, menor descolamento cirúrgico e um único tempo cirúrgico.

A reconstrução da lamela posterior requer um suporte de tecido fibroso que mantenha a borda palpebral numa altura suficiente que evite uma exposição da esclera. Para isto tem sido descrita distintas técnicas de reconstrução com enxertos condromucosos de palato duro9,10 e septo nasal11,12, assim como enxertos simples de cartilagem auricular conchal ou escafoide13 os quais são bem tolerados quando usados em associação com os retalhos miocutâneos como o Tripier e ainda se beneficiando do limitado movimento da pálpebra inferior contra a superfície corneana14, com facilidade de acesso cirúrgico.

No caso apresentado indicamos a associação de duas técnicas de simples execução em único tempo cirúrgico: a lamela posterior requer uma estrutura que ofereça um adequado suporte à borda palpebral obtendo uma oclusão completa do globo ocular; o enxerto de cartilagem proveniente da escafa tem uma rigidez suficiente e ainda oferece uma convexidade semelhante a anatomia normal da borda palpebral inferior, recriando adequadamente a estrutura da placa tarsal, a diferença da cartilagem conchal que têm uma curvatura mais acentuada; a preservação do pericôndrio no enxerto favorece a reintegração mucosa da conjuntiva evitando o contato direto da cartilagem com a esclera. No nosso caso utilizamos a conjuntiva local remanescente conseguindo avança-la dando cobertura à esclera para posicionar o enxerto de cartilagem.

A associação desta técnica de reconstrução da lamela posterior com o retalho de Tripier, que possui vantagens já mencionadas, evidenciou um resultado estético favorável, coloração e textura semelhante com adequada funcionalidade, posicionamento correto da borda palpebral e oclusão completa da esclera.

CONCLUSÃO

O retalho miocutâneo de Tripier, monopediculado e o enxerto de cartilagem da escafa são dois recursos técnicos, que quando associados oferecem abordagem prática no planejamento de uma reconstrução de defeitos de espessura total e extensão maior a 60% da pálpebra inferior, oferecendo resultados estéticos e funcionais satisfatórios.

COLABORAÇÕES

CGM

Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

MC

Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

ACC

Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Redação - Revisão e Edição

AOE

Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Redação - Preparação do original

LG

Concepção e desenho do estudo, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

OS

Gerenciamento do Projeto, Supervisão, Validação

ERB

Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização

REFERÊNCIAS

1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro (RJ): INCA; 2018. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/estimativa/2018/

2. Chang EI, Esmaeli B, Butler CE. Eyelid reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2017;140(5):724e-35e.

3. Mustardé JC. New horizons in eyelid reconstruction. Int Ophthalmol Clin. 1989;29(4):237-46.

4. Alghoul M, Pacella SJ, McClellan WT, Codner MA. Eyelid reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2013;132(2):288e-302e.

5. Tripier L. Lambeau musculo-cutané en forme de pont. Appliqué à la restauration des paupières. Gazette Hôspitaux Paris. 1889;62:1124-5.

6. Elliot D, Britto JA. Tripier’s innervated myocutaneous flap 1889. Br J Plast Surg. 2004;57:543-9.

7. Siegel RJ. Severe ectropion: repair with modified Tripier flap. Plast Reconstr Surg. 1987;80(1):21-8.

8. Machado WLG, Sampaio FMS, Gurfinkel PCM, Melo MLC, Gualberto GV, Treu CM. Modified Tripier flap in reconstruction of the lower eyelid. An Bras Dermatol. 2015;90(1):108-10.

9. Nakajima T, Yoshimura Y. One-stage reconstruction of full-thickness lower eyelid defects using a subcutaneous pedicle flap lined by a palatal mucosal graft. Br J Plast Surg. 1996;49(3):183-6.

10. Siegel RJ. Palatal grafts for eyelid reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985;76(3):411-4.

11. Santos G, Goulão J. One-stage reconstruction of full-thickness lower eyelid using a Tripier flap lining by a septal mucochondral graft. J Dermatol Treat. 2014;25(5):446-7.

12. Maghsodnia G, Ebrahimi A, Arshadi A. Using bipedicled myocutaneous Tripier flap to correct ectropion after excision of lower eyelid basal cell carcinoma. J Craniofac Surg. 2011;22(2):606-8.

13. Koshima I, Urushibara K, Okuyama H, Moriguchi T. Ear helix flap for reconstruction of total loss of the upper eyelid. Br J Plast Surg. 1999;52:314-6.

14. Codner MA, McCord CD, Mejia JD, Lalonde D. Upper and lower eyelid reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010;126(5):231e-45e.











1. Serviço de Cirurgia Plástica Osvaldo Saldanha, Universidade Metropolitana de Santos, Santos, SP, Brasil.
2. Hospital A.C. Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Hospital A.C. Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente: Carlos Goyeneche Montoya Avenida Ana Costa, 146, Cond. 1201, Gonzaga, Santos, SP, Brasil. CEP: 11060-002. E-mail: carlosgoye.m@gmail.com

Artigo submetido: 5/11/2018.
Artigo aceito: 22/06/2019.

Conflitos de interesse: não há.

 

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