INTRODUÇÃO
A reconstrução da parede torácica após extensa ressecção devido ao câncer de mama
avançado ainda representa um desafio para os cirurgiões oncológicos e plásticos. No
entanto, na última década, melhorias na técnica cirúrgica permitiram que os cirurgiões
realizassem ressecção e reconstrução extensas em pacientes que apresentam tumores
envolvendo tecido ou estruturas ósseas da parede torácica com resultados funcionais,
estéticos e o obtenção de margens livres de neoplasia, fato importante para diminuir
a recidiva da doença1.
Diante disso, relatamos o presente caso, utilizando a técnica de retalho toracoabdominal
pós-mastectomia por tumor localmente avançado em paciente com mutação de BRCA1.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 40 anos de idade. Procurou o serviço com um tumor de mama
localmente avançado, após quimioterapia e radioterapia neoadjuvante. Refere surgimento
de nódulo na mama esquerda há um ano, com aumento e progressão da lesão após quimioterapia.
Tratava-se de um carcinoma invasivo tipo não especial, estadiado como T4BN2MO - IIIB
(Figura 1), tumor triplo negativo com Ki-67 de 70%. Foi encontrada uma mutação patogênica no
gene BRCA1 c.3331_3334delCAAG (p.Gln1111Asnfs*5). Realizou-se o tratamento com Doxorrubicina
60mg/m2 e Ciclofosfamida 600mg/m2 de 21/21 dias por 3 ciclos com progressão da doença. Iniciou-se então novo tratamento
com Paclitaxel 175mg/m2 de 21/21 dias, sem também apresentar resposta clínica. Foi neste momento iniciado
tratamento combinado de radioterapia e quimioterapia com Cisplatina 30mg/m2 e Gencitabina 100mg/m2 semanalmente. Para Cisplatina e Gencitabina obteve resposta parcial (Figura 2). Ao exame físico apresentava tumor comprometendo toda a mama esquerda com ulceração
medindo cerca 30x20cm, com metástase axilar esquerda confluente e móvel. Na ultrassonografia
apresentava dois nódulos de características benignas (BI RADS III) na mama direita,
localizados na união dos quadrantes superiores e laterais medindo 1,5cm cada. Foi
indicado mastectomia esquerda com esvaziamento axilar e ressecção dos dois nódulos
da mama direita com congelação no intraoperatório. Foi realizada a mastectomia esquerda
com ressecção de quase todo o músculo peitoral com linfonodectomia axilar homolateral
até o nível três (Figuras 3 e 4). Foi preservado o plexo do grande dorsal e o nervo torácico longo. O exame de congelação
das margens e ressecção dos nódulos à direita foram negativos para neoplasia. Realizado
reconstrução do grande defeito com retalho toracoabdominal fasciocutâneo, baseado
nas artérias intercostais posteriores (Figuras 5 e 6). Paciente recebeu alta no primeiro dia de pós-operatório com queixas dolorosas de
pouca intensidade (escala analógica visual 3). O dreno de sucção foi retirado 10 dias
após a cirurgia. Apresentou apenas pequena área de deiscência no retalho que foi tratado
com cuidados locais e apresentou bom resultado (Figura 7). Dois meses após o tratamento cirúrgico a paciente segue em acompanhamento oncológico,
em uso de Capecitabina. Se a paciente não apresentar recidiva precoce está programada
salpingooforectomia profilática laparoscópica após término do tratamento quimioterápico.
O caso foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com o parecer de nº 2.948.415
e a paciente assinou consentimento livre e esclarecido.
Figura 1 - Tumor de mama localmente avançado antes da radioterapia e quimioterapia.
Figura 1 - Tumor de mama localmente avançado antes da radioterapia e quimioterapia.
Figura 2 - Tumor após quimioterapia e radioterapia.
Figura 2 - Tumor após quimioterapia e radioterapia.
Figura 3 - Mastectomia com margens livres determinado pelo exame de congelação no intraoperatório.
Figura 3 - Mastectomia com margens livres determinado pelo exame de congelação no intraoperatório.
Figura 4 - Espécime da mastectomia esquerda demonstrando comprometimento de toda a mama (25cm
x 20cm diminuiu cerca de 5cm após radioterapia).
Figura 4 - Espécime da mastectomia esquerda demonstrando comprometimento de toda a mama (25cm
x 20cm diminuiu cerca de 5cm após radioterapia).
Figura 5 - Retalho toracoabdominal.
Figura 5 - Retalho toracoabdominal.
Figura 6 - Reconstrução mamária com retalho toracoabdominal.
Figura 6 - Reconstrução mamária com retalho toracoabdominal.
Figura 7 - Cicatrização do retalho após 15 dias.
Figura 7 - Cicatrização do retalho após 15 dias.
