INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o aumento na demanda pelas cirurgias plásticas pós-bariátricas trouxe
novos desafios aos cirurgiões plásticos brasileiros1. Com as peculiaridades desse mercado, novas competências passaram a ser exigidas
e novos desafios foram apresentados2. De modo geral, o manejo clínico desses pacientes, muitas vezes desnutridos, anêmicos
e desproteinizados, é delicado e trabalhoso; o plano cirúrgico geralmente é mais amplo
e detalhado, o que exige múltiplos procedimentos; as cicatrizes normalmente são extensas
e a recuperação pós-operatória é mais prolongada; e especialmente a idealização do
resultado, que usualmente supera em muito o que será obtido com a cirurgia, completam
a complexidade desse tratamento3.
A necessidade de uma melhor abordagem psicológica pré-operatória foi uma das novas
exigências identificadas recentemente pelos cirurgiões plásticos4. Vários autores vêm demonstrando que cerca de 60% dos candidatos a uma cirurgia plástica
pós-bariátrica apresentam alguma psicopatologia, muitas vezes subclínica ou negligenciada5,6,7,8, sendo que a depressão, o transtorno ansioso generalizado e o transtorno dismórfico
corporal são as alterações mais prevalentes nessa população3,9,10,11.
Diferentemente do que se imaginava no passado3,9, a incidência desses transtornos tende a aumentar após a cirurgia bariátrica1,4. Além das causas intrínsecas, dois fatores parecem contribuir para a piora do quadro
psicológico desses pacientes no pós-operatório: o prejuízo estético determinado pela
dermatocalaze generalizada, causada pelo rápido e significativo emagrecimento; e a
relativa demora entre os procedimentos reparadores, postergando a conclusão de todo
o sonhado processo cirúrgico2,3,5,12.
Diante dessa instabilidade emocional, em muitos casos, a cirurgia plástica pós-bariátrica,
tida algumas vezes como a “salvadora da pátria”, transforma-se em foco de grande frustração
e arrependimento13. Os níveis de satisfação com o procedimento geralmente são menores do que na população
em geral, pois a própria avaliação da qualidade do resultado cirúrgico fica comprometida
em um paciente instável emocionalmente ou comprometido psicologicamente4,6. A frustração pela não obtenção do resultado pós-operatório idealizado é geralmente
exacerbada, agravando ainda mais o quadro psicológico destes pacientes5. Além disso, observa-se na prática clínica, que nem sempre os pacientes apresentam
o perfil ideal para uma cirurgia plástica, mesmo tendo indicações físicas significativas
para o procedimento4,6.
Para contribuir com essa identificação, uma avaliação psicológica profissional é fundamental
para a detecção das verdadeiras motivações do paciente, muitas vezes inconscientes,
bem como para a detecção de possíveis transtornos alimentares e de humor, com potencial
prejuízo para o pós-operatório e para o resultado em longo prazo14,15. Atualmente, diversos autores recomendam o encaminhamento desses pacientes a um serviço
especializado para diagnóstico das condições psicológicas antes de se realizar qualquer
procedimento cirúrgico pós-bariátrico, estratégia considerada como a primeira linha
para a prevenção das temidas complicações psiquiátricas no pós-operatório1,14,16.
Nos dias de hoje, essa prática é comum nos centros de excelência no assunto, minimizando
as intercorrências e os processos por alegado erro médico1. Entretanto, esta realidade é ainda muito distante da clínica privada da maior parte
dos cirurgiões plásticos brasileiros, especialmente daqueles que atuam fora dos grandes
centros1. Neste cenário, a simples menção da necessidade de uma avaliação psicológica determina
grande estresse ao ex-obeso, prejudicando a já frágil relação médico-paciente16. Essa resistência, muitas vezes, ou impede o seguimento do tratamento, ou exige complacência
do cirurgião plástico, concordando com a negativa do paciente, desistindo, assim,
do encaminhamento ao psicólogo1,16.
Uma saída recomendada é a utilização de ferramentas para triagem psicológica específica
já na primeira consulta1. Com elas, o cirurgião plástico teria condições de identificar, com mais facilidade,
os pacientes em risco de transtornos psicológicos e, concomitantemente, tentar prever
as complicações associadas1,16. Segundo a literatura, essa conduta minimizaria a resistência por parte dos pacientes,
uma vez que racionalizaria o problema, facilitando o entendimento e a importância
do encaminhamento para a avaliação especializada1,5,16.
