INTRODUÇÃO
Durante o processo de envelhecimento e consequente ptose mamária, ocorre o esvaziamento
de seu polo superior. Perde-se a forma anatomicamente bela e sua base torna-se transversal,
invertendo seus diâmetros1. O horizontal se apresenta alongado, quanto maior se apresenta a ptose. Pois, em
visão frontal, o diâmetro vertical da mama esteticamente perfeita deve se apresentar
mais longo que o horizontal na proporção de 1.3/1. Em pós-operatórios esta queixa
também é frequente, pois os retalhos possíveis para projeção do polo superior e alongamento
do diâmetro vertical e redução do horizontal, não oferecem o preenchimento pleno em
todos os casos, porque não atingem a linha mamária horizontal superior (HHBL), que
é a união entre as duas pregas axilares anteriores1.
São descritos retalhos de tecido mamário com essa finalidade. O mais utilizado é o
retalho axial de pedículo inferior de Ribeiro et al., em 20022, em suas várias formas2,3. Mas em alguns casos ele não atinge o polo superior, quando a medida entre o sulco
submamário (onde está seu pedículo vascular) e a aréola é insuficiente para que sua
extremidade sob a mama chegue até a linha mamária horizontal superior (HHBL)1. E esse excelente retalho preenche tanto o polo superior quanto o inferior, não alterando
a proporção entre eles. Retalhos cruzados das vertentes medial e lateral da mama teriam
a mesma finalidade, um deles preenchendo o polo mamário superior e o outro tomando
a posição do primeiro4,5,6.
Nesse processo de ptose mamária, se observarmos a mama de perfil (Figura 1), a medida entre o ápice do cone e o sulco cresce e a medida do ápice ao bordo do
polo superior encurta. A relação de proporção entre a medida inferior e a superior
que devia ser de 1/1.6 até 1/1.41 está mais próxima de 1 ou invertida, à medida que a mama adquire mais flacidez. Também
ocorre em pós-operatório de técnicas que não modelam e estruturam o cone mamário como
princípio fundamental, com proporções e medidas adequadas e utilizam da tração e resistência
da pele para dar-lhe forma. No médio prazo a mama adquire a forma deixada pelo cirurgião,
distende a pele, agindo como expansor. Alongam a cicatriz vertical mesmo que de início
seja curta e sob tensão. A proporção referida entre polo superior e inferior se invertem,
e a mama perde sua forma original do pós-operatório imediato.
Figura 1 - Mama com ptose e volume maior abaixo da aréola; inversão das medidas entre o ponto
A até o sulco e do mesmo até o rebordo superior da mama.
Figura 1 - Mama com ptose e volume maior abaixo da aréola; inversão das medidas entre o ponto
A até o sulco e do mesmo até o rebordo superior da mama.
Em casos de mamoplastias secundárias, em que há o volume suficiente para recriar a
forma adequada, e a proporção entre o segmento inferior e superior está invertida,
estará indicada a tática proposta. E também em mamas primárias com a mesma inversão,
denominada às vezes de pseudoptose7.
OBJETIVO
Descrever retalho de pedículo superior para preenchimento do polo mamário superior.
MÉTODOS
Há um princípio fundamental que rege a anatomia vascular do retalho. As mamas são
consideradas glândulas sudoríparas profundamente modificadas e são fundamentalmente
ectodérmicas, ou seja, fixadas à pele.
Ao nascimento, as glândulas mamárias apresentam o mesmo desenvolvimento em ambos os
sexos. Prosseguindo sua evolução, no sexo feminino, modificam-se na puberdade sob
influência de hormônios e também no período da gravidez e aleitamento.
Durante a puberdade feminina os germes mamários se desenvolvem e distendem a pele
e o tecido subcutâneo, diminuindo sua espessura desde o tórax adjacente periférico
à glândula até a aréola. É neste tecido que correm vasos sanguíneos, linfáticos e
nervos em rede convergente até o CAP. O crescimento da mama depende de dosagem hormonal
e o número de brotos.
A forma depende da distensibilidade da pele. Quanto mais resistente a mama será menos
projetada, com base mais larga. Quanto mais fina ela será mais projetada, com base
mais estreita. Por isso, existem várias formas relacionadas à extensão da base e à
projeção do cone mamário. Podem ser classificadas quanto a forma em 4 grupos de hipertrofias
e 4 de hipomastias8,9.
