INTRODUÇÃO
O pioderma gangrenoso é uma doença cutânea rara, recorrente, destrutiva e de causa
desconhecida, com predominância no sexo feminino, na faixa etária de 25 anos a 55
anos1. Tem seu diagnóstico feito com base na evolução e exclusão de outras afecções, e
em até 25% dos casos pode ser desencadeado por trauma (fenômeno de patergia)2,3,4.
Há diferentes formas clínicas, mas, para o objeto principal deste relato, destaca-se
a forma ulcerada após cirurgias, principalmente das mamas. O conhecimento das lesões,
dos fatores predisponentes e condições cirúrgicas de risco, assim como a instituição
precoce do tratamento adequado pode amenizar situações evolutivas extremamente graves
para os pacientes.
RELATO DO CASO
Paciente caucasiana, do sexo feminino, 50 anos de idade, hígida, admitida no serviço
de cirurgia plástica do Hospital Municipal Barata Ribeiro - RJ para cirurgia de mamoplastia
redutora.
Ao exame inicial: mamas volumosas, densas, ptose grau II, e que geravam desconforto
postural e dorsalgia. Foi submetida ao procedimento cirúrgico, pela técnica de Wise
com pedículo tipo I de Liacyr Ribeiro, evoluindo sem intercorrências durante a internação
e recebendo alta no segundo dia de pós-operatório.
No sétimo dia de pós-operatório, compareceu para consulta de revisão apresentando
mamas com boa forma, porém pouco edemaciadas e com pequenas áreas hiperemiadas. Ainda
referia dor leve, sendo prescrito analgésicos.
Do sétimo ao décimo dia de pós-operatório, a paciente evoluiu com importante piora
do quadro clínico. Queixava-se de dor intensa e apresentava lesões ulceradas e confluentes
nos polos inferiores de ambas as mamas. Foi observado com o passar dos dias uma progressão
cranial das lesões preservando apenas o complexo areolopapilar (Figura 1). Apresentavam bordos elevados e fundo exsudativo com fibrina e secreção com aspecto
piosanguinolento, lembrando quadro de infecção de partes moles.
Figura 1 - Aspecto das mamas no décimo dia após mamoplastia redutora.
Figura 1 - Aspecto das mamas no décimo dia após mamoplastia redutora.
Diante do quadro, foi reinternada e foram colhidas amostras para exames, incluindo
swab e cultura. Iniciada antibioticoterapia, com cefalexina; e, posteriormente, com ciprofloxacino
800mg/dia e clavulin 3g/dia, para controle do provável quadro infeccioso.
Laboratorialmente apresentava apenas elevação dos marcadores sistêmicos de inflamação:
velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, sem leucocitose.
Diante do tratamento insatisfatório com antibióticos e com resultados negativos de
culturas em ambas as mamas, foi aventado o diagnóstico de pioderma gangrenoso e iniciada
corticoterapia com prednisona 100mg/dia e cuidados locais.
O curativo foi realizado diariamente para remoção do excesso do conteúdo exsudativo,
utilizando soro fisiológico 0,9% e solução aquosa de polihexanida, seguido por cobertura
com alginato de cálcio. O objetivo foi manter a ferida o mais limpa possível, sem
aumentar o trauma no local e evitando-se com isso a progressão das lesões. Dessa forma,
foi prescrito o uso dos debridantes químicos contendo colagenase e optado por não
realizar desbridamento cirúrgico. A opção de enxertia também foi descartada neste
momento pela possibilidade de desencadear novamente o mesmo processo.
Dentro de poucas semanas do início da corticoterapia, houve regressão substancial
das úlceras. Com a redução das lesões, da atividade das bordas e progressão da cicatrização,
a corticoterapia foi reduzida lentamente até dose de manutenção de 10mg/dia, e as
feridas menos secretivas e superficiais passaram a ser cobertas com malha de acetato
de celulose não aderente.
DISCUSSÃO
O pioderma gangrenoso é uma doença de etiopatogenia desconhecida, havendo em mais
de 50% dos casos associação com doenças sistêmicas3,4,5. Há lesões de aparecimento espontâneo, porém há manifestações que surgem após traumas
cirúrgicos, sendo observado um maior número de relatos de casos após cirurgias das
mamas. Caracteriza-se fundamentalmente por presença de uma pústula com centro necrótico
e cercada por tecido de coloração vermelho-azulada, que se transforma rapidamente
em uma úlcera e cujas culturas são negativas. A evolução do quadro costuma ser bastante
variável, podendo ser de 5 dias a 10 anos, o que exige um acompanhamento contínuo
e exclusão de doenças infecciosas, autoimunes e neoplásicas, que tenham úlceras cutâneas
em sua apresentação clínica6.
A paciente deste relato apresentou como lesão inicial múltiplas pústulas, que se alastraram
rapidamente pelas mamas, gerando um exsudato piosanguinolento, rápida deiscência da
sutura com eliminação dos fios, dor intensa e crescimento perilesional com bordas
eritêmato-violáceas simulando um quadro infeccioso. A preservação do complexo areolopapilar7,8, a falta de resposta ao uso de antimicrobianos e as culturas negativas foram fatores
determinantes para o diagnóstico de pioderma gangrenoso.