A dificuldade dos estudiosos está justamente no desenvolvimento de uma ferramenta
simples, rápida e de fácil aplicação, que ofereça uma triagem psicológica eficiente
para ser utilizada nos consultórios de cirurgia plástica sem que haja a necessidade
de um profissional da área como um psicólogo ou psiquiatra presente1,9. Várias já
foram propostas, porém, um padrão-ouro ainda não foi plenamente estabelecido e a busca
persiste17.
O objetivo deste estudo é realizar uma revisão da literatura sobre as alternativas
disponíveis para a avaliação psicológica preliminar de pacientes candidatos a cirurgias
plásticas pós-bariátricas, apresentando a conduta preconizada no ambulatório de Cirurgia
Plástica Pós-Bariátrica da UFMS.
MÉTODOS
Utilizando a base de dados MEDLINE/PubMed, foram analisados artigos da literatura
médica, que tratavam da avaliação psicológica de pacientes candidatos a cirurgias
plásticas pós-bariátricas, publicados nos últimos 20 anos.
As palavras-chave utilizadas foram “bariatric surgery”, “body image”, “quality of life”, “obesity”, “plastic surgery” e “psychiatry”, termos validados pelo MeSH, através de diversas combinações e suas respectivas
traduções para o português. Dos trabalhos encontrados, foram selecionados os ensaios
clínicos, que utilizaram ferramentas de triagem psicológica pré-operatória em pacientes
candidatos à cirurgia plástica pós-bariátrica.
RESULTADOS
Das publicações encontradas, após a exclusão dos textos que não abordavam a avaliação
psicológica específica de paciente pós-bariátricos, apenas 4 trabalhos foram incluídos
no presente estudo (Quadro 1).
Quadro 1 - Avaliação psicológica pré-operatória em pacientes candidatos a cirurgias plásticas
pós-bariátricas.
Título |
Autores |
Local de Publicação |
Método utilizado |
Achados |
Body Contouring Surgery after Bariatric Surgery: A Study of Cost as a Barrier and Impact on Psychological Well-Being
|
Arash, Azin; Carrol Zhou; Timothy Jackson; Stephanie Cassin; Sanjeev Sockalingam; Raed Hawa
|
Plast. Reconst. Surg. 133: 776e, 2014
|
Patient Health Questionnaire (PHQ-9); Generalized Anxiety Disorder (GAD-7); Short Form-36. |
Utilizando essa associação de métodos, os autores identificaram que os pacientes submetidos
a cirurgias plásticas pós-bariátricas podem apresentar uma evolução psicológica mais
satisfatória.
|
Body image and quality of life in patients with and without body contouring surgery
following bariatric surgery: a comparison of pre- and post- surgery groups
|
Martina de Zwaan Ekaterini Georgiadou Christine E. Stroh Martin Teufel Hinrich Köhler Maxi Tengler Astrid Müller
|
Front Psychol. 2014;5:1310. Published 2014 Nov 18.
|
Multidimension al Body-Self Relations Questionnaire (MBSRQ); Quality of life (IWQOL-Lite), Symptoms of depression (PHQ-9), and anxiety (GAD- 7).
|
Utilizando essa associação de métodos, os autores não identificaram benefício psicológico
nos pacientes submetidos a cirurgias plásticas pós-bariátricas. No entanto, aqueles
que se submeterem à cirurgia do contorno corporal tiveram uma evolução quanto a satisfação
corporal, a avaliação da aparência e a capacidade funcional melhor avaliadas.
|
Body Image and Quality of Life in Post Massive Weight Loss Body Contouring Patients |
Angela Y. Song; J. Peter Rubin; Veena Thomas; Jason R. Dudas; Kacey g. Marra; Madelyn H. Fernstrom
|
Obesity (Silver Spring, Md. vol. 14. No.9 - 1626-36. September 2006
|
Inventário de Depressão de Beck (BDI) |
Os autores não encontraram benefício psicológico nos pacientes submetidos a cirurgias
plásticas pós- bariátricas, visto que todos os pacientes do estudo se encontravam
dentro da faixa de normalidade do inventário, em 0, 3 e 6 meses.
