INTRODUÇÃO
Desde a década de 1990 o tratamento do câncer de mama inclui não apenas terapias curativas,
mas também a reconstrução mamária, o que fez crescer o interesse das pacientes em
obter segurança oncológica e resultados estéticos melhores. Muitos estudos relataram
que a reconstrução mamária não tem nenhum impacto negativo na segurança oncológica,
tranquilizando as pacientes e as motivando a realizar o procedimento1,2.
Entre as estratégias adjuvantes, os estudos demonstram que a radioterapia fornece
desfechos favoráveis em termos de redução da taxa de recorrência da doença, aumentando
assim seu número de indicações. As diretrizes para radioterapia passaram a incluir
critérios de indicação mais diversificados, ampliando ainda mais o uso dessa modalidade
terapêutica3,4.
A reconstrução imediata é indicada pois pode melhorar significativamente a qualidade
de vida de uma mulher, auxiliando na sua satisfação com a imagem corporal e em seu
bem-estar psicossocial, quando comparada à reconstrução tardia5.
A reconstrução mamária utilizando implantes trata-se de um procedimento relativamente
simples, de curto tempo cirúrgico e recuperação pós-operatória rápida, além de oferecer
excelente resultado estético. Suas vantagens em relação à reconstrução com retalho
autólogo incluem procedimentos de menor porte e com bons resultados, sem necessidade
de transpor ilhas de pele de outras regiões do corpo para a mama6,7. Diante desses fatos é atualmente um dos mais populares métodos cirúrgicos. Esse
aumento na indicação da reconstrução mamária com implantes, combinado com a ampla
aplicação da radioterapia, resultou em maiores esforços para entender e evitar a complicações
potenciais associadas à interação entre radiação e o implante. Contratura capsular,
infecção e mau posicionamento do implante mamário foram mencionados como as principais
complicações. Entre elas a contratura capsular se coloca como a mais importante, sendo
a causa mais comum de reoperação3,8,9, mas sua patogênese induzida pela radiação ainda é desconhecida10.
Algumas das alterações cutâneas após a irradiação foram investigadas e os efeitos
precoces (até 90 dias após o início da radiação) incluem: desidratação, alterações
na pigmentação, perda de apêndices cutâneos, eritema e descamação. Alterações histológicas
tardias (após 90 dias) incluem atrofia ou hiperplasia da epiderme, fibrose hipocelular
da derme, alterações vasculares escleróticas e ausência de unidades pilossebáceas
(anexos). Mas ainda não está claro se essas mudanças estão relacionadas às dificuldades
e complicações de reconstrução mamária com o expansor/implante11,12. A suscetibilidade da pele a alterações após irradiação pode ser determinada geneticamente.
Esse conceito é reforçado pelas diferenças individuais nas alterações provocadas pela
radiação e pelas complicações desenvolvidas13,14,15.
Esse estudo tem como objetivo descrever e comparar as diferenças histológicas entre
pele, tecido celular subcutâneo, músculo peitoral maior e cápsula do implante de mamas
irradiadas e não irradiadas em um mesmo paciente, bem como direcionar novos estudos
no sentido de analisar possíveis métodos de profilaxia e tratamento das complicações.
Atualmente não há publicações que abordem tais comparações em todas as camadas de
tecido.
MÉTODOS
Desenho do estudo
Pacientes e coleta de tecidos
Estudo prospectivo de coorte em pacientes submetidos à reconstrução mamária com prótese
ou expansor sob retalho muscular de peitoral maior, no período entre janeiro e agosto
de 2019, no Hospital Daher Lago Sul, Brasília (DF), comparando os padrões histológicos
de pele, tecido celular subcutâneo, músculo peitoral maior e cápsula do implante,
de mamas irradiadas e não irradiadas em amostras pareadas de um mesmo paciente. Todos
os pacientes assinaram termo de consentimento informado autorizando e concordando
com a realização dos procedimentos cirúrgicos e dos exames anatomopatológicos, além
de seus registros para fins científicos. O estudo foi submetido à Plataforma Brasil
e teve sua validação documental concluída pelo CEP da Fundação de Ensino e Pesquisa
em Ciências da Saúde/FEPECS/SES/DF, cujo número CAAE é: 15942719.6.0000.5553.