A vascularização superior é originária das perfurantes da artéria torácica interna,
com seus ramos do segundo e terceiro espaços mais calibrosos. Irrigam a porção superior
interna a partir do tecido subcutâneo para dentro, em direção ao tecido mamário. Na
porção lateral superior, os ramos mamários que penetram na glândula, a partir do tecido
subcutâneo, são originários da artéria torácica lateral, ramo da axilar. E no polo
superior, a irrigação advém dos ramos peitorais da artéria toracoacromial, penetrando
na glândula da mesma forma que as outras, através do tecido subcutâneo (Figuras 2A, 2B e 2C)10.
Figura 2 - Esquema de vascularização da mama da superfície para a profundidade, com pedículos
em todos os quadrantes em rede até a papila.
Figura 2 - Esquema de vascularização da mama da superfície para a profundidade, com pedículos
em todos os quadrantes em rede até a papila.
A espessura do subcutâneo no tórax só se altera com mudanças de peso corporal. Serve
de guia para obtenção de retalhos ou descolamentos da glândula, sem prejuízos para
irrigação arterial, drenagem venosa, linfática e inervação.
Cirurgia
As marcações de excessos de pele a serem ressecadas, a fim de corrigir a ptose devem
ser realizadas de acordo com a experiência do cirurgião. Pode ser em T invertido,
L ou vertical, dependendo do grau de ptose.
No meridiano da mama, a medida entre o ponto A e o rebordo glandular superior é igual
ou menor do que a medida do ponto A ao sulco submamário. Em casos primários ou secundários,
com volume suficiente, está indicada a tática proposta. Exceto em casos secundários
onde a cirurgia primária foi realizada por técnicas que descolaram a pele da glândula.
Desepidermiza-se a pele excedente da área demarcada até o sulco submamário. Tanto
periareolar e subareolar, podendo esta região inferior ser removida.
Com uma pinça Kocher traciona-se o ponto A perpendicularmente ao tórax, até que a
glândula tenha a forma de um cone (Figura 3A).
Figura 3 - A. Marcação do retalho mamário a ser obtido preservando a espessura do subcutâneo igual
ao do tórax adjacente. B. A base da mama descolada dos músculos peitorais e o retalho obtido preservando a
espessura do subcutâneo do tórax adjacente; C. Vista do retalho onde retirou-se os excedentes de sua parte medial e lateral; e retirada
de cunha no polo inferior para reduzir o diâmetro látero-lateral; D. O retalho mergulhado sob a mama com a extremidade atingindo a linha mamaria horizontal
superior (LHBL).
Figura 3 - A. Marcação do retalho mamário a ser obtido preservando a espessura do subcutâneo igual
ao do tórax adjacente. B. A base da mama descolada dos músculos peitorais e o retalho obtido preservando a
espessura do subcutâneo do tórax adjacente; C. Vista do retalho onde retirou-se os excedentes de sua parte medial e lateral; e retirada
de cunha no polo inferior para reduzir o diâmetro látero-lateral; D. O retalho mergulhado sob a mama com a extremidade atingindo a linha mamaria horizontal
superior (LHBL).
No meridiano mamário, no ponto A, marca-se a medida inferior que se deseja para a
vertente (6-7-8cm) em direção ao sulco submamário. É deste ponto até o sulco que se
obtém a espessura possível do retalho, podendo ser reduzida, se necessário. Ela representa
o quanto é possível que o polo superior seja aumentado, reduzindo o polo inferior.
Matematicamente, pode-se inverter as proporções, transportando tecido do polo inferior
para o superior e pode-se oferecer a proporção entre 1/1.4 até 1/1.6 entre a medida
inferior e superior, tendo como base o ponto A da futura papila.
A mama deve ser descolada dos músculos peitorais. Preservando-se, medial e lateralmente,
a espessura do subcutâneo periférico sem descolamento, evitando lesões aos vasos que
a irrigam. Superiormente, descola-se até alcançar a linha mamária horizontal superior,
sem atingir os vasos nutrientes superiores presentes no tecido subcutâneo. No polo
inferior, no meridiano, deixa-se um mini pedículo inferior de Ribeiro et al., em 20022, para recompor o mesmo (Figura 3A). Descola-se o tecido mamário do retalho na lateral e medial, em pele e subcutâneo,
preservando novamente a espessura igual ao tórax adjacente (Figura 3B).
