INTRODUÇÃO
O linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante de mama (Breast Implant Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma - BIA-ALCL) é um linfoma de células T CD30+ e ALK - do grupo dos linfomas não-Hodgkin1. É uma doença maligna recentemente descoberta e possivelmente associada aos implantes
mamários, principalmente aos implantes texturizados usados tanto na cirurgia estética
quanto reconstrutiva2.
O primeiro caso relatado de BIA-ALCL foi publicado em 1997, por Keech e Creech3, e em 2016, quase duas décadas após o primeiro relato da doença, a Organização Mundial
de Saúde classificou o BIA-ALCL como uma entidade reconhecida4.
A exata incidência do BIA-ALCL não é conhecida, porém é estimada em torno de 1 caso
a cada 30.000 mulheres com implantes por ano, com uma média de desenvolvimento da
doença após a implantação de 10,7 anos5. Variações na estimativa do risco para desenvolvimento do BIA-ALCL (1:3.000.000 a
1:50.000 mulheres com implantes mamários) provavelmente ocorrem por limitações na
obtenção da história clínica de tais pacientes, variações na forma de diagnóstico
patológico, subnotificação, diagnósticos perdidos, duplicação de casos e falta de
informações claras acerca do número total de implantes vendidos e implantados1.
A exata patogênese e os mecanismos que permeiam o BIA-ALCL não são claros. As teorias
apreendidas da literatura aventam que implantes texturizados em associação ao microbioma
mamário, potencialmente desencadeariam uma transformação maligna por aumentarem o
risco de inflamação crônica guiada por antígeno.
O mesmo fator que atribui aos implantes texturizados uma menor taxa de contratura
capsular, ou seja, sua maior área de superfície e interface com relevo, proporciona
um aumento da adesão bacteriana e a formação de biofilme2, acarretando maior atividade inflamatória local. Apesar das crescentes evidências
implicando inflamação crônica da cápsula de biofilme dos implantes mamários como causa
etiológica, alguns autores sugerem precaução em tomar conclusões precipitadas até
que a ciência entenda essa entidade incomum6.
A provável associação entre o implante mamário e o início da doença obriga as autoridades
de saúde ao redor do mundo a monitorar e aumentar a investigação relacionada a essa
doença7.
Essa revisão da literatura teve como objetivo trazer novas atualizações acerca da
epidemiologia, fisiopatologia e fatores de risco para desenvolvimento do BIA-ALCL,
assim como apresentar novas evidências acerca do papel das características dos implantes
mamários na etiopatogenia da doença.
MÉTODOS
Foi realizado o levantamento de dados através das principais bases de dados PUBMED,
LILACS e Scielo, utilizando como descritores: "BIA-ALCL"; "texturized implants"; "implantes texturizados"; "polyurethane implants" e "implantes de poliuretano", Breast Implant and Anaplastic Large Cell Lymphoma.
O período da pesquisa foi de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. Os fatores de inclusão
foram: língua portuguesa ou inglesa; tipos de estudos: revisão sistemática da literatura,
relatos de caso, estudos descritivos retrospectivos e ensaios clínicos. Os fatores
de exclusão dessa revisão sistemática foram: artigos duplicados, artigos com mais
de 3 anos de publicação (anteriormente a dezembro de 2015), metodologia inadequada
ao propósito do trabalho, línguas não arregimentadas nos fatores de inclusão.
O número total de artigos encontrados foi de 53 após exclusão dos artigos com mais
de 3 anos de publicação. 11 artigos foram excluídos por estarem repetidos nas bases
de dados utilizadas; 2 artigos foram excluídos por não estarem escritos nas línguas
especificadas nos fatores de inclusão; 18 artigos foram excluídos pelo título não
fazer referência ao foco dessa revisão; 12 artigos foram excluídos após leitura do
resumo por não dissertarem acerca do objetivo dessa revisão sistemática. Nenhum artigo
foi excluído pelo tipo de estudo.
Após a exclusão foram selecionados 10 artigos publicados entre 2016 e 2018 que dissertavam
acerca da epidemiologia, etiofisiopatogenia e fatores de risco relacionados às características
do implante mamário, tais emoldurando os artigos de para essa análise como abaixo
se delineará. A Figura 1 a seguir descreve os passos para a escolha dos artigos selecionados.
Figura 1 - Fluxo de seleção dos artigos.
Figura 1 - Fluxo de seleção dos artigos.