As cirurgias foram realizadas no Hospital Daher Lago Sul - DF e no Hospital Brasília
- DF. Todos os pacientes selecionados tinham história de radioterapia prévia em outra
instituição, seguindo o esquema atual de referência (50 Gy), o qual consiste em 25
sessões de radioterapia durante 5 semanas mais uma dose adicional sobre o leito tumoral.
Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, que foram submetidas à reconstrução
mamária para tratamento de contratura capsular ou outras complicações da radioterapia
adjuvante e para simetrização contralateral. Todos os pacientes deveriam receber irradiação
em apenas uma das mamas.
Os tecidos para biópsia foram colhidos durante a reconstrução mamária. Amostras de
pele e tecido celular subcutâneo com dimensões de comprimento, largura e profundidade
variando entre 0,5 e 1,0cm, foram colhidas do sulco submamário bilateralmente.
Amostras de tecido capsular e músculo peitoral maior de 1,0x1,0cm foram colhidas na
região de maior retração cicatricial na mama irradiada; e na porção inferomedial próximo
ao sulco submamário da mama não irradiada.
A análise anatomopatológica foi descrita e comparada aos achados clínicos de exame
físico e aos aspectos macroscópicos de transoperatório como cor, elasticidade, vascularização,
cicatrização e sensibilidade dos tecidos, a fim de estabelecer correlações entre as
variáveis clínicas/histológicas e a radiação.
Abordagem histológica
O processamento histológico dos espécimes de tecido foi realizado de acordo com o
método descrito por Huanget et al., em 201616. Resumidamente, espécimes de tecido foram fixados em formaldeído tamponado e incluídos
em parafina, corados por hematoxilina e eosina, tricrômico de Massom e em Voerhoff
(fibras elásticas) para realização de microscopia de luz. A avaliação histológica
foi realizada por um único patologista no laboratório Diagnose, Brasília (DF).
Foram avaliados aspectos quantitativos e qualitativos da epiderme. Na derme, panículo
adiposo e cápsula do implante foram avaliados aspectos quantitativos e qualitativos
quanto ao colágeno, celularidade, inflamação e vascularização.
RESULTADOS
Tivemos um total de 7 pacientes, sendo a idade média de 52,15 anos (variando de 34
a 68 anos), todas do sexo feminino, submetidas a 25 sessões de radioterapia convencional
em uma das mamas, sendo a dose total de 50 Gy. O tempo médio entre a última sessão
de radioterapia e a reconstrução mamária foi de 54,14 meses (variando de 7 a 204 meses).
Em relação às complicações pós-operatórias da primeira cirurgia podemos destacar que
todas as pacientes apresentaram contratura capsular, fato que motivou o segundo tempo
cirúrgico. Uma paciente apresentou deiscência de sutura nas duas mamas, resolvida
com curativos locais. Nenhuma apresentou infecção.
Em todas as pacientes foram colhidas biópsias de pele e tecido celular subcutâneo
e em apenas 5 foram colhidas biópsias de cápsula e músculo peitoral maior, pois a
mama contralateral à radioterapia não possuía implante. As principais alterações clínicas
e macroscópicas apresentadas no momento do procedimento cirúrgico foram: pele ressecada
(100%), perda da elasticidade da pele (85,71%), gordura hipovascularizada (100%),
contratura capsular (100%), espessamento capsular (85,71%), hipotrofia muscular (100%),
hipovascularização muscular (85,71%) e discromia dérmica (42,85%), como mostra a Tabela 1.
Tabela 1 - Alterações clínicas e transoperatórias macroscópicas da mama irradiada.
Caso |
Idade |
Tempo entre última radiação e a cirurgia
|
Lado irradiado
|
Alterações clínicas e macroscópicas da mama irradiada |
PR |
PEP |
GH |
CC |
EC |
HM |
HVM |
DP |
1 |
57 |
108 meses |
Esquerdo |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
- |
2 |
68 |
204 meses |
Direito |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ |
+ |
+ |
3 |
60 |
24 meses |
Esquerdo |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ |
+ |
4 |
34 |
18 meses |
Direito |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ |
- |
5 |
42 |
10 meses |
Esquerdo |
+ |
- |
+/- |
+ |
+/- |
+/- |
- |
- |
6 |
40 |
7 meses |
Direito |
+/- |
+/- |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
7 |
64 |
8 meses |
Direito |
+ |
+ |
+/- |
+ |
- |
+ |
+ |
- |
Tabela 1 - Alterações clínicas e transoperatórias macroscópicas da mama irradiada.