A glândula transversalmente é incisionada onde foi realizada a marcação da espessura
do retalho, direcionando-a ao polo superior até logo acima do diâmetro transversal
da base do cone mamário (Figura 3C).
Este retalho glandular obtido de forma ligeiramente cilíndrica, se reduzido em seus
bordos lateral e medial (Figuras 3B e 3C) assemelha-se ao “meio hambúrguer” (Figuras 4A e 4B). É revirado em “folha de livro”, com o eixo transversal do pedículo acima da metade
da base da mama. Ele é introduzido pela área descolada superior atingindo a linha
mamária horizontal superior (HHBL)1 (Figuras 3D, 4C e 4D), onde sua extremidade é fixada. Ele refaz o polo mamário superior, preenchendo-o,
reduzindo o inferior e inverte-se as medidas entre os dois segmentos (Figuras 5A e 5B). Se houver necessidade de redução do diâmetro látero-lateral do cone mamário, pode-se
fazer uma cunha vertical no tecido mamário remanescente do polo inferior até antes
do pedículo do retalho (Figuras 3C e 3D).
Figura 4 - O mesmo retalho em forma de meio "hambúrguer", sem remover as partes lateral e medial
do mesmo.
Figura 4 - O mesmo retalho em forma de meio "hambúrguer", sem remover as partes lateral e medial
do mesmo.
Figura 5 - Esquema em perfil da transferência do tecido mamário do polo inferior para o superior
em forma de retalho glandular misto axial e randomizado.
Figura 5 - Esquema em perfil da transferência do tecido mamário do polo inferior para o superior
em forma de retalho glandular misto axial e randomizado.
Se maiores reduções de volume forem necessárias resseca-se parte dos retalhos ou tecido
da base inferior. Em todas as manobras táticas deve-se preservar a espessura do subcutâneo
igual ao do tórax, exceto no polo superior onde será alojado o retalho.
RESULTADOS
Foram operadas pelos autores, seis pacientes no Hospital de Base da Faculdade Estadual
de Medicina de São José do Rio Preto. Todas assinaram o consentimento livre e esclarecido
sobre o ato cirúrgico a ser realizado. Os resultados demonstraram preenchimento do
polo superior através da referida inversão de medidas do polo inferior e superior,
bem como projeção adequada (Figuras 6A-6F) e (Figuras 7A-7F), e consequente melhoria da forma da mama. Não houve complicação relativa à vascularização
do tecido mamário. Este permaneceu natural à palpação, sem enduramentos ou sinais
clínicos de esteatonecrose. Em um caso foi solicitado a remoção dos implantes, a cápsula
fibrosa era recente, sem sinais de depósito de cálcio; a porção anterior dela foi
utilizada fixa ao retalho, facilitando sua sutura ao polo superior (Figuras 8A-8F). Há necessidade de mais casos a serem operados, a fim de analisar resultados a longo
prazo das formas mamárias obtidas e também de complicações, uma vez que se trata de
tática cirúrgica de mamoplastia inovadora e não técnica.
Figura 6 - Pré e pós-operatório utilizando o procedimento descrito.
Figura 6 - Pré e pós-operatório utilizando o procedimento descrito.
Figura 7 - Pré e pós-operatório utilizando o procedimento descrito.
Figura 7 - Pré e pós-operatório utilizando o procedimento descrito.
Figura 8 - Pré e pós-operatório de paciente que não desejava mais usar implantes, foram removidos
e o retalho foi feito em conjunto com a cápsula fibrosa anterior.
Figura 8 - Pré e pós-operatório de paciente que não desejava mais usar implantes, foram removidos
e o retalho foi feito em conjunto com a cápsula fibrosa anterior.
DISCUSSÃO
Com o conhecimento da embriologia ectodérmica e anatomia da mama podemos elaborar
qualquer retalho, com ou sem o CAP, desde que se preserve a espessura do subcutâneo
progressivamente mais fino a medida que esteja mais próximo dele. Pode-se também confeccionar
retalhos glandulares, desde que seus pedículos estejam baseados no subcutâneo e pele.
