INTRODUÇÃO
O xantogranuloma juvenil (XGJ) é um tumor benigno, de etiologia desconhecida, formado
por histiócitos e compõe o grupo de doenças histiocitárias proliferativas não-Langerhans1,2.
É uma lesão rara e sua incidência varia na literatura por ser subestimada devido ao
fato de apresentar regressão espontânea, mas em alguns casos e muitas lesões não são
biopsiadas para definição diagnóstica.3,4,5
A classificação da literatura já considera lesões; 2 cm como XGJ gigantes. 4 Mais frequente em crianças de 3 a 5 anos, distribuição quase igual entre gêneros.
É mais comum na forma cutânea isolada, ocorrendo predominantemente na cabeça e no
pescoço, seguido de tronco e membros6,7.
Geralmente, os XGJ tendem a regredir espontaneamente dentro de 6 meses a 3 anos de
sua primeira aparição.8 Entretanto, nas lesões gigantes, cuja involução é menos comum, o tratamento cirúrgico
pode ser indicado quando as lesões causam comprometimento funcional e/ou estético
importante.9,10
RELATO DO CASO
Paciente masculino com 8 anos foi encaminhado ao serviço, após a excisão de lesão
cutânea occipital de 4 x 6cm, cujo anátomo-patológico revelou xantogranuloma juvenil.
À inspeção, o menor apresentava lesões papulares, amareladas, acometendo simultaneamente
as 4 pálpebras, além de lesões bilaterais no terço médio da face. Conforme relato
paterno, as lesões surgiram após os 6 meses de vida, com aumento progressivo. (Figura 1)
Figura 1 - A - D. Lesões acometendo pálpebras superiores, inferiores e terço médio da face bilateralmente.
Figura 1 - A - D. Lesões acometendo pálpebras superiores, inferiores e terço médio da face bilateralmente.
Devido ao comprometimento difuso periorbital, sem sinais de regressão das lesões,
optou-se pelo tratamento cirúrgico, com proposta de ressecção das lesões e sutura
direta ou enxertia de pele e até retalho miocutâneo local para os defeitos que não
permitissem fechamento primário. Taticamente, a equipe optou por ressecções em etapas
cirúrgicas diferentes para cada lado.
Pálpebra superior esquerda
A lesão aparentava ser superficial com dimensões de 30 mm X 7 mm a qual durante a
dissecção, foi constatado que estendia-se desde a região frontal em plano profundo
adentrando também a cavidade orbitaria superior, poupando apenas a aponeurose do músculo
levantador da pálpebra superior.
Após ressecção completa da lesão, a região frontal foi descolada e avançada para cobrir
o rebordo orbital superior e um enxerto de pele, de espessura total e retroauricular,
foi colocado diretamente sobre a aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior,
com 100% de integração após 5 dias (Figura 2).
Figura 2 - A - C. Ressecção da lesão da pálpebra superior esquerda; D. Lesão ressecada; E. Defeito criado após a ressecção; F. Enxerto de espessura total.
Figura 2 - A - C. Ressecção da lesão da pálpebra superior esquerda; D. Lesão ressecada; E. Defeito criado após a ressecção; F. Enxerto de espessura total.
Pálpebra inferior esquerda / terço médio esquerdo
Após 3 meses, a lesão na pálpebra inferior foi ressecada, seguida de fechamento primário.
Por outro lado, a lesão do 1/3 médio esquerdo da face media 17mm x 7mm e também se
estendia aos planos profundos, atingindo o periósteo da maxila e acometendo o nervo
infraorbitário, que precisou ser ressecado em bloco com a lesão. Após essa ressecção
foi realizado avanço superior do terço médio da face para o fechamento da área cruenta
resultante (Figura 3).
Figura 3 - A. Pré-operatório; B. Ressecção da lesão, 1/3 médio à esquerda; C. Lesão ressecada da pálpebra superior direita; D. Pós-operatório imediato de retalho de transposição para reconstrução da pálpebra
inferior direita.
Figura 3 - A. Pré-operatório; B. Ressecção da lesão, 1/3 médio à esquerda; C. Lesão ressecada da pálpebra superior direita; D. Pós-operatório imediato de retalho de transposição para reconstrução da pálpebra
inferior direita.
Pálpebra superior direita
No mesmo ato cirúrgico anterior foi abordada a lesão aí localizada que media aproximadamente
25mm x 10mm, estendendo-se até o septo orbital; sua ressecção em fuso permitiu o fechamento
primário. (Figura 3).
Pálpebra inferior direita
Num 3º. tempo após 3 meses, foi ressecada a lesão pré tarsal de 10mm X 4mm próxima
ao canto medial. A reparação do defeito se deu a custa de retalho mio-cutâneo de transposição
para nasal com pedículo súpero-medial (Figura 3).
Terço médio direito
No mesmo tempo foi ressecada a lesão, que era superficial e media 17mm X 7mm seguida
de fechamento direto. (Figura 3).
Evolução pós-operatória
Todas as lesões foram enviadas para anátomo-patológico, que confirmou o diagnóstico
de XGJ. O paciente evoluiu sem disfunção visual ou motora palpebral no pós-operatório,
mas o seguimento a médio prazo mostrou a necessidade de correção volumétrica da pálpebra
superior esquerda. Para tanto, o paciente foi submetido a três procedimentos de lipoenxertia
autógena nessa região com intervalo de 6 meses entre eles. A primeira, com enxerto
de gordura estruturado em tira e os demais com microlipoenxertia, evoluindo com melhora
do aspecto estético (Figura 4).