Os principais achados histológicos em pele e tecido celular subcutâneo da mama irradiada
foram: hiperplasia epidérmica (71,42%), achatamento da camada papilar (85,71%), atrofia
dos apêndices dérmicos (100%), congestão vascular no tecido gorduroso (71,42%), alta
densidade das fibras de colágeno dérmico (100%), hialinização das paredes vasculares
(85,71%), redução das fibras elásticas na derme profunda (85,71%) e alinhamento unidirecional
das fibras de colágeno (100%), como ilustra a Tabela 2. Os achados descritos acima foram observados nas amostras de pele irradiada com consideráveis
diferenças.
Tabela 2 - Achados anatomopatológicos de pele e tecido celular subcutâneo.
Caso |
Idade |
Tempo entre última radiação e a cirurgia
|
Lado irradiado
|
Mama irradiada |
Mama não-irradiada |
HE |
ACP |
AAD |
CV |
ADFC |
HPV |
RFEDP AUFC
|
HE |
ACP |
AAD |
CV ADFC
|
HPV |
RFEDP AUFC
|
1 |
57 |
108 meses |
E |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ + |
- |
- |
- |
- - |
- |
- + |
2 |
68 |
204 meses |
D |
+/- |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ |
+ + |
- |
- |
- |
- + |
- |
+/- - |
3 |
60 |
24 meses |
E |
+ |
+/- |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ + |
- |
+ |
- |
- - |
- |
- - |
4 |
34 |
18 meses |
D |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ + |
- |
+/- |
- |
- - |
+/- |
- - |
5 |
42 |
10 meses |
E |
- |
+ |
+/- |
+/- |
+ |
+/- |
+/- + |
- |
- |
- |
+/- - |
- |
- - |
6 |
40 |
7meses |
D |
+ |
- |
+ |
- |
+/- |
+/- |
- +/- |
- |
- |
- |
- +/- |
- |
- - |
7 |
64 |
8 meses |
D |
- |
+ |
+ |
- |
+/- |
- |
+/- +/- |
- |
- |
- |
- - |
- |
- - |
Tabela 2 - Achados anatomopatológicos de pele e tecido celular subcutâneo.
Os principais achados histológicos de cápsula e músculo peitoral maior na mama irradiada
foram: menor densidade de fibras elásticas (80%), fibrose perivascular (100%), metaplasia
sinovial (100%), sequestro de músculo esquelético na interface com a cápsula (80%),
hialinização capsular (80%) e fibroesclerose capsular (100%), como ilustra a Tabela 3.
Tabela 3 - Achados anatomopatológicos de cápsula do implante e músculo peitoral maior.
Caso |
Idade |
Tempo entre última radiação e a cirurgia
|
Grau de contratura capsular
|
Lado irradiado
|
Mama irradiada |
Mama não irradiada |
MDFE |
FP |
MS |
SME |
HC |
FC |
MDFE |
FP |
MS |
SME |
HC |
FC |
1 |
57 |
108 meses |
Baker 3 |
E |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+ |
+ |
- |
+/- |
- |
- |
- |
- |
2 |
60 |
24 meses |
Baker 2 |
E |
+/- |
+ |
+ |
+ |
+ |
+ |
- |
- |
- |
+/- |
- |
- |
3 |
34 |
18 meses |
Baker 3 |
D |
+ |
+/- |
+ |
+ |
+ |
+ |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
4 |
42 |
10 meses |
Baker 2 |
E |
+ |
+ |
+ |
+/- |
+/- |
+/- |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
5 |
40 |
7 meses |
Baker 2 |
D |
+ |
- |
+ |
- |
- |
+ |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
Tabela 3 - Achados anatomopatológicos de cápsula do implante e músculo peitoral maior.
Todas as pacientes apresentaram achados anatomopatológicos semelhantes e condizentes
com os achados clínicos. Vale ressaltar que os casos 5 e 7 apresentaram achados anatomopatológicos
mais discretos e por vezes um padrão misto de apresentação, com áreas compatíveis
com tecido normal na mama irradiada. As Figuras 1, 2, 3 e 4 ilustram as principais diferenças histológicas entre as mamas irradiadas e não irradiadas.
