INTRODUÇÃO
O câncer e seu tratamento ainda envolvem um fator de extrema importância: a alteração
da imagem corporal, vivenciado de forma intensa pela população feminina. As mulheres
com câncer podem sofrer grande impacto emocional e psicossocial. É uma doença que
carrega um significado muito forte, o da morte, transformando-se em um estigma para
quem é acometido por ela. O portador de neoplasia maligna passa por um processo de
várias perdas, que começa desde o diagnóstico, perdurando durante o tratamento e prognóstico.
No caso da mulher, as alterações da imagem corporal também representam perda ligada
ao grande sofrimento psíquico1.
A avaliação da qualidade de vida (QV) considera a percepção subjetiva do paciente,
isto é, um passo importante em direção a uma abordagem mais abrangente e humanista
para o tratamento do câncer. Esta tendência é bem documentada na literatura, devido
ao aumento do número de estudos de câncer da mama que registram resultados de avaliação
de qualidade de vida1.
A reconstrução da mama pode restaurar a forma e integridade física da paciente entre
outros benefícios demonstrados. Nesse cenário o bem-estar psicológico desempenha papel
crucial, pois a reconstrução mamária pode reduzir o impacto gerado por estigmas e
pelas sequelas deixadas pela cirurgia oncológica. Com a disseminação dos avanços alcançados
pela técnica cirúrgica cada vez mais pacientes estão sendo favorecidas2.
Ao indicarmos a reconstrução mamária imediata, não somente estaremos oferecendo o
contorno corporal, mas, sobretudo estaremos determinando impacto positivo na qualidade
de vida, e a partir desse ponto, poderemos entender e incluir a importância desse
parâmetro para as mulheres, pois não basta curar, é necessário oferecer qualidade
de vida após o tratamento2.
O estudo espera através da avaliação do questionário da qualidade de vida demonstrar
a importância desse parâmetro para todos os profissionais envolvidos no tratamento
e que ainda permita tornar-se parte primordial no momento da escolha do tratamento
das mulheres com câncer de mama da Fundação CECON (FCECON).
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, transversal, descritivo e com abordagem quantitativa
que avaliará a QV de mulheres que são submetidas à mastectomia com reconstrução mamária
imediata, por meio da aplicação do questionário WHOQOL-bref. É um instrumento de autoavaliação
e autoexplicativo, que consiste de 26 perguntas referentes a 4 domínios, como: físico,
psicológico, relações sociais e meio ambiente. Cada uma das questões é pontuada na
escala de 1 a 5. Os escores dos domínios são calculados seguindo a sintaxe proposta
pelo Grupo WHOQOL e apresentados em uma variação de 0 a 100, obtendo direção positiva,
ou seja, maiores escores representam melhores avaliações de qualidade de vida.
A população de estudo foi composta por mulheres, registradas na FCECON, que realizaram
a mastectomia e atendiam os critérios de elegibilidade de inclusão proposto, que desejavam
realizar a cirurgia reconstrutora da mama imediata e que aceitaram preencher o questionário
WHOQOL-bref espontaneamente, sendo selecionadas 22 pacientes.
No período de janeiro de 2015 a junho de 2015 foram realizadas 51 mastectomias na
FCECON (janeiro 6, fevereiro 5, março 10, abril 11, maio 12 e junho 7), foram selecionadas
25 pacientes, as 26 pacientes restantes apresentavam tumores avançados e sem indicação
do serviço de mastologia para reconstrução imediata (janeiro 3, março 5, abril 8,
maio 5 e junho 5). Houveram 3 perdas: uma paciente decidiu no momento da cirurgia
não realizar a reconstrução mamária imediata à mastectomia (março 15) e 2 pacientes
não foram reconstruídas devido ao crescimento tumoral e perda da margem cirúrgica
de segurança (março 1, maio 2).
Trinta dias após o procedimento cirúrgico de reconstrução mamária imediata à mastectomia,
durante o atendimento no ambulatório, as pacientes respondiam o questionário. Esta
data de aplicação do questionário foi escolhida devido às pacientes ainda não terem
iniciado os tratamentos adjuvantes, como a quimioterapia e radioterapia, cujo os efeitos
colaterais destes tratamentos poderiam interferir na QV.
O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos
da Fundação CECON, com o número de CAAE: 39808514.4.0000.0004.
RESULTADOS
A variável idade a faixa etária de maior predominância de 45 a 49 anos de 27,27% e
a de menor predominância foi a de 60 a 64 anos e 65 a 69 anos, apresentando 4,55%.
Em relação à escolaridade o ensino médio foi o mais predominante com 63,64% e o ensino
superior apresentou 22,73%, enquanto o ensino fundamental completo e incompleto foi
de 4,55%. O estado civil de maior frequência foi de mulheres casadas correspondendo
a 72,73% da amostra, as mulheres divorciadas foram 18,18% e 9,09% eram mulheres solteiras.