|
Psychological and Psychiatric Traits in Post-bariatric Patients Asking for Body-Contouring Surgery
|
Chiara Pavan; Massimo Marini; Eleonora De Antoni; Carlotta Scarpa; Tito Brambullo; Franco Bassetto; Annapina Mazzotta; Vicenzo Vindigni
|
Aesthetic Plast Surg. 2016 Dec 28 Published online 2016 Dec 28. |
Mini International neuropsychiatr ic interview (MINI); BDI-II. |
Utilizando essa associação de métodos, os autores não identificaram benefício psicológico
nos pacientes submetidos a cirurgias plásticas pós-bariátricas.
|
Quadro 1 - Avaliação psicológica pré-operatória em pacientes candidatos a cirurgias plásticas
pós-bariátricas.
DISCUSSÃO
No passado, acreditava-se que a cirurgia plástica pós-bariátrica poderia beneficiar
o componente emocional dos pacientes, a partir de uma melhora na estética corporal,
atenuando algumas psicopatologias pré-existentes4. Infelizmente, diversos estudos demonstram que isso não é verdade4,13,18. Apesar de poder oferecer uma melhora significativa na qualidade de vida, por meio
da valorização da imagem corporal e do aumento na autoestima, a influência positiva
da cirurgia plástica na evolução das doenças mentais já estabelecidas ainda não foi
completamente elucidada e não pode ser garantida4,5,6. Na verdade, segundo alguns autores, as psicopatologias mais frequentes nessa população
tendem inclusive a piorar, em uma parcela significativa dos pacientes no pós-operatório1,13,18.
Há um consenso quanto a não recomendação de cirurgias plásticas em pacientes com transtornos
mentais1,11,13. Segundo Ferreira, em 200419, a cirurgia plástica pode até modelar adequadamente o corpo, conduzindo-o a formas
mais harmônicas e agradáveis, mas não trata os problemas emocionais já existentes.
A literatura acadêmica é rica em “casos catástrofes” envolvendo cirurgias plásticas
e psicopatologias, associando-as a maiores índices de complicações pós-operatórias,
insucessos cirúrgicos e insatisfações crônicas11,20.
Desta forma, durante a consulta pré-operatória de rotina, a simples suspeita da presença
de transtornos mentais, especialmente os leves, é um verdadeiro impasse para o cirurgião
plástico11. A consulta geralmente é focada na dificuldade técnica do caso, nas estratégias cirúrgicas
a serem propostas e na avaliação clínica do paciente; todos estes aspectos apresentam
alto grau de dificuldade no paciente pós-bariátrico11. Com isso, a atenção para a detecção de alterações psiquiátricas geralmente fica
em segundo plano, sendo este, talvez, o maior paradigma a ser transposto para uma
atuação mais qualificada na cirurgia plástica pós-bariátrica.
Acreditava-se que uma boa anamnese poderia identificar a maior parte dos problemas
psicológicos; infelizmente, apesar de indispensável, ela é muito pouco efetiva nos
indivíduos com transtornos psicológicos, ansiosos pelo procedimento cirúrgico10. De modo geral, esses pacientes apresentam uma postura atrativa e sedutora, conduzindo
a evolução da consulta e o desenrolar do plano cirúrgico. Costumam, dessa forma, dissimular
suas queixas e minimizar suas expectativas, iludindo mesmo os médicos mais atentos
e experientes11,16. Outro fator que dificulta a triagem psicológica é que muitos dos sintomas neurovegetativos
e somáticos, causados pela doença mental, como fadiga, insônia e perda de peso, podem
ser facilmente confundidos com sintomas decorrentes da própria condição de ex-obeso20.
O processo diagnóstico de transtornos psiquiátricos baseia-se na identificação de
síndromes clínicas, sendo extremamente dificultado pela ausência de marcadores biológicos
consistentes21. Assim, diversos autores vêm recomendando a utilização de metodologias específicas
para a triagem psicológica na consulta inicial: as chamadas ferramentas de detecção
de psicopatologias16,17. O objetivo da sua aplicação seria identificar os pacientes mais suscetíveis a transtornos
mentais, encaminhando-os então para uma avaliação psicológica especializada10. No entanto, ainda não existe uma ferramenta específica e bem validada para o uso
em pacientes pós-bariátricos candidatos aos procedimentos estéticos, que seja utilizável
nos consultórios de cirurgia plástica9,10,17,20,22.