Figura 1 - Comparação histológica da pele das mamas não irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para maior densidade de fibras elásticas na pele normal (seta em verde),
para o arranjo unidirecional das fibras elásticas na pele irradiada (setas em preto)
e para a presença de anexos dérmicos na pele normal (seta em azul).
Figura 1 - Comparação histológica da pele das mamas não irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para maior densidade de fibras elásticas na pele normal (seta em verde),
para o arranjo unidirecional das fibras elásticas na pele irradiada (setas em preto)
e para a presença de anexos dérmicos na pele normal (seta em azul).
Figura 2 - Comparação histológica do tecido celular subcutâneo das mamas não irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para hialinização da parede vascular na mama irradiada e para preservação
de paredes finas e delicadas nos capilares da mama não irradiada (setas em preto);
além da congestão vascular observada na mama irradiada (seta em azul).
Figura 2 - Comparação histológica do tecido celular subcutâneo das mamas não irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para hialinização da parede vascular na mama irradiada e para preservação
de paredes finas e delicadas nos capilares da mama não irradiada (setas em preto);
além da congestão vascular observada na mama irradiada (seta em azul).
Figura 3 - Comparação histológica da cápsula das mamas não irradiadas. A: Irradiadas B: Destaque para maior espessura da cápsula na mama irradiada (seta em preto) e para
fibroesclerose e hialinização subcapsular na mama irradiada (seta em azul).
Figura 3 - Comparação histológica da cápsula das mamas não irradiadas. A: Irradiadas B: Destaque para maior espessura da cápsula na mama irradiada (seta em preto) e para
fibroesclerose e hialinização subcapsular na mama irradiada (seta em azul).
Figura 4 - Comparação histológica do tecido muscular e seu plexo neurovascular das mamas não
irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para o aspecto mais armado e circular da arteríola na mama irradiada, além
de fibrose perivascular (setas em preto).
Figura 4 - Comparação histológica do tecido muscular e seu plexo neurovascular das mamas não
irradiadas. A: Irradiadas. B: Destaque para o aspecto mais armado e circular da arteríola na mama irradiada, além
de fibrose perivascular (setas em preto).
Casos clínicos
Caso 1
Paciente de 36 anos, sem comorbidades, com diagnóstico de carcinoma ductal invasivo
em mama direita, submetida à quimioterapia neoadjuvante + mastectomia bilateral sem
preservação de complexo areolopapilar, com esvaziamento axilar à direita + reconstrução
imediata com expansores de válvula remota em plano retromuscular, em fevereiro de
2016, sem intercorrências. Realizou expansão com solução fisiológica até março de
2016 e radioterapia adjuvante em mama direita (última sessão em junho de 2016). Submetida
a segundo tempo cirúrgico em fevereiro de 2017 para substituição de expansor por implantes
de silicone + reconstrução de complexo areolopapilar bilateralmente + lipoaspiração
de prolongamentos axilares, sem intercorrências. Devido ao desenvolvimento de radiodermite
intensa não responsiva aos tratamentos clínicos foi submetida à reconstrução de mama
direita com retalho transverso do músculo reto-abdominal microcirúrgico, em junho
de 2019, como ilustra a Figura 5.
Figura 5 - JSFB, 37º mês de pós-operatório de mastectomia bilateral sem preservação de complexo
areolopapilar, com esvaziamento axilar à direita + reconstrução imediata com expansores
de válvula remota em plano retromuscular e 25º mês de pós-operatório de substituição
de expansor por implantes de silicone + reconstrução de complexo areolopapilar bilateralmente
+ lipoaspiração de prolongamentos axilares.
Figura 5 - JSFB, 37º mês de pós-operatório de mastectomia bilateral sem preservação de complexo
areolopapilar, com esvaziamento axilar à direita + reconstrução imediata com expansores
de válvula remota em plano retromuscular e 25º mês de pós-operatório de substituição
de expansor por implantes de silicone + reconstrução de complexo areolopapilar bilateralmente
+ lipoaspiração de prolongamentos axilares.