No estudo a procedência das pacientes avaliadas demonstrou que 90,91% eram da cidade
de Manaus, o restante era procedente de cidades do interior Itacoatiara e Apuí.
Em relação à autoavaliação da qualidade de vida 41% das pacientes definiram como boa
e 5% definiram com ruim. No quesito de satisfação com a saúde em torno de 50% das
pacientes se considerou muito satisfeita, enquanto 4% referiram insatisfação.
De acordo com o domínio psicológico, em que se avalia aceitação de sua aparência física,
55% das pacientes informaram estar completamente satisfeita, o restante do grupo variou
entre muita satisfação e média satisfação, e nenhuma paciente referenciou a não aceitação
de sua aparência física. Na autoavaliação quanto à satisfação consigo mesma, 5% dos
pacientes definiram como muito insatisfeitas, embora, 50% apresentaram satisfação.
Quanto à presença de sentimentos negativos, 82% das mulheres apresentaram esses sentimentos.
No domínio físico, ao se avaliar a realização das atividades diárias, 36% das pacientes
refere satisfação, sendo que 9% referenciam muita satisfação, enquanto 14% estavam
insatisfeitas.
No que tange ao domínio de relações sociais, o grau de satisfação com sua vida sexual,
46% das pacientes relatam grau de satisfação e 13,5% referem insatisfação. Na autoavaliação
subjetiva da relação pessoal, 46% referem estar muito satisfeitas e somente 9% apresentaram
grau de insatisfação.
De acordo com a Tabela 1, não houve diferença significativa entre os domínios, entretanto, o domínio das relações
pessoais e da autoavaliação à qualidade de vida apresentou discreto aumento em ralação
aos outros domínios.
Tabela 1 - Estatística descritiva de domínios.
Domínio |
Média |
Desvio Padrão |
Coeficiente de Variação |
Valor Mínimo |
Valor Máximo |
Amplitude |
Físico |
15,01 |
2,36 |
15,72 |
10,86 |
18,86 |
8,00 |
Psicológico |
15,58 |
2,33 |
14,98 |
7,33 |
18,00 |
10,67 |
Relações sociais |
16,00 |
3,05 |
19,07 |
8,00 |
20,00 |
12,00 |
Meio Ambiente |
15,70 |
1,89 |
12,02 |
12,00 |
19,00 |
7,00 |
Auto avaliação da QV |
16,73 |
3,30 |
19,71 |
8,00 |
20,00 |
12,00 |
Total |
15,60 |
1,96 |
12,55 |
9,85 |
18,62 |
8,77 |
Tabela 1 - Estatística descritiva de domínios.
Na Figura 1 demonstramos as médias dos escores do domínio de avaliação da qualidade de vida dos
domínios do questionário em uma escala de 0 a 100, nota-se que todos os domínios estão
em torno de 72,51%, entretanto o domínio de menor qualidade é o físico, apresentando
68,83%.
Figura 1 - Distribuição segundo análise geral dos domínios do WHOQOL-bref.
Figura 1 - Distribuição segundo análise geral dos domínios do WHOQOL-bref.
Na Figura 2 demonstramos as médias dos escores das 24 facetas e da questão de autoavaliação de
QV em uma escala de 0 a 100, onde pode-se notar que o melhor escore é da faceta mobilidade
com 89,77, que pertence ao domínio físico. Todavia o domínio meio ambiente, representado
pela faceta recreação e lazer apresentou o menor escore com 43,18. Na autoavaliação
geral da qualidade de vida, o escore foi 79,55 demonstrando que os pacientes referenciavam
uma boa QV.
Figura 2 - Distribuição segundo análise geral das facetas do WHOQOL-bref.
Figura 2 - Distribuição segundo análise geral das facetas do WHOQOL-bref.
DISCUSSÃO
Analisando a variável idade, ocorreu uma predominância na faixa etária de 45 a 49
anos, representando 27,27% dos casos. A faixa etária entre 40 a 44 anos de 55 a 59
anos apresentou 22,73% do estudo. Gomes et al., em 20153, avaliando 37 mulheres em estudo transversal, a idade média foi de 57 anos, sendo
72% com mais de 50 anos. Garcia et al., em 20184, em estudo transversal, avaliou 35 mulheres e identificou uma idade média de 50 anos,
dados similares ao estudo.
Avaliando a escolaridade foi predominante o ensino médio com 63,64% nas pacientes
avaliadas. O ensino fundamental completo e incompleto foi de 4,55%. Na casuística
de Seidel et al., em 20175, avaliando 35 pacientes no estado de Santa Catarina, ocorreu a prevalência de 53,1%
das pacientes avaliadas. No estudo de Ferraz, em 20096, o ensino fundamental incompleto encontrado em 65% das pacientes e 16,7% tinham o
ensino médio completo, dados que discordam da casuística deste estudo.