Na revisão da literatura aqui apresentada, apenas quatro ensaios clínicos (Quadro 1) utilizaram métodos de triagem em consultas pré-operatórias em pacientes candidatos
a cirurgias plásticas pós-bariátricas. Esse baixíssimo número de estudos é surpreendente
e, ao mesmo tempo, preocupante, especialmente porque os resultados são divergentes,
não sendo suficientes para que se eleja, mesmo que superficialmente, um método de
triagem psicológica padrão-ouro.
Nos artigos de Azin et al., em 201423 e Zwaan et al., em 201424, os autores utilizaram a associação de diferentes ferramentas em pacientes pós-bariátricos
candidatos à cirurgia do contorno corporal. Os autores defenderam, que essa associação
seria útil para diagnosticar com mais facilidade as psicopatologias. No entanto, apesar
de utilizarem métodos semelhantes, os autores obtiveram resultados frontalmente opostos,
o que fragiliza a tese de que essa associação seja o método de triagem ideal. Além
disso, essa estratégia, com múltiplos testes, dificulta a aplicabilidade clínica,
exigindo maior tempo de avaliação pré-operatória inicial, não sendo assim recomendada
como método de avaliação inicial ideal. A trabalhosa aplicabilidade da associação
dos testes ainda dificulta sua reprodução em outros estudos, tendendo a inviabilizar
sua aplicabilidade clínica. Em suas conclusões, ambos autores honestamente referem
as dificuldades das obras e as limitações de seus estudos.
No artigo de Song et al., em 200625, os autores utilizaram o método BDI - mais focados nos sintomas depressivos -, não
identificando diferenças entre os grupos estudados. Segundo a literatura, a utilização
apenas do BDI pode subdiagnosticar transtornos muito prevalentes nestes pacientes,
como a ansiedade e os transtornos somatoformes26. Nesse caso, o método, quanto aplicado isoladamente, não parece ser a melhor escolha
para triagem dos pacientes candidatos à cirurgia plástica pós-bariátrica. De uma forma
muito parecida às conclusões de Azin et al., em 201423, Zwaan et al., em 201424 e Song et al., em 200625, em suas considerações finais, enaltecem as fragilidades do estudo e o longo caminho
a ser percorrido até a definição da ferramenta de triagem ideal para a população pós-bariátrica.
No artigo de Pavan et al., em 201727, os autores associaram ao método BDI II, o método MINI Plus. A conclusão do estudo
evidencia uma discrepância de resultados obtidos e as psicopatologias analisadas,
sendo que os próprios autores não conseguiram traçar uma estratégia clara de qual
método de triagem deveriam preconizar. Segundo Pavan et al., em 201727, a associação de múltiplos instrumentos parece ser a tendência atual para a triagem
psicológica dos candidatos a cirurgias pós-bariátricas, especialmente pela complexidade
emocional do paciente ex-obeso e pela ausência de uma ferramenta completa, que possibilite
uma abrangência de todos os possíveis componentes a serem pesquisados.
Como visto aqui, a literatura sobre o assunto ainda é rasa e incipiente, necessitando
de mais estudos e de uma maior percepção da importância do tema para a cirurgia plástica.
Isso é completamente diferente quando analisamos os pacientes obesos, que ainda não
foram submetidos a uma cirurgia bariátrica. Nesses casos, a literatura produzida pelas
equipes de cirurgia do aparelho digestivo é farta em estudos e a produção de conhecimento
é contínua e bem fundamentada.
Uma das ferramentas mais utilizadas em linhas de pesquisa, que avaliam candidatos
à cirurgia bariátrica é o Inventário de Depressão Beck28, amplamente conhecido como BDI (Beck
Depression Inventory)10,20,22. Essa ferramenta avalia a intensidade de sintomas depressivos, podendo ser facilmente
executado nas consultas de pré-operatório9,16. É um instrumento rápido, prático, com alta taxa de aceitação, credibilidade e acurácia
na triagem de sintomas depressivos21. Embora não tenha pretensões diagnósticas, seu uso facilita o rastreamento de psicopatologias,
com índices de sensibilidade e especificidade elevados20,21,22. Trata-se de um questionário, no qual o paciente responde a 21 afirmações, correlacionadas
a sintomas e atitudes depressivas28 determinando sua intensidade com respostas que variam de 0 a 3, sugerindo graus crescentes
de gravidade da doença29. O escore final é o somatório das respostas, com pontuação mínima de zero e máxima
de 63 pontos17, sendo que, de acordo com os autores, uma pontuação ≥ 17 classificaria o paciente
como “em risco”29. Em 1996, o BDI passou por uma revisão considerável, o que resultou em sua segunda
edição (BDI - II), mais direta e de fácil entendimento30, aproximando-se ainda mais dos novos critérios diagnósticos estabelecidos para Depressão
Maior presentes na 5a edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-V)8.