Caso 2
Paciente de 41 anos, sem comorbidades, com diagnóstico de carcinoma invasor em mama
esquerda, submetida à mastectomia esquerda com biópsia de linfonodo sentinela (negativo)
e mastectomia profilática contralateral + reconstrução imediata com implantes de silicone
em plano retromuscular com amputação do polo inferior (Torek), em dezembro de 2017,
sem intercorrências. Realizou radioterapia adjuvante em mama esquerda (última sessão
em agosto de 2018). Submetida a segundo tempo cirúrgico em junho de 2019 para capsulotomia
esquerda + reposicionamento do implante, lipoenxertia para simetrização e correção
de cicatrizes em prolongamentos axilares (reconstrução do complexo areolopapilar programado
para terceiro tempo) sem intercorrências, como ilustra a Figura 6.
Figura 6 - QNPO, 9º mês de pós-operatório de mastectomia esquerda com biópsia de linfonodo sentinela
(negativo) e mastectomia profilática contralateral + reconstrução imediata com implantes
de silicone em plano retromuscular com amputação do polo inferior (Torek).
Figura 6 - QNPO, 9º mês de pós-operatório de mastectomia esquerda com biópsia de linfonodo sentinela
(negativo) e mastectomia profilática contralateral + reconstrução imediata com implantes
de silicone em plano retromuscular com amputação do polo inferior (Torek).
DISCUSSÃO
Como resultado da detecção precoce e melhoria nos tratamentos, como cirurgia, terapias
hormonais, quimioterapia e radioterapia, a taxa de mortalidade para o câncer de mama
vem reduzindo desde a década de 1950. Portanto, mais pacientes com câncer de mama
estão sobrevivendo e permanecendo com sequelas que devem ser tratadas. Nesse estudo
procuramos descrever as diferenças histológicas de pele, tecido celular subcutâneo,
cápsula do implante e músculo peitoral maior entre mamas irradiadas e não irradiadas
de uma mesma paciente. Estudos anteriores abordam em sua maioria apenas a pele e o
subcutâneo.
Os achados de hiperplasia da epiderme, achatamento da camada papilar, atrofia dos
anexos dérmicos, alta densidade das fibras de colágeno dérmico e presença de fibras
colágenas unidirecionais já tinham sido relatados11,12. A atrofia de anexos dérmicos é de importância clínica particular, pois a perda do
tecido sebáceo e das glândulas sudoríparas causarão pele desidratada, resultando na
necessidade de cuidados com a pele a longo prazo, usando hidratantes. É relatado que
a dermatite de radiação crônica está associada a atipias de fibroblastos, os quais
não são vistos em outros tipos de fibrose, como cicatrizes de queimadura de terceiro
grau12,13. No presente estudo esses achados são corroborados e além deles outros foram descritos
como: redução das fibras elásticas na derme profunda, congestão vascular no tecido
gorduroso e hialinização das paredes vasculares. Apesar das alterações histológicas
da dermatite por radiação já terem sido descritas12,13, elas têm sido consideradas clinicamente menores e com efeitos colaterais aceitáveis.
No entanto, isso não se aplica quando há planejamento de reconstrução mamária com
expansor/implante de silicone.
Archambeau et al., em 199511, encontraram alterações cutâneas decorrentes da irradiação progredindo por até 10
anos. Diante desse fato o atraso para indicar a reconstrução após radioterapia não
aumenta a segurança. Tal fato poderia explicar os achados brandos encontrados nos
casos 5 e 7, nos quais a última sessão de radioterapia era mais recente (10 e 8 meses,
respectivamente).
Uma das principais complicações da radioterapia é fibroproliferação do tecido capsular
em torno do implante com contratura capsular resultante. Isso leva a uma expansão
inadequada com distorção e resultado estético indesejável, ocasionando por vezes uma
cirurgia adicional. Atualmente, o mecanismo patogênico da fibroproliferação e contratura
capsular induzidas por radiação é desconhecido. A correta descrição anatomopatológica
das alterações observadas pode ajudar a desenvolver novos trabalhos no sentido de
desvendar os mecanismos bioquímicos envolvidos nessa patogênese.