RESULTADOS
Foram selecionados os seguintes artigos explicitados no Quadro 1.
Quadro 1 - Artigos selecionados.
1) Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma 2 |
P. Rastogi; A. K. Deva; H. Miles Prince |
22/outubro/2018 Current Hematologic Malignancy Reports Journal |
Revisão de literatura |
Não foi descrita a metodologia pelos autores. |
2) Breast implant-associated anaplastic large cell lymphoma: a pictorial review 8 |
Amit Chacko; Thomas Lloyd |
30/abril/2018 Insights into Imaging Journal |
Relatos de casos |
Não foi descrita a metodologia pelos autores. |
3) Breast implant associated anaplastic large cell lymphoma: The UK experience. Recommendations
on its management and implications for informed consent 5 |
L. Johnson; J.M. O'Donoghue; N. McLean; P. Turton; A.A. Khan; S.D. Turner; A. Lennard;
N. Collis; M. Butterworth; G. Gui; J. Bristol; J. Hurren; S. Smith; K. Grover; G.
Spyrou; K. Krupa; I.A. Azmy; I.E. Young; J.J. Staiano; H. Khalil; F.A. MacNeill
|
8/mai/2017 European Journal of Surgical Oncology |
Estudo descritivo retrospectivo |
Estudo retrospectivo em cima de dados acerca da implantação do implante mamário, a
clínica, o tratamento e o seguimento de 18 pacientes diagnosticadas com BIA-ALCL entre
2012 e 2016 em 15 centros regionais por todo o Reino Unido.
|
4) Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma: Case Report and Review
of the Literature 3 |
Eva Berlin; Kunwar Singh; Christopher Mills; Ilan Shapira; Richard L. Bakst; Manjeet
Chadha
|
21/jan/2018 Case Reports in Hematology Journal |
Relato de caso e revisão da literatura |
Não foi descrita a metodologia pelos autores. |
5) Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma A Systematic Review 4 |
Ashley N. Leberfinger, MD; Brittany J. Behar, MD; Nicole C. Williams, MD, MBA; Kevin
L. Rakszawski, MD; John D. Potochny, MD; Donald R. Mackay, DDS, MD; Dino J. Ravnic,
DO, MPH
|
18/out/2017 JAMA Surgery Journal |
Revisão sistemática da literatura |
Foi realizada uma revisão sistemática sobre o BIA-ALCL. As palavras chaves utilizadas
foram: BIA-ALCL, linfoma e implantes mamários e câncer de implantes mamários. As plataformas
utilizadas foram Pubmed, EBSCOhost, Web of Science e Google escolar. A pesquisa foi
realizada em janeiro de 2017 por estudos publicados em todos os anos. 115 artigos
foram incluídos desde o primeiro relato de caso em agosto de 1997 até janeiro de 2017.
|
6) Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma: A Case Report and Review
of the Literature 7 |
Daniel E. Ezekwudo; Tolulope Ifabiyi; Bolanle Gbadamosi; Kristle Haberichter; Zhou
Yu; Mitual Amin; Kenneth Shaheen; Michael Stender; Ishmael Jaiyesimi
|
31/out/2017 Case Reports in Oncological Medicine |
Relato de caso e revisão da literatura |
Foi reportado um raro caso de BIA-ALCL e discutido a rara apresentação desta doença,
as características histopatológicas da forma indolente e infiltrativa e sua importância
clínica após revisão da literatura sobre o assunto.
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7) 22 Cases of Breast Implant-Associated ALCL: Awareness and Outcome Tracking from
the Italian Ministry of Health 6 |
Antonella Campanale, M.D.Rosaria Boldrini Marcella Marletta, M.D. |
14/abril/2017 Plastic and Reconstructive Surgery Journal |
Estudo descritivo retrospectivo |
Estudo retrospectivo com base nos casos notificados de BIA-ALCL coletados na base
de dados da direção geral de dispositivos médicos e serviços farmacêuticos do Ministério
da Saúde Italiano. Para cada caso foi coletado as seguintes variáveis: número de identificação,
empresa de fabricação do implante atual utilizado pela paciente, preenchimento e superfície
do implante, tempo desde a implantação, cirurgia prévia mamária, indicação do implante,
idade da paciente, sintomas, marcadores de BIA-ALCL, estadiamento do BIA-ALCL, tratamento
realizado e seguimento.