Outro método muito utilizado nos estudos com pacientes pré-bariátricos é o Patient Health Questionnaire (PHQ-9). Trata-se de uma ferramenta de rápida aplicação, muito utilizada para avaliação
e rastreamento de transtornos depressivos. Embasado nos critérios diagnósticos do
DSM-5, possui 9 tópicos, avaliados por meio de uma escala, que varia de 0 (“nenhuma
vez”) a 3 (“quase diariamente”), correspondentes à periodicidade dos sintomas e sinais
depressivos, podendo resultar entre 0 e 27 pontos. Quando o somatório é ≥ 10, torna-se
um indicador positivo do transtorno. O PHQ-9 é derivado do Primary Care Evaluation of Mental Disorders (PRIME-MD), que foi criado para rastreio dos principais transtornos mentais na atenção
básica, como o abuso de álcool, ansiedade, depressão, transtornos alimentares e somatoformes31.
Apesar de suas amplas aplicações, o PHQ e o BDI não são livres de críticas17,21. Alguns autores alegam que eles são específicos demais para a triagem de depressão,
não avaliando as outras psicopatologias tão frequentes nos ex-obesos21. Além disso, as ferramentas necessitariam ainda de uma adaptação para os pacientes
pós-bariátricos, com níveis de corte distintos e estratégias de aplicação e controle.
Alguns autores ainda recomendam que se associe, a esses métodos, ferramentas de triagem
menos focadas nos sintomas depressivos e mais nas inter-relações pessoais e na análise
da qualidade de vida22. Exemplos descritos na literatura são o Medical Outcomes
Study Short Form, a Adaptation Self-Evaluation Scale, a Social
Adjustment Scale Self- Report, o Multiple Affective Adjective Check List,
o Brief Symptom Inventory, a Escala de Hamilton e a Escala de Zung20,21,22.
Especificamente relacionado à cirurgia plástica, Sarwer et al., em 200832, desenvolveram um questionário que avalia as motivações e expectativas dos pacientes,
suas percepções de autoimagem corporal, bem como seu status psiquiátrico no momento
da consulta. Pinho et al., em 20111, recomendam a utilização do questionário de Sarwer, conferindo a ele um patamar de
excelência. Também para essa população, D’Assumpção, em 201711, modificou a Escala de Pisa, ferramenta prática e rápida, direcionada para o diagnóstico
do Transtorno Dismórfico Corporal8. Contudo, a validação desses métodos na população pós-bariátrica ainda carece de
confirmação e de mais estudos.
A construção da ferramenta ideal parece ainda estar distante da prática clínica e
merece mais questionamentos17. No ambulatório de Cirurgia Plástica Pós-Bariátrica, do Hospital Universitário da
UFMS, adotamos o que chamamos de Triagem Multiaxial21, baseado no tripé: anamnese humanizada, detecção de “marcadores de risco” e pontuação
no BDI.
Na primeira consulta de pré-operatório, preconizamos uma atenção maior aos aspectos
biopsicossociais dos pacientes, valorizando a relação médico-paciente humanística,
verdadeira e comprometida, compartilhando com eles a complexidade do processo e os
desafios a serem enfrentados19. Acreditamos que a conquista da confiança deste complexo paciente deve ser estabelecida
nesse primeiro encontro, sendo que a análise dos aspectos técnico-cirúrgicos, antes
nosso grande foco de interesse, fica agora reservada para a parte final da primeira
consulta e para as subsequentes.
Realizamos, nessa parte inicial do primeiro atendimento, uma anamnese direcionada
a aspectos psiquiátricos específicos, colhendo uma história minuciosa, dando destaque
ao indivíduo e não a seus sintomas físicos, oferecendo-lhe a chance de expor seus
sentimentos, queixas e expectativas. Questionamos sobre sua vida pessoal e relacional,
seus hábitos, suas fontes de prazer e de tristezas13. Em seguida, apresentamos o BDI, explicamos suas motivações e solicitamos que o paciente
o responda.