A compreensão da patogênese do processo fibroproliferativo, que ocorre com o tecido
expandido e previamente submetido à radioterapia, provavelmente levará à descoberta
de estratégias de prevenção ou tratamento clínico. Por exemplo, os inibidores seletivos
da COX-2 são comercialmente disponíveis e foram eficazes em diminuir parcialmente
a proliferação celular em modelos de fibrose mediados por níveis aumentados de catenina17. Existe um grande potencial para explorar protocolos de tratamento em um modelo animal
e, eventualmente, em ensaios clínicos.
O encapsulamento ocorre como resultado de uma resposta inflamatória à presença do
corpo estranho e a progressão da fibrose pode ser vista em tecidos próximos. Quando
a progressão da fibrose se torna excessiva, devido à persistência da resposta inflamatória
e exposição a fatores de risco externos, a contratura ocorre em torno da cápsula espessada18.
Portanto, a reconstrução de mama com implantes é realizada sob a presunção de que,
se a radioterapia for administrada, a contratura capsular será reconhecida como uma
limitação fundamental e muitas pesquisas são feitas no sentido de encontrar soluções
para essa questão.
Kim et al., em 201819, confirmaram que a infiltração de miofibroblastos foi promovida em camundongos irradiados,
sugerindo que esse fenômeno age como um catalisador para acelerar a progressão da
contratura. Em nosso trabalho não encontramos infiltração desse tipo celular em nenhuma
das amostras de mama irradiada.
Para reduzir a ocorrência de contratura capsular em torno dos implantes texturizados,
alguns trabalhos relataram utilização de cobertura com matriz dérmica acelular e algumas
medicações como montelucaste, antileucotrienos e esteróides20,5. Embora seja consenso que a radiação pode induzir a fibroproliferação tanto na pele
como nos tecidos subcutâneos11,13, as ocorrências relativas de mecanismos moleculares específicos ainda não estão claras.
Acreditamos que a pele ressecada pode estar relacionada com a atrofia dos apêndices
dérmicos. A perda da elasticidade da pele relacionada com a redução das fibras elásticas
em derme profunda, hiperplasia epidérmica, achatamento da camada papilar, alta densidade
de fibras de colágeno dérmicas e alinhamento unidirecional das fibras de colágeno.
A gordura hipovascularizada relacionada com a congestão vascular no subcutâneo e a
hialinização da parede vascular. A cápsula espessada e contraída relacionada com a
menor densidade de fibras elásticas, hialinização capsular, fibroesclerose capsular
e metaplasia sinovial. O músculo hipotrófico e hipovascularizado relacionado com a
fibrose perivascular e sequestro de músculo esquelético pela cápsula.
Com os dados obtidos até o momento ainda não é possível estabelecer uma relação de
causa e efeito, mas continuaremos inserindo novos pacientes ao estudo e procurando
otimizar a análise quantitativa das informações para que isso seja possível no seguimento
do mesmo. Pelo fato de cada avaliação histológica ter sido realizada entre as mamas
de uma mesma paciente e não entre dois grupos diferentes, mesmo com um número reduzido
de pacientes os resultados são expressivos.
CONCLUSÃO
Encontramos alterações histológicas comuns nas mamas irradiadas em boa parte das pacientes,
achados esses que são compatíveis com as alterações clínicas e macroscópicas observadas.
Esse estudo é descritivo e apresenta-se como um piloto para o desenvolvimento de novos
estudos que pesquisem os mecanismos fisiopatológicos relacionados às alterações histológicas
descritas, podendo assim propor métodos de profilaxia e tratamento para as complicações
da radioterapia.
COLABORAÇÕES
AB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Realização das
operações e/ou experimentos
|
RCSD
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo,
Redação - Revisão e Edição
|
ACC
|
Análise e/ou interpretação dos dados
|
COPC
|
Análise e/ou interpretação dos dados
|
MCC
|
Aprovação final do manuscrito
|
JCD
|
Aprovação final do manuscrito
|
REFERÊNCIAS
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1. Hospital Daher Lago Sul, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Ronan Caputi Silva Dias SHTN , Trecho 2, Lote 3, Bloco E, Ap 206, Life Resort, Asa norte, Brasília, DF, Brasil
CEP: 70800-230. E-mail: ronancaputidias8@gmail.com
Artigo submetido: 8/9/2019.
Artigo aceito: 22/2/2020.
Conflitos de interesse: não há.