INTRODUÇÃO
As queimaduras químicas representam 4 a 5% do total de queimaduras, sendo 25% provocadas
por agente alcalino. Cinquenta por cento dos casos de queimaduras químicas se associam
a acidentes de trabalho, 30% estão relacionados a acidentes domésticos e 20% são ocasionados
por agressão1. É mais provável que as lesões químicas sejam mais profundas devido a uma exposição
prolongada ao agente em contraste com as lesões térmicas que, geralmente, apresentam
uma exposição mais curta ao calor intenso.
As queimaduras de terceiro grau são tratadas por desbridamento tangencial precoce
e curativos, seguidos de enxertia cutânea ou retalhos a depender da área afetada,
para obtenção de melhores resultados2. Porém, complicações e deformidades como infecções, contraturas e hiperpigmentação
do enxerto3, podem tornar um desafio o tratamento e prognóstico de um paciente grande queimado.
Atualmente, são pesquisadas e apoiadas a busca por diferentes estratégias que minimizem
essas complicações, como o uso de heparina tópica em queimaduras4 e trabalhos sobre o uso de retalhos, que tem se mostrado promissor5.
A abdominoplastia reversa é um procedimento publicado em 1972 com finalidade estética
para ressecção dos excessos cutâneos localizados no epigástrio, que determinava uma
única linha cicatricial no sulco infra mamários. Posteriormente, foi sugerido a abdominoplastia
reversa estendida com a finalidade de melhora estética de toda a parede anterior do
abdômen, com ampla dissecção até o púbis6.
Utilizando esses conceitos, foi proposta a cirurgia com conceito reparador a partir
de um caso de queimado em região toracoabdominal de paciente com excesso de pele,
minimizando tempo curativo, internação e procedimentos necessários para o término
do tratamento.
RELATO DO CASO
Paciente com 33 anos, feminina, caucasiana e primigesta. Vítima de queimadura por
produto químico (hidróxido de sódio, “soda cáustica”) em região toracoabdominal. Ao
exame apresentava queimaduras de 2° grau superficial em região anterior da face, dorso,
ambas as mamas, abdome e perineal. As queimaduras de 2° grau profundo se localizavam
em região cervical posterior, inframamária e abdome superior, totalizando cerca de
14% de superfície corporal queimada. Sem história de tabagismo e etilismo (Figura 1).
Figura 1 - Queimadura química em região toracoabdominal.
Figura 1 - Queimadura química em região toracoabdominal.
O atendimento inicial foi baseado nos protocolos do ATLS. Realizou-se na emergência
hidroterapia e curativo de quatro camadas. Nos primeiros dias de admissão, foram realizados
desbridamentos cirúrgicos tangenciais aos tecidos desvitalizados e curativos com desbridantes
químicos no intuito de preparar a ferida para o tratamento definitivo.
Após melhora dos aspectos das lesões das queimaduras, foi realizada a ressecção de
todo o tecido queimado seguido de descolamento supraumbilical do retalho abdominal
(Figura 2). Foi feito o avanço do retalho seguido de sutura por planos. O preparo operatório
envolveu todas as medidas de rotina, incluindo profilaxia tromboembólica.
Figura 2 - Retalho abdominoplastia reversa.
Figura 2 - Retalho abdominoplastia reversa.
As lesões de maior gravidade encontravam-se em localizações onde o agente permaneceu
em maior contato com a pele devido à impregnação nas roupas, que se situavam nas regiões
cervical posterior, inframamária e abdome superior. Após o primeiro desbridamento
foi observado um processo de necrose necessitando de um segundo procedimento complementar.
Após procedimento definitivo (mamoplastia com abdominoplastia reversa e enxertia abdominal
de pequenas áreas), a paciente evoluiu com discreta deiscência de sutura inframamária
bilateral no 10° dia pós-operatório (PO), tratada ambulatoriamente com desbridante
químico até epitelização completa. Obtivemos cicatrizes reduzidas e em ótimo aspecto
a longo prazo (Figuras 3, 4, 5 e 6).
Figura 3 - Pós-operatório imediato.
Figura 3 - Pós-operatório imediato.
Figura 4 - Aspecto final após 1 ano.
Figura 4 - Aspecto final após 1 ano.
Figura 5 - Aspecto final após 1 ano.
Figura 5 - Aspecto final após 1 ano.
Figura 6 - Aspecto final após 1 ano.
Figura 6 - Aspecto final após 1 ano.
DISCUSSÃO
Os álcalis são a segunda categoria mais frequente em queimaduras químicas, sendo o
hidróxido de sódio (soda cáustica) o agente etiológico mais frequente desse grupo.
O mecanismo de lesão tissular pela queimadura química por agente básico compreende
três fatores: 1 - desidratação celular intensa; 2 - saponificação da gordura (que
gera a perda do isolamento térmico do corpo); 3 - inativação das proteínas enzimáticas
que, paralelamente, formam ligações com o álcali, originando os proteinatos em uma
reação exotérmica, o que agrava ainda mais a lesão incial7. As queimaduras por álcalis penetram mais profundamente na pele quando comparadas
com queimaduras térmicas ou por ácidos e, devido a essa grande capacidade de penetração
tende à cronicidade da lesão pela dificuldade de eliminação do agente, sendo comum
a necessidade de vários desbridamentos tangenciais até se alcançar um tecido viavel8.