|
8) Implications of Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma (BIA-ALCL)
for Breast Cancer Reconstruction: An Update for Surgical Oncologists 9 |
Anne C. O'Neill, MBBCh, PhD; Toni Zhong, MD, MHS; Stefan O. P. Hofer, MD, PhD |
31/jul/2017 Annals of Surgical Oncology |
Revisão da literatura |
Não foi descrita a metodologia pelos autores. |
9) Breast Implant and Anaplastic Large Cell Lymphoma Meta-Analysis 10 |
Guillermo Ramos-Gallardo; Jesús Cuenca-Pardo; Eugenio Rodríguez-Olivares; Rufino Iribarren-Moreno;
Livia Contreras-Bulnes; Alfonso Vallarta-Rodríguez; Marco Kalixto-Sanchez; Claudia
Hernández; Ricardo Ceja-Martinez; Cesar Torres-Rivero
|
18/jul/2016 Journal of Investigative Surgery |
Revisão Sistemática com Metanálise |
Foi realizada uma metanálise por meio de uma revisão usando as plataformas Pubmed,
Embase, Cochrane, Fisterra, Google escolar e Lilacs. Foram procurados artigos publicados
desde 1980 até agosto de 2015. A linguagem MESH foi usada para identificar as palavras-chave:
linfoma ou linfoma não-Hodgkin ou linfoma anaplásico de grandes células ou ALCL ou
BIA-ALCL e implante mamário ou prótese mamária, implantes mamários ou silicones ou
silicone gel e efeitos adversos.
|
10) Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma in Australia and New
Zealand: High-Surface-Area Textured Implants Are Associated with Increased Risk 1 |
Anna Loch-Wilkinson, M.B.B.S. Kenneth J. Beath Robert John William Knight, M.B.B.S.
William Louis Fick Wessels, M.B.B.S. Mark Magnusson, M.B.B.S. Tim Papadopoulos, M.B.B.S.
Tony Connell, B.Sc., M.B.B.S. Julian Lofts, M.B.B.S. Michelle Locke, M.B.B.S., M.D.
Ingrid Hopper, M.B.B.S., B.Med.Sci.(Hons.), Ph.D. Rodney Cooter, M.B.B.S., M.D. Karen
Vickery, B.V.Sc., Ph.D. Preeti Avinash Joshi, M.B.B.S., D.C.H., Ph.D. H. Miles Prince,
M.B.B.S.(Hons.), M.D., A.F.R.A.C.M.A., M.A.C.D. Anand K. Deva, B.Sc.(Hons.), M.B.B.S.,
M.S.
|
Outubro/2017 Journal of Plastic and Reconstructive Surgery |
Estudo descritivo retrospectivo |
Todos os casos Australianos e da Nova Zelândia foram identificados e analisados. Toda
a história do implante foi obtida e a freqüência de diferentes tipos de implantes
associados a mama BIA-ALCL + também foi listada. Implantes reportados (Silimed, Biocell,
Siltex e implante de superfície lisa) foram submetidos a análise de sua área superfície.
O diagnóstico patológico foi confirmado por nova revisão das lâminas por novo patologista.
Dados de venda de 3 empresas fabricantes de implantes mamários (Mentor - Siltex, Allergan
- Biocell e Silimed - poliuretano) datados de 1999 a 2005 foram usados para a estimativa
do risco implante-específico.
|
Quadro 1 - Artigos selecionados.
Após a análise dos artigos selecionados, seguiu-se a determinação dos seguintes dados:
epidemiologia acerca do BIA-ALCL, a fisiopatologia da moléstia e os dados acerca dos
tipos de implantes mamários possivelmente implicados como de maior risco para desenvolvimento
da comorbidade.
Epidemiologia:
Vários dados acerca de prevalência e incidência do BIA-ALCL foram coletados. Nos EUA,
entre 1996-2015 foi calculada uma prevalência estimada de 1:30.000 mulheres com implantes
texturizados2. De Jong et al., em 20088, estimaram a incidência de BIA-ALCL de 1-3 casos: 1 milhão de implantes mamários
por ano6. O estudo descritivo retrospectivo do Ministério da Saúde italiano estimou uma incidência
italiana de BIA-ALCL de 2,8:100.000 pacientes em risco (com implantes) em 2015 e 2,3:100.000
pacientes em risco em 20166. Em dezembro de 2016 a Administração Australiana de Produtos Terapêuticos reportou
uma incidência de 1:1.000 até 1:10.000 para pacientes com implante texturizado7. Alguns autores estimaram o risco em 1:500.000 até 3 milhões de mulheres com implantes.