Figura 4 - A. Incisão abaixo do supercílio; B. Descolamento da área de pele enxertada e a tira de gordura mostrada acima; C. Gordura em tira enxertada; D. Lipoenxertia na região frontal para melhora de volume.
Figura 4 - A. Incisão abaixo do supercílio; B. Descolamento da área de pele enxertada e a tira de gordura mostrada acima; C. Gordura em tira enxertada; D. Lipoenxertia na região frontal para melhora de volume.
O paciente foi acompanhado por 3 anos, desde o primeiro procedimento sem sinais de
recidivas locais. (Figura 5).
Figura 5 - A e C. Pré-operatório; B e D. 3 anos pós-operatório.
Figura 5 - A e C. Pré-operatório; B e D. 3 anos pós-operatório.
DISCUSSÃO
O XGJ é uma lesão cutânea benigna, rara e de etiologia desconhecida. Surge como lesão
papulonodular amarela ou alaranjada, única ou múltipla, sendo a forma gigante aquela
com mais de 2cm3,4,5. Cursa habitualmente de forma isolada ou, quando múltiplos, em lugares distantes,4,5,6 o que chamou a atenção para esse caso pouco habitual, de acometimento difuso peri-orbital..
Sua confirmação é histopatológica, que demonstra denso infiltrado dérmico histiocitário
e células patognomônicas de Touton (células gigantes multinucleadas, citoplasma eosinofílico
homogêneo e xantomatização na periferia).6 Neste caso, todas as peças foram analisadas, confirmando hipótese diagnóstica de
XGJ.
A literatura mostra que lesões iguais ao presente caso, quando não involuem nos primeiros
anos de vida, tendem a permanecer sem regressão, mesmo com uso de esteroides intra-lesionais.4,5,7,9,10.
Devido à persistência das lesões e às complicações que o paciente poderia apresentar
no futuro (crescimento infra-orbitário com compressão de estruturas locais e comprometimento
estético), foi indicado tratamento cirúrgico.
O desafio cirúrgico neste caso foi o envolvimento simultâneo de todas as pálpebras
e terço médio da face, o que definiu a estratégia de ressecção em múltiplos tempos
cirúrgicos, para segurança do paciente e melhor resultado da reconstrução.
A ressecção da lesão da pálpebra superior esquerda levou à exposição da aponeurose
do músculo levantador da pálpebra superior. A enxertia de pele total diretamente sobre
a aponeurose do levantador mostrou-se como opção tática viável em casos que se necessita
poupar opções reconstrutivas com maior morbidade.
Não há relatos na literatura a cerca dessa manobra, mas observou-se, a médio e longo
prazo, que não houve comprometimento do movimento de elevação da pálpebra superior.
Entretanto, houve necessidade de enxertos autógenos de gordura, para melhora no volume
da mesma, embora discreto.
É importante destacar a dificuldade encontrada na realização das lipoenxertias na
pálpebra superior, devido à espessura delgada do enxerto de pele e fibrose local.
As demais lesões foram fechadas primariamente ou com retalho miocutaneo local, mas
deve-se ressaltar o inesperado acometimento profundo da lesão do terço médio da face
esquerda, levando a ressecção em bloco do nervo infra-orbitário esquerdo.
CONCLUSÃO
A literatura revisada corrobora os achados de que lesões aparentemente superficiais
podem se infiltrar profundamente nos tecidos vizinhos, com grande aderência e com
sangramento significativo, se o plano de dissecção for inadequado.5,6,9,10.
É necessário estar preparado para as situações que podem surgir no intra-operatório,
podendo-se lançar mão de opções não usuais, como a enxertia de pele diretamente na
aponeurose do músculo levantador da pálpebra superior.
COLABORAÇÕES
HF
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Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento do Projeto, Redação - Preparação do original,
Redação - Revisão e Edição, Supervisão
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AHV
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Conceitualização, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação
Revisão e Edição
|
RCL
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Coleta de Dados, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
VAM
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Conceitualização, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e
Edição
|
MNSJ
|
Coleta de Dados, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação
Preparação do original
|
MBS
|
Conceitualização, Investigação, Realização das operações e/ou experimentos, Redação
Revisão e Edição
|
RG
|
Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação, Visualização
|
REFERÊNCIAS
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1905;17:222.
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and Algorithm for Classification. J Cutan Med Surg. 2018 Sep/Oct;22(5):488-94.
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7. Clayton TH, Mitra A, Holder J, Clark SM. Congenital plaque on the chest. Diagnosis:
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2012;87(5):789-90.
10. Cypel TKS, Zuker RM. Juvenile xanthogranuloma: case report and review of the literature.
Can J Plast Surg. 2008;16(3):175-177.
1. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo,
SP, Brasil.
Autor correspondente: Rodolfo Costa Lobato Rua da Consolação, 3741, 11º andar, Cerqueira César, São Paulo, SP, Brasil. CEP:
01416-001. E-mail: rodolfolobato49@yahoo.com.br
Artigo submetido: 11/1/2019.
Artigo aceito: 18/4/2019.
Conflitos de interesse: não há.