DISCUSSÃO
O carcinoma de mama localmente avançado (CLAM) é representado pelo estádio III (IIIA,
IIB e IIIC) que inclui tumores > 5cm (T3) ou que comprometem a parede torácica (T4a),
pele (T4b) ou ambas (T4c) ou ainda, extenso comprometimento linfonodal (N2/N3) de
uma ou mais cadeias linfáticas e carcinoma inflamatório. O CLAM compreende 10-25%
de todos os cânceres de mama em países desenvolvidos e 40-50% nos países em desenvolvimento2.
O Tratamento do CLAM com combinação de quimioterapia neoadjuvante, cirurgia e radioterapia
demonstrou aumentar a sobrevida. Estudos anteriores ao uso da quimioterapia neoadjuvante
(QT neo) no tratamento demonstravam sobrevida global (SG) de 25% em 5 anos. Com o
uso da QT neo a SG em 5 anos é de 80% e 45% em pacientes IIIA e IIIB, respectivamente.
Assim, recomenda-se QT neo em pacientes com CLAM, e em caso de resposta inadequada
à QT neo, a radioterapia pode ser adicionada como no presente caso, com o intuito
de tornar a ressecção cirúrgica mais fácil ou exequível3.
Em pacientes com mutação de BRCA que apresentam câncer de mama unilateral a mastectomia
contralateral deve ser realizada quando o diagnóstico ocorre em estágios iniciais.
Por outro lado, na presença de doença localmente avançada a realização da mastectomia
contralateral profilática (CPM) não encontra respaldo na literatura4. Baseado nisto, e em decisão conjunta com a paciente, não foi realizado a mastectomia
contralateral profilática, já que o exame de congelação dos nódulos na mama oposta
demonstrou tratar-se de fibroadenoma.
A extirpação cirúrgica radical nesses pacientes produz extensa perda cutânea na região
torácica que não podem ser reparadas com o fechamento primário. A utilização de retalhos
como os miocutâneos, proporcionam uma cobertura eficaz para grandes defeitos, porém,
demanda um tempo cirúrgico maior, aumentando morbidades que pode retardar o tratamento
adicional5, sobretudo em pacientes com tumores triplo negativos que apresentem tumor residual
após a QT neo. Vale destacar que a adição de Capecitabina neste cenário aumenta a
sobrevida6,7.
Contudo, apesar da indicação precisa de retalhos miocutâneos para a reconstrução de
tórax após mastectomia, a importância dos retalhos fasciocutâneos locorregionais já
foi demonstrada. Os retalhos fasciocutâneos são de rápida execução, baixa morbidade
e apresentam índices de necrose parcial semelhantes aos dos retalhos miocutâneos,
apesar das restrições quanto à quantidade de pele a ser mobilizada e à radioterapia
prévia8. Por estas razões se optou por esta técnica no presente caso.
Os retalhos fasciocutâneos regionais devem ser bem vascularizados, como no caso apresentado,
que se baseou na irrigação através das artérias intercostais posteriores, para que
não haja sofrimento, necrose e desestabilização da parede9.
De fato, a extensão da ressecção deve ser sempre necessária o suficiente para o tratamento
da doença, no entanto, a presença de um cirurgião, com expertise em reconstrução,
é indispensável para o planejamento dessas cirurgias, facilitando a reconstrução subsequente10. Desse modo, fica evidente como o tratamento interdisciplinar, oferece benefícios
aos pacientes.
CONCLUSÃO
Assim, o estudo corrobora com a ideia que a reconstrução com retalho toracoabdominal
fasciocutâneo tem se mostrado eficaz para cobertura de áreas extensas pós-mastectomias,
sem a necessidade do uso de outros retalhos ou de enxerto cutâneo. O tratamento interdisciplinar
é importante para um bom desfecho cirúrgico como no presente caso.
COLABORAÇÕES
DRSF
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação
do original
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ALNA
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Realização das
operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original
|
RJVV
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Realização das
operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação -Revisão e
Edição
|
SCV
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Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
REFERÊNCIAS
1. Persichetti P, Cagli B, Tenna S, Fortunato L, Vitelli CE. Role of cutaneous thoraco-abdominal
flap in the surgical treatment of advanced stage breasttumors. Suppl Tumori. 2005
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2. Edge SB, Compton CC. The American Joint Committee on Cancer: the 7th edition of the
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3. Sanchez AM, Franceschini G, Orlandi A, Di Leone A, Masetti R. New challenges in multimodal
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1. Universidade Estadual do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Clinica Oncocenter, Teresina, PI, Brasil.
3. Clínica Oncobem, Teresina, PI, Brasil.
4. Clinica Oncocenter, Teresina, PI, Brasil.
Autor correspondente: Danilo Rafael da Silva Fontinele Rua Agnelo Pereira da Silva, 2570, São João, Teresina, PI, Brasil. CEP: 64045-420.
E-mail: drsilvafontinele@gmail.com
Artigo submetido: 6/1/2019.
Artigo aceito: 21/4/2019.
Conflitos de interesse: não há.