Outros determinaram a incidência nos EUA baseados na literatura e base de dados institucional
de 2,03:1 milhão de pessoas/ano7.
Variações nas incidências de BIA-ALCL foram encontradas ao redor do mundo (extremamente
raro na Ásia em comparação com países ocidentais; menor incidência relativa no Brasil
e Europa, e maiores incidências na Austrália e Nova Zelândia)2. Possivelmente essas variações estão relacionadas com a predominância de implantes
lisos x texturizados em cada país e predisposição genética/étnica2.
Apesar de raro, a incidência do BIA-ALCL tem aumentado, acreditando-se que tal, assim
como a prevalência, ocorre pelo fato do número de cirurgias com implante de silicone
mamário estar em constante incremento9,10.
Características do implante mamário:
Em 2017 o FDA acumulou 359 relatos médicos de BIA-ALCL sendo a maioria dos casos em
pacientes com implantes texturizados. Dos 232 casos que caracterizavam o tipo do implante
203 eram texturizados e 28 lisos4,9. Todos os 18 casos observados no estudo retrospectivo do Reino Unido analisado neste
estudo ocorreram em implantes texturizados6. Na revisão sistemática analisada neste estudo 95 pacientes foram incluídas e quase
todos os BIA-ALCL documentados foram associados a implantes texturizados5. Suportando tais dados foram relatados 5 casos de BIA-ALCL em um corte de 17.656
mulheres com os implantes Natrelle (que usam a textura biocell) levando a um risco de no mínimo 1:3.500 implantes texturizados Natrelle2.
Apesar de casos de BIA-ALCL serem reportados tanto em implantes lisos quanto texturizados,
mais recentemente foi determinado que implantes texturizados foram usados em algum
momento pelas pacientes em quase todos os casos11. Muitas das pacientes têm histórico de múltiplas cirurgias de troca de implante,
o que pode dificultar a determinação de qual implante exatamente foi utilizado11.
Apesar de ainda haver relatos de caso associados a implantes lisos, muitos acreditam
que isso se deve a uma história clínica incompleta11. Na metanálise revisada, a superfície dos implantes era texturizada em 21,3% (17
casos) e desconhecida em 78% (63 casos) e casos em implantes de superfície lisa não
foram reportados. As marcas mais comuns foram McGhan (11 casos - 14%), Mentor (7%) e PIP (hidrogel) em 3%; em 76% dos casos a marca era desconhecida12.
No estudo descritivo retrospectivo australiano foram encontrados 55 casos de BIA-ALCL
diagnosticados de 2007 a 2016 na Austrália e Nova Zelândia. Todas as pacientes foram
expostas aos implantes texturizados. A análise comparativa desse estudo mostrou que
o risco para desenvolvimento do BIA-ALCL é 14,11 vezes maior com implantes biocell texturizados (95% CI, 1.2 to 561.46; p=0,0005) e 10,84 vezes maior com implantes
de poliuretano texturizados (Silimed) (95% CI, 1.0 to 566.34; p=0,05) em comparação com implantes texturizados Siltex. O maior risco estimado de casos de BIA-ALCL pelo número de implantações foi encontrado
com o Biocell (1:3.817) em comparação com o de poliuretano (1:7.788) e o de Siltex (1:60.631). O risco do implante de poliuretano desse estudo pode ser confundido devido
a menor exposição do mercado australiano e da Nova Zelândia ao implante em relação
às outras duas texturas1.
O estudo descritivo retrospectivo do Ministério da Saúde italiano mostrou que a doença
foi diagnosticada em 21 dos casos em implantes de silicone com superfície texturizada
(1 dos casos com poliuretano) e em 1 caso com um implante de duplo lúmen (salino/silicone)
com superfície texturizada9. 15 pacientes haviam recebido implantes prévios antes do diagnóstico de BIA-ALCL9. Com base no dado de que mais de 97% dos implantes da Itália são texturizados, mesmo
que os 22 casos de BIA-ALCL tivessem sido diagnosticados em implantes texturizados
de silicone, nesse estudo essa amostra não foi representativa o suficiente para correlacionar
a patogênese da doença com determinado tipo de implante7.