Podem ser axiais se seguirem o trajeto vascular, randomizados ou mistos (retalho de
Ribeiro et al., em 20022). Se randomizados, mantém-se as proporções adequadas entre sua largura e comprimento
em torno de 1/1.
A glândula mamária tem origem embriológica do ectoderma, por isto é fixada à pele
que a recobre. A preservação do tecido subcutâneo periférico igual à espessura do
subcutâneo do tórax é fundamental para preservar os vasos e nervos que se dirigem
convergentes em rede até o CAP, pois eles irrigam e inervam todo o tecido mamário
e a superfície de pele remanescente.
O comprimento do retalho proposto não ultrapassa sua largura, de maneira que sua irrigação
é satisfatória. Ela é proveniente de cima para baixo e da superfície para a profundidade.
A nutrição se faz através de ramos da artéria peitoral da toracoacromial e dos vasos
perfurantes da artéria torácica interna, do segundo e terceiro espaços intercostais,
e também dos ramos da torácica-lateral. Desde que se preserve o subcutâneo do tórax
periférico à glândula, sem descolamentos, exceto a área superior onde o retalho será
introduzido.
Quando o tecido mamário é composto de mais gordura do que glândula, o retalho deve
ser mais curto, apresentando pedículo espesso. Em geral, este é suficiente para preenchimento
do polo mamário superior. Se menos consistente, é mais difícil de ser fixado ao local
adequado e os resultados poderão ser inferiores.
Não se verificou complicação importante que denotasse ausência de irrigação adequada
do retalho proposto.
Em visão frontal, se a posição das aréolas está próxima às medidas ideais, desde a
fúrcula esternal, parecendo altas demais, o procedimento proposto corrige a distorção
visual das proporções invertidas entre os polos mamários superior e inferior.
Esta tática foi desenvolvida através de observação do comportamento vascular das mamas,
durante mastectomias preservadoras de pele; e, de confecção de retalhos com ou sem
transporte do CAP, executadas ao longo de 45 anos pelos autores.
CONCLUSÃO
O retalho descrito é proposto a fim de suprir o preenchimento do polo mamário superior
e inverter as medidas e proporções entre os segmentos mamários superior e inferior,
em casos primários ou secundários, promovendo melhora da forma estética da mama.
COLABORAÇÕES
ARB
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Aprovação final do manuscrito
|
ACB
|
Análise e/ou interpretação dos dados
|
REFERÊNCIAS
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da forma de prótese baseado na proporção Phi: aplicação prática. Rev Bras Cir Plást.
2011;26(1):94-103.
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years of the inferior pedicle in reduction mammaplasties. Plast Recontr Surg. 2002;110(3):960-70.
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Sulbrasileira de Cirurgia Plástica. 1984. p. 157-160.
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Aesthetic Plastic Surgery; 1972 feb 6-11; Rio de Janeiro (RJ): ISAPS; 1972.
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com confecção de retalhos cruzados. Rev Bras Cir Plást. 1983;73(2):87-91.
6. Fischer R, Sperli AS. Mastoplastia pela técnica dos retalhos cruzados: reavaliação
de técnica. Rev Bras Cir Plást. 2008;23(3):173-8.
7. Regnault P. Reduction mammaplasty by “B” technique. Plast Reconst Surg. 1974;53(1):19-24.
8. Bozola AR. Breast reduction with short L scar. Plast Reconst Surg. 1990;85(5):728-38.
9. Bozola AR. Reduction mammaplasty: preferred techniques. In: Goldwyn RM, editor. Reduction
mammaplasty. Boston: Litlle Brown & Co.; 1990. p. 407-37.
10. Grotting JC, De La Torre JI, Davis MR. Anatomia em cirurgia plástica – Vol. 5: Mama.
In: Neligan PC, editor. Cirurgia plástica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.
p. 6-8.
1. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
Autor correspondente: Antonio Roberto Bozola Avenida José Munia 7075, São José do Rio Preto, SP, Brasil. CEP: 15085-350. E-mail:
ceplastica@hospitaldebase.com.br
Artigo submetido: 21/6/2018.
Artigo aceito: 21/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.