A paciente apresentava lesões profundas pelo agente químico e em localização propicia
ao retalho abdome reverso. A escolha pelo tratamento definitivo (como enxerto ou retalho),
deve ser avaliado caso a caso.
A escolha cirúrgica nesse caso, deveu-se a gravidade causada pela queimadura química
por sua extensão e profundidade, agregado a localização dessas lesões. A região é
propicia para o retalho abdome reverso (Figura 3). Vimos uma oportunidade de usar o retalho abdominal reverso já que havia excesso
dermogorduroso abdominal. Essa opção tem um resultado estético bem melhor que o enxerto
de pele parcial ou total, e não deixa cicatrizes adicionais. Em compensação, com o
uso do retalho sempre existe o risco de necrose e deiscência, que não ocorreram, mas
que trazem morbidade ao procedimento.
A maior parte das pacientes se queixam das cicatrizes e da qualidade estética dos
enxertos após a queimadura. Nesse caso, se tivéssemos optado pelo enxerto, no futuro,
faríamos uma correção com o abdome reverso. Apesar de o objetivo não ser um resultado
estético, o que fizemos foi pular uma etapa e o resultado foi bastante satisfatório.
A abdominoplastia reversa é um procedimento estético incomum. Já foi proposto como
reconstrução de cicatrizes crônicas por queimaduras prévias9, porém nossa proposta difere de outros casos da literatura por ser a reconstrução
imediata da região, encurtando tempo de tratamento e prevenindo procedimentos futuros.
A vascularização do retalho é mantido por 3 sistemas circulatórios bilateralmente:
1 - ramos perfurantes das artérias epigástricas inferiores, como principal fonte cutânea,
que emergem da bainha dos retos; 2 - ramos perfurantes formados pelas anastomoses
das artérias lombares, artérias circunflexas ilíacas profundas, remanescentes das
artérias intercostais, e remanescentes das artérias subcostais, que emergem da fáscia
do oblíquo externo; 3 - artérias epigástricas superficiais inferiores, artérias circunflexas
ilíacas superficiais, e artérias pudendas superficiais externas, originárias das artérias
femorais10.
Outros tipos de retalhos já foram utilizados para resolução de um paciente queimado
gerando menos complicações, e o conhecimento de um retalho incomum do abdome, pode
auxiliar no arsenal de cobertura de área queimada, reduzindo área exposta e, consequentemente,
reduzindo tempo de internação, complicações e número de procedimentos.
conclusão
A abdominoplastia reversa ganhou popularidade recentemente tanto para fins estéticos
como para fins reconstrutivos. Apesar de incomum, o uso dessa técnica cirúrgica para
reconstrução de lesões toracoabdominais é viável e seguro, pois apresenta boa vascularização
e excelente resultado estético. Pode-se tornar ferramenta importante para o cirurgião
plástico na reconstrução de grandes lesões. No caso do paciente queimado por queimadura
química, que necessita de alta demanda de procedimentos e tempo de tratamento, o conhecimento
de diferentes técnicas de retalhos, pode contribuir de maneira efetiva em seu prognóstico.
COLABORAÇÕES
GGAT
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Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho
do estudo, Gerenciamento do Projeto, Realização das operações e/ou experimentos
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BOB
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Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho
do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão,
Validação, Visualização
|
GCT
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Realização das operações e/ou experimentos
|
RBR
|
Realização das operações e/ou experimentos
|
RU
|
Realização das operações e/ou experimentos
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ACF
|
Realização das operações e/ou experimentos
|
HTR
|
Realização das operações e/ou experimentos
|
REFERÊNCIAS
1. Stewart CE. Chemical skin burns. Am Fam Physician. 1985;31(6):149-57.
2. Mélega JM, Viterbo F, Mendes FH. Cirurgia plástica: os princípios e a atualidade.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
3. Teles G, Bastos V, Mello G. Correction of hypercromic palmar graft with split-thickness
instep plantar graft: case report. J Burn Care Res. 2008;29(2):403-5.
4. Teles GGA, Bastos JAV, Amary A, Rufatto LA, Ritty RS, Broglio LAP, et al. Tratamento
de queimadura de segundo grau superficial em face e pescoço com heparina tópica: estudo
comparativo, prospectivo e randomizado. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):383-86.
5. Lazo DAA, Zatiti SCA, Colicchio O, Roncaglia F, Alvarez DM, Alvarez IM, et al. O emprego
dos retalhos livres em pacientes queimados: experiência de 58 retalhos em 46 pacientes.
Rev Bras Cir Plást. 2009;24(2):138-44.
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Burns. 2010;36(3):295-304. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2009.07.009
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9. Haik J, Grabov-Nardini G, Goldan O, Tessone A, Regev E, Mendes D, et al. Expanded
reverse abdominoplasty for reconstruction of burns in the epigastric region and the
inframammary fold in female patients. J Burn Care Res. 2007;28(6):849-53.
10. Boyd JB, Taylor GI, Corlett R. The vascular territories of the superior epigastric
and deep inferior epigastric systems. Plast Reconstr Surg. 1984;73(1):1-16.
1. Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz, José Marcos Mélega, Cirurgia Plástica,
São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Guilherme Gurgel do Amaral Teles Avenida Jandira, 79, Apto 71, Torre A2, Indianópolis, São Paulo, SP, Brasil. CEP:
04080-007. E-mail: guilhermeteles77@yahoo.com.br
Artigo submetido: 14/8/2018.
Artigo aceito: 21/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.