INTRODUÇÃO
Define-se prontuário médico como um documento básico e fundamental que permeia as
atividades de assistência, pesquisa, ensino, controle administrativo e acompanhamento
jurídico das atividades médicas em uma unidade de saúde. Ele é ainda o elemento de
comunicação entre os vários setores dos serviços e entre a instituição e os usuários,
além de ser o depositário de um conjunto de informações para gerar conhecimento sobre
as intervenções realizadas e fundamentalmente acompanhar a história do usuário1.
Uma forma objetiva de avaliar a construção e o estabelecimento de uma boa relação
médico/paciente se dá pela análise do prontuário médico. Conforme já descrito no por
Sampaio, em 20101, a formalização adequada e o preenchimento detalhado desse documento servem como
reflexo de um bom vínculo e relação com o paciente. Tal fato corrobora a importância
do contato precoce no ensino e na elaboração deste instrumento, ainda na graduação,
e explica a ênfase que deve ser dada durante a formação dos especialistas.
Não obstante a importância do documento em qualquer área da medicina, na área da cirurgia
plástica a relevância aumenta porque os tribunais entendem que a obrigação do cirurgião
plástico é de resultado, ou seja, que ele se compromete a obter o resultado prometido
e almejado pelo paciente, o que torna a questão muito delicada devido à subjetividade
dos conceitos de bom ou mau resultado.
A atenção e zelo do médico no período pré e pós-operatório é de extrema importância
para a manutenção da boa relação médico/paciente. A observação dos princípios da ética
proporciona a essência do bom atendimento e, juntamente com a organização e o adequado
registro documental, contribui de modo crucial para a obtenção de resultado satisfatório2.
Hoje, com os avanços tecnológicos, o prontuário eletrônico do paciente já está sendo
utilizado em algumas instituições de saúde. Essa seria a forma mais segura e democrática
de lidar com estas informações3. Apesar da segurança, ainda há resistência por parte de alguns profissionais e instituições
mais conservadores. Nas instituições públicas o governo tem buscado formas de implementação
deste sistema, mas os resultados são ainda ínfimos, talvez pela falta principalmente
de recursos para investimento nesta área. De acordo com dados fornecidos pela TOTVS4, empresa no ramo de sistema de gestão tecnológica, o setor de saúde é o menos informatizado
das indústrias; é o segmento mais baseado em papel no mundo. No Brasil são pelo menos
7 mil instituições, das quais apenas 19% são informatizadas.
Diante deste cenário nacional, ainda longe do ideal, e da grande relevância de um
prontuário médico prático, informativo e dinâmico, objetivamos apresentar a nossa
experiência com o uso complementar de um recurso digital, com armazenamento de dados
na "nuvem", como uma ferramenta auxiliar ao prontuário tradicional e um meio de otimização
na organização do serviço de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM).
MÉTODOS
Associado ao prontuário médico de uso habitual dos serviços, descreve-se um sistema
complementar, utilizando-se uma plataforma digital de armazenamento de dados na "nuvem".
Por meio desse sistema é possível fornecer informações adicionais sobre cada paciente,
incluindo o seguimento ambulatorial, assim como o registro fotográfico do pré, intra
e pós-operatório.
Dentre as várias opções disponíveis na internet, de forma gratuita, optou-se pelo
uso do Google Drive como plataforma para armazenamento e organização do sistema. Não
possuímos nenhum vínculo profissional ou econômico com a empresa.
A fim de facilitar o entendimento e servir como um guia de reprodutibilidade para
outros serviços, apresentamos a seguir um passo-a-passo para elaboração do sistema
e nossa proposta de alimentação de dados e sugestão de utilização:
1º Passo: Criar uma conta Google por meio do e-mail Gmail (Figura 1).
Figura 1 - Criação da conta na plataforma Google
Figura 1 - Criação da conta na plataforma Google
2º Passo: Acessar o Google Drive preferencialmente pelo computador ou pelo aplicativo.
O acesso será disponibilizado a todos os integrantes do serviço por meio do login e senha criados. É elegido um moderador que receberá as notificações de segurança
da conta (Figura 2).
Figura 2 - Acesso ao Google Drive por meio do login e senha recém-criados
Figura 2 - Acesso ao Google Drive por meio do login e senha recém-criados
3º Passo: Criar pastas para cada tipo de cirurgia/procedimento realizados pelo serviço
(ex.: Abdominoplastia) (Figura 3).