Na era moderna do aumento e reconstrução das mamas a proporção de implantes texturizados
excede em grande número os implantes lisos e isso pode em parte explicar porque quase
todos os casos surgem em associação com implantes texturizados6. Por conta da grande maioria dos estudos sobre o BIA-ALCL vir dos EUA, os relatos
são limitados aos implantes utilizados lá. Maior investigação é necessária para associação
entre a doença e o tipo de implante em outros locais do mundo11.
Em relação ao material de preenchimento dos implantes, o BIA-ALCL foi relatado tanto
em implantes de silicone quanto implantes salinos9. Na revisão sistemática analisada, pacientes com implantes de silicone parecem ser
mais afetados do que aqueles com implantes salinos, respectivamente 61% e 39% dos
casos. Isso pode estar relacionado com o maior uso de implante anatômico texturizado
de silicone atualmente5. Na metanálise revisada 32 dos implantes eram de silicone (40%), 28 eram salinos
(35%), 2 eram de poliuretano, 1 uma combinação de silicone e solução salina e em 17
casos a informação era desconhecida12. A maioria dos autores não mostrou diferença em relação ao material de preenchimento
dos implantes11. Na revisão de literatura analisada não foi encontrada diferença significativa de
incidência entre os implantes salinos e os de silicone10.
Fisiopatologia:
A exata fisiopatologia do BIA-ALCL é incerta4,6,10. O desenvolvimento do BIA-ALCL é provavelmente um processo complexo que envolve vários
fatores incluindo o crescimento do biofilme bacteriano, a superfície do implante texturizado,
a resposta imune e a genética do paciente1,5.
As teorias em relação à patogenia dizem que implantes texturizados e o microbioma
da mama (principalmente as bactérias gram negativas) potencialmente desencadeiam transformação
maligna por aumentarem o risco de inflamação crônica guiada por antígeno (resposta
predominantemente via linfócitos Th1 e Th17)1,4,5,9,10. A teoria é de que em comparação com implantes lisos, as concavidades presentes nos
implantes texturizados predispõem à infecção subclínica e/ou inflamação crônica, já
que sua maior área de superfície e interface com relevo aumentam a adesão bacteriana
e a formação de biofilme1,6,11.
Hu et al., em 201513, estudaram o biofilme gerado em humanos e porcos e encontraram aumento da resposta
linfocítica em implantes texturizados em comparação com implantes lisos e no infiltrado
gerado a maioria das células eram do tipo T. Além disso houve um crescimento linear
da quantidade de células B e T em relação à quantidade de bactérias4.
Honghua et al., em 201614, reportaram um aumento na prevalência de certos organismos gram negativos (Ralstonia spp) no microbioma da cápsula dos implantes retiradas de pacientes com BIA-ALCL em comparação
com os controles5,6. Um estudo analisando a mama saudável de pacientes com BIA-ALCL mostrou microbioma
semelhante na comparação das mamas, porém nível significantemente menor de bactéria
no tecido saudável5.
Nos estudos sobre o ALCL foi observado bactérias gram negativas em comparação com
as da contratura capsular que são positivas12. Outras observações também apontam a infecção como etiologia pelo padrão de incidência
em grupos, com alguns cirurgiões tendo múltiplos eventos o que poderia representar
contaminação nosocomial1. O tempo de desenvolvimento da doença também corrobora com tal teoria, pois circunscreve
o período necessário para o biofilme produzir inflamação, ativação imune e transformação
para câncer. Além disso, não há documentação da doença na era pré-implantes texturizados5. Foi também sugerido que partículas do silicone embebidas na cápsula podem iniciar
resposta inflamatória11.
Fatores genéticos do hospedeiro também parecem estar envolvidos (mutações no Janus Kinase and Signal Transducer and Activator of Transcription 3 - JAK-STAT3 (relacionado à proliferação, diferenciação e apoptose celular); mutações
no tp53 e DNMT3A (DNA metiltransferase); entre outros, assim como alterações genéticas relacionadas à inflamação crônica2,5,10.
Apesar da evidência crescente de que inflamação crônica seria fator etiológico para
a doença, alguns autores aconselham cuidado ao desenhar conclusões antes que a ciência
entenda melhor essa entidade não usual6.
DISCUSSÃO
Os dados encontrados acerca da epidemiologia do BIA-ALCL mostram que a incidência
estimada da doença varia muito de acordo com o tipo de estudo e das variáveis englobadas.
A incidência variou conforme o país estudado e as características do implante (texturizado
ou não). É provável que as diferentes incidências se devam a predominância de implantes
lisos x texturizados em cada país, porém não se pode descartar que a hipótese de predisposição
genética/racial exerça papel nessa grande variação.