Ao analisarmos o estado civil a maior frequência foi de mulheres casadas, representando
72,73% da amostra, quanto à mulher divorciada foi equivalente a 18,18%, enquanto solteira
foi de 9,09%. Em estudo transversal de Hughet et al., em 20097, avaliando 110 mulheres em Campinas (SP), 68% delas o estado civil mais predominante
foi de casadas, dados similares ao de Seidel et al., em 20175, cujo estado civil mais frequente foi de 56,6% de mulheres casadas, no estudo realizado
em Santa Catarina avaliando 58 mulheres, corroborando a casuística estudada.
A procedência das pacientes avaliadas demonstrou que 90,91% eram da cidade de Manaus
o restante eram procedentes do interior do Amazonas. Na casuística de Pereira et al.,
em 20178, avaliando 211 mulheres de 2003 a 2013 na FCECON, 21% apresentaram procedência do
interior discordante da pesquisa.
Em relação a autoavaliação da qualidade de vida, 41% das pacientes definiram como
boa. Identificamos similaridades aos dados de Paredes et al., em 20139, onde foram avaliadas 27 mulheres em Fortaleza, estas apresentaram um grau de satisfação
de 41%.
No que concerne ao domínio psicológico do presente estudo, o escore foi de 72,35,
dados similares ao estudo de Gomes et al., em 20153, onde o escore foi 71,87; assim como também Fuga, em 201610, avaliando 18 pacientes no Rio Grande do Sul com idade média 55,83 anos e o escore
foi 75,17.
O domínio físico foi identificado como o menor escore com 68,83. Esse dado também
foi equivalente ao estudo de Garcia et al., em 20184, quando foram avaliadas 35 mulheres com escore de 65,09. No estudo transversal descritivo
Jorge e Silva, em 201011, realizado no Triângulo Mineiro com 50 pacientes, no período de agosto 2007 a abril
de 2009, o domínio físico foi o mais comprometido, também apresentando um escore de
56,00.
Segundo Kluthcovsky e Urbanez, em 201212, em estudo transversal realizado no Paraná, onde foram avaliadas 199 mulheres, demonstraram
que o escore do domínio de relações sociais foi o de maior pontuação, corroborando
a casuística encontrada no presente estudo, que foi de 75,00. Todavia, no estudo de
Gomes et al., em 20153, onde foram avaliadas 37 pacientes, o domínio de relações sociais apresentou um escore
de 62,39.
Jorge e Silva, em 201011 e Garcia et al., em 20184, identificaram baixos escores no domínio ambiental, sendo respectivamente 58,10 e
60,31. No presente estudo encontramos dados divergentes, sendo identificado um escore
de 73,15.
Paredes et al., em 20139, em seu estudo foram avaliadas 27 mulheres mastectomizadas submetidas à reconstrução
mamária imediata ou tardia, com aplicação do questionário WHOQOL-bref, encontraram
que mulheres que foram submetidas à reconstrução tardia apresentaram maior satisfação
do que as mulheres submetidas à reconstrução imediata.
CONCLUSÃO
Ao analisar os critérios de qualidade de vida, o domínio psicológico no quesito de
sentimentos negativos, foi o que teve um resultado desfavorável, entretanto, no quesito
físico, relações sociais e meio ambiente, a reconstrução mamária demonstrou um impacto
positivo.
Avaliar a qualidade de vida de mulheres submetidas ao tratamento de carcinoma de mama
deverá fazer parte primordial no momento da escolha do tratamento cirúrgico, visto
que a imagem corporal influencia diretamente na sua vida. Desta forma, a reconstrução
mamária poderá dar a esta mulher um contorno corporal que vai impactar diretamente
na qualidade de vida.
A qualidade de vida deverá fazer parte da avaliação na escolha do tratamento a ser
oferecido às mulheres com neoplasia mamária, certamente futuros estudos demonstrarão
a importância dessa avaliação.
COLABORAÇÕES
RAP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho
do estudo, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia,
Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação
- Revisão e Edição, Visualização
|
HFBESAP
|
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
GPSN
|
Coleta de Dados
|
EOA
|
Redação - Revisão e Edição
|
VTA
|
Valbécia Tavares de Aguiar
|
REFERÊNCIAS
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a qualidade de vida de mulheres mastectomizadas. Rev Bras Ginecol Obstetr [Internet].
2010; [cited 2018 jun 20]; 32(12):602-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032010001200007
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2. Universidade Nilton Lins, Faculdade de Medicina, Manaus, AM, Brasil.
3. Universidade Federal do Amazonas, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Manaus,
AM, Brasil.
Autor correspondente: Roberto Alves Pereira Rua Acre, 12, Salas 519/520, Edifício Cemom, Manaus, AM, Brasil. CEP: 69053-130.
E-mail: robertopereiracp@me.com
Artigo submetido: 19/6/2019.
Artigo aceito: 22/2/2020.
Conflitos de interesse: não há.