Enquanto o paciente analisa o BDI, estudamos os achados da anamnese, procurando identificar
os chamados “marcadores de psicopatologia”, fatores de risco relacionados com uma
evolução pós-operatória ruim: a) pacientes com elevado grau de exigência e com expectativas
irreais sobre o procedimento; b) pacientes muito insatisfeitos com uma cirurgia estética
prévia (com bom resultado); c) pacientes com deformidades corporais mínimas, mas queixas
profundas; d) pacientes sem condições intelectuais para compreender sobre a complexidade
das cirurgias e suas limitações técnicas; e) pacientes com motivações vagas, de terceiros
ou baseadas em problemas de relacionamento; f) pacientes com extrema baixa autoestima;
g) pacientes com histórico de depressão ou internações psiquiátricas; h) pacientes
solitários; i) pacientes com transtorno de personalidade; j) pacientes com ideação
suicida11,28.
Na presença de pelo menos um destes marcadores ou se a pontuação no BDI atingir ≥
17, contraindicamos inicialmente o procedimento e encaminhamos o paciente para uma
avaliação com um profissional de saúde mental9,13,26. Explicamos que a realização futura do procedimento estará condicionada à liberação
desse profissional e que esta será anexada ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE)16. Pinho et al., em 20111, recomendam uma completa documentação da abordagem psicológica/psiquiátrica pré-operatória,
com a presença de relatórios de profissionais especializados, como medida de proteção
para o cirurgião plástico. Alguns pacientes insatisfeitos com suas cirurgias plásticas
pós-bariátricas têm utilizado, em processos de erro médico, sua condição psiquiátrica
pré-operatória como justificativa para o não entendimento dos termos de consentimento
e das orientações acerca do procedimento1.
Mesmo naqueles pacientes que não tiveram os fatores de risco identificados (Marcadores
e/ou BDI < 16), dedicamos mais tempo à consulta, explicando os pormenores do pré,
trans e pós-operatório33. Infelizmente, essa conduta, apesar de muito efetiva, não consegue evitar todos os
dissabores. Mesmo com uma triagem negativa e todo cuidado dispensado, alguns pacientes
desenvolverão quadros psiquiátricos no pós-operatório. Nesses casos, é fundamental
que sejam referenciados imediatamente a um psiquiatra, para minimizar as perdas, controlando
a situação o mais rápido possível13, bem como a um acompanhamento psicológico, para intervenções cognitivas e comportamentais.
CONCLUSÃO
A utilização de estratégias apropriadas para a triagem das psicopatologias no pré-operatório
das cirurgias plásticas pós-bariátricas pode auxiliar na prevenção de prejuízos significativos
no pós-operatório. A construção da ferramenta ideal ainda carece de validação na população
pós-bariátrica, exigindo ainda um desenvolvimento mais acurado e a validação pela
comunidade científica. Além do amplo conhecimento técnico clínico-cirúrgico, o cirurgião
plástico deve se manter atento aos sinais e sintomas psicopatológicos desses pacientes,
estando preparado para, quando indicado, encaminhá-los para avaliação psiquiátrica
e psicológica.
COLABORAÇÕES
DNS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento de
Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão,
Validação, Visualização
|
MR
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Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação
- Revisão e Edição, Validação
|
KFMV
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição, Supervisão
|
AABMR
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Conceitualização,
Gerenciamento do Projeto, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Validação
|
EGB
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Conceitualização, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos,
Redação - Revisão e Edição
|
TRA
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Investigação, Metodologia, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição
|
HJOC
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
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1. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Hospital Universitário Maria Aparecida
Pedrossian, Campo Grande, MS, Brasil.
2. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Faculdade de Medicina UFMS, Campo Grande,
MS, Brasil.
3. Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Campo Grande,
MS, Brasil.
Autor correspondente: Daniel Nunes e Silva Rua Alto Porã, 51, Chácara Cachoeira, Campo Grande, MS, Brasil. CEP: 79040-045. E-mail:
dermatoeplastica@gmail.com
Artigo submetido: 30/4/2019.
Artigo aceito: 21/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.