Em relação ao tipo de superfície dos implantes mamários e seu possível gatilho para
o desenvolvimento do bia-alcl, os dados coletados nessa revisão da literatura corroboram
para a teoria de que os implantes texturizados tem grande papel na etiologia da doença.
Todos os estudos analisados mostraram maior incidência da doença em pacientes com
implantes texturizados ou histórico de uso anterior dos mesmos. Porém, devido às limitações
dos estudos acerca de variáveis geográficas, em relação ao mercado atual de implantes
mamários e a pequena quantidade de estudos acerca do bia-alcl ainda não é possível
afirmar com certeza que implantes de superfície texturizada são os disparadores do
desenvolvimento da doença, apesar de se apresentarem como fator de risco. Em relação
ao material de preenchimento dos implantes mamários os estudos analisados em grande
maioria não mostraram diferença na incidência do bia-alcl.
Há que se ressalvar que a grande maioria dos implantes utilizados em hodiernos tempos
são texturizados, o que pode ser um grande viés de análise, pois caso uma análise
regressiva proporcionada se realizasse, os implantes revestidos de poliuretano representariam
risco muito superior aos implantes texturizados, pois mesmo com baixa utilização,
apresentam taxas de 10,84 vezes maior de risco para o BIA-ALCL.
A fisiopatologia mais aceita atualmente é a de que os implantes mamários com maior
área de superfície e, conseguintemente, maior interface com o meio (implantes texturizados)
levariam à formação de maior biofilme por maior adesão bacteriana. Bactérias gram
negativas associadas à inflamação crônica presentes no biofilme gerariam ativação
imune com resposta predominantemente Th1 e Th17. Inflamação crônica seria o gatilho
para a transformação maligna das células T que levariam ao BIA-ALCL. Fatores genéticos
do hospedeiro (mutação JAK-STAT3, tp53, DNMT3A) também estariam relacionados à transformação
maligna que induziriam a doença.
CONCLUSÃO
O BIA-ALCL é uma doença rara e uma entidade ainda pouco conhecida. De acordo com os
dados analisados é possível concluir que não há uma relação direta de causa e efeito
entre os implantes mamários, mormente os texturizados, e o desenvolvimento do BIA-ALCL,
podendo esses ser considerados somente como fatores de risco e não agentes causadores.
Como diretrizes, tendo como arquétipo a revisão aqui delineada, há que se orientar
os cirurgiões plásticos a realizarem acompanhamentos mais próximos de seus pacientes
e sempre terem em mente a existência do BIA-ALCL para um diagnóstico precoce e tratamento
efetivo.
Outrossim, é dever dos profissionais explicarem aos pacientes antes das cirurgias
a existência do BIA-ALCL e sua incidência; além de, estando a média de manifestação
do BIA-ALCL em 10 anos, programarem, além do exame físico minucioso das mamas, a orientação
de que qualquer sintomatologia distinta das esperadas, acarretará na necessidade de
investigação com exames complementares.
As informações explicitadas nessa revisão da literatura devem auxiliar na ampliação
de estudos acerca dos fatores de risco e fisiopatologia da doença e futuramente criação
de políticas públicas para prevenção, diagnóstico precoce e manejo de tal enfermidade.
COLABORAÇÕES
DSSR
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, coleta de dados,
conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento de recursos, gerenciamento
do projeto, investigação, metodologia, redação - preparação do original, redação -
revisão e edição, supervisão.
|
BSR
|
Análise e/ou interpretação dos dados, coleta de dados, conceitualização, gerenciamento
do projeto, investigação, metodologia, realização das operações e/ou experimentos,
redação - preparação do original, redação - revisão e edição.
|
REFERÊNCIAS
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breast implant. Plast Reconstr Surg. 1997 Aug;100(2):554-5.
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anaplastic large cell lymphoma: case report and review of the literature. Case Rep
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management and implications for informed consent. Eur J Surg Oncol. 2017 Aug;43(8):1393-401.
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1. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil.
Autor correspondente: Daniel Sundfeld Spiga Real Rua Dr. Domingos Faro, 285, Jardim Alvorada, São Carlos, SP, Brasil. CEP: 13562-003.
E-mail: dplasticsurgery@hotmail.com
Artigo submetido: 8/6/2019.
Artigo aceito: 22/7/2019.
Conflitos de interesse: não há.