Os achados laboratoriais não são específicos nem diagnósticos, sendo observado invariavelmente
índices elevados de hemossedimentação, proteína C reativa e leucocitose9. A histopatologia pode ainda contribuir para se excluir outras causas de ulceras
cutâneas, revelando comumente uma neutrofilia estéril associada à vasculite linfocítica10.
Pelo fato de não haver uma etiologia certa no pioderma, o tratamento é bastante variável,
tendo como base, na maioria dos casos, um imunossupressor10. Prednisona (60 mg/dia a 80 mg/dia) é o tratamento de escolha inicial, havendo várias
alternativas para os casos que não respondem aos corticosteroides. Assim, descrevem-se
a clofazimina, sulfasalazina, ciclofosfamida, micofenolato de mofetil, talidomida,
rifampicina, dapsona, gamaglobulina, plasmaférese, infliximab, tracolimus e metotrexato,
entre outros6,9. No caso descrito, obteve-se uma melhora importante com início de prednisona 100mg/dia
isolada (Figura 2), sendo realizado posteriormente o desmame gradual da mesma.
Figura 2 - 60 dias após o início da corticoterapia.
Figura 2 - 60 dias após o início da corticoterapia.
Para cuidados locais, relata-se permanganato de potássio, iodopolvidine, nitrato de
prata, rifampicina tópica, triancinolona intralesional, peróxido de benzila, soro
fisiológico 0,9%, hidrocolóides, alginato de cálcio, uso de câmara hiperbárica, entre
outros. Cabe, neste contexto, lembrar que os desbridamentos devem ser prorrogados
até haver diagnóstico histopatológico das áreas ativas ulceradas. Na maioria dos relatos
ocorre piora marcante na evolução após esses procedimentos cirúrgicos. Dessa forma,
deve-se evitar desbridamentos químicos, cirúrgicos e enxertia diante de uma suspeita
de pioderma gangrenoso9. Quando há necessidade de enxertia, a introdução do corticosteroide antes do procedimento
poderá minimizar o desenvolvimento da doença.
Diante da imprevisibilidade do quadro clinico, diagnóstico e evolução, deve-se buscar
sempre um suporte psicológico aos pacientes. O comprometimento da paciente em manter
o tratamento com imunossupressores a longo prazo é fundamental. Além disso, outro
dilema a ser encarado é o reparo das sequelas cicatriciais, que em alguns casos podem
gerar novas agressões teciduais e recorrência do quadro.
Portanto, o pioderma gangrenoso é uma doença cutânea rara e de curso imprevisível,
sendo de extrema importância sua suspeita diagnóstica, pois o início de seu tratamento
adequado determinará o seu desfecho10. O uso de corticoides e/ou imunossupressores deve ser encarado como primeira medida
para controle da progressão das lesões e para minimizar as cicatrizes finais (Figura 3), associado à limpeza local cuidadosa para se remover o conteúdo exsudativo, sem,
contudo, aumentar a agressão tecidual. Dessa forma, o desbridamento químico ou cirúrgico
devem ser evitados nesta condição.
Figura 3 - Aspecto das mamas um ano após a mamoplastia redutora.
Figura 3 - Aspecto das mamas um ano após a mamoplastia redutora.
COLABORAÇÕES
INY
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Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Aquisição de financiamento, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho
do estudo, Gerenciamento de Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia,
Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação
- Revisão e Edição, Software, Supervisão, Validação, Visualização
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CJB
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Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição,
Supervisão, Visualização
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RCR
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Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição, Supervisão,
Validação, Visualização
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SSA
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Coleta de Dados, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição,
Visualização
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GFA
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Realização das operações e/ou experimentos, Supervisão, Visualização
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APR
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Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição, Supervisão,
Visualização
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REFERÊNCIAS
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gangrenosum. A comparison of typical and atypical forms with an emphasis on time to
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J Dermatol Case Rep. 2010 Apr;4(1):18-21.
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Gangrenosum After Breast Surgery: Diagnostic Pearls and Treatment Recommendations
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8. Busato WMM, Pontes LT, Velho PENF, Magalhães RF. Pioderma gangrenoso da mama - relato
de caso e aspectos relevantes para o diagnóstico precoce. Diagn Tratamento. 2016;21(2):65-9.
9. Portinho CP, Miguel LMC, Morello ER, Herter AHR, Collares MVM. Tratamento de pioderma
gangrenoso após mamoplastia reutora com imunossupressão e oxigenoterapia hiperbárica:
relato de caso e revisão de literatura. Arq Catarin Med. 2014;43(Supl 1):17-19.
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a comprehensive review. Am J Clin Dermatol. 2012 Jun;13(3):191-211.
1. Hospital Municipal Barata Ribeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Autor correspondente: Igor Nagai Yamaki Rua Carlos Góis, 390, Leblon, RJ, Brasil. CEP: 22440-040. E-mail: igoryamaki@gmail.com
Artigo submetido: 26/1/2019.
Artigo aceito: 22/6/2019.
Conflitos de interesse: não há.