Figura 3 - Pastas referentes aos procedimentos cirúrgicos realizados.
Figura 3 - Pastas referentes aos procedimentos cirúrgicos realizados.
4º Passo: Dentro das pastas denominadas pelo tipo de procedimento (ex.: Abdominoplastia),
criam-se planilhas com o nome de cada preceptor, de forma que os pacientes serão cadastrados
separadamente pelo profissional que os avaliou e indicou aquele procedimento (Figura 4).
Figura 4 - Planilha nominal para cada profissional/preceptor da equipe
Figura 4 - Planilha nominal para cada profissional/preceptor da equipe
5º Passo: As planilhas contêm dados pessoais, contato telefônico, registro hospitalar
e as datas referentes ao seguimento pré-operatório, como exames e avaliação pré-anestésica,
e do pós-operatório. Nela também são inseridas peculiaridades dos casos, como uso
de anticoagulação, alergia a látex e outras observações que podem ser individualizadas
(Figura 5A).
Figura 5 - A: Planilha com dados dos pacientes em seguimento ambulatorial após indicação cirúrgica
pelo preceptor. B: Em vermelho os pacientes já submetidos a cirurgia e em verde os pacientes aptos ao
procedimento cirúrgico.
Figura 5 - A: Planilha com dados dos pacientes em seguimento ambulatorial após indicação cirúrgica
pelo preceptor. B: Em vermelho os pacientes já submetidos a cirurgia e em verde os pacientes aptos ao
procedimento cirúrgico.
Este registro em planilhas facilita a organização e o planejamento cirúrgico, uma
vez que apresenta de forma clara os pacientes em seguimento ambulatorial. Viabiliza
que pré-operatório seja solicitado de acordo com a demanda para cada cirurgia e preceptor,
evitam-se gastos desnecessários e anseios pela marcação da cirurgia, sendo solicitado
apenas para as pacientes já com data provável da cirurgia. Algumas legendas podem
ser padronizadas, adotamos: em verde pacientes aptos para operar; em vermelho pacientes
operados; e em preto pacientes em acompanhamento ambulatorial (Figura 5B).
6º Passo: Ainda dentro da pasta para cada tipo de procedimento (ex.: Abdominoplastia),
além das planilhas, criar uma pasta para o registro fotográfico (ex.: Fotos Abdominoplastia)
(Figura 6).
Figura 6 - Pasta para registro fotográfico separada de acordo com cada tipo de cirurgia realizada
no serviço
Figura 6 - Pasta para registro fotográfico separada de acordo com cada tipo de cirurgia realizada
no serviço
7º Passo: Criar uma pasta nominal para cada paciente dentro da pasta de fotos (ex.:
Paciente 1), assim que for avaliado e indicado determinando procedimento. Esta pasta
deve conter as fotos de pré-operatório, intraoperatório e do seguimento pós-operatório
(habitualmente: 1 mês, 3 meses, 6 meses, 12 meses e anualmente), assim como o a cópia
do Termo de Consentimento Livre Esclarecido assinado pelo paciente. O upload das fotos pode ser realizado diretamente pelo dispositivo móvel ou por meio do computador
(Figura 7).
Figura 7 - Pasta de fotos nominal par cada paciente
Figura 7 - Pasta de fotos nominal par cada paciente
8º Passo: Utilizando-se o Google Agenda, é feita a programação mensal das cirurgias.
Todos integrantes da equipe médica têm acesso sincronizado ao planejamento das cirurgias,
o que facilita a discussão e análise dos casos. Na agenda, tem-se o nome da cirurgia
daquele horário, o preceptor do caso, nome do paciente e registro hospitalar. Um alerta
é programado e enviado 30 minutos antes de cada cirurgia para o celular dos integrantes
(Figuras 8A e 8B).
Figura 8 - A: Google Agenda com os dados de cada cirurgia programada; B: Alerta 30 minutos antes do horário de cada cirurgia, enviado os celulares cadastrados.
Figura 8 - A: Google Agenda com os dados de cada cirurgia programada; B: Alerta 30 minutos antes do horário de cada cirurgia, enviado os celulares cadastrados.
RESULTADOS
O modelo de complementação de dados proposto neste trabalho foi desenvolvido e instituído
no Serviço de Residência Médica de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM) em março de 2016. Esse modelo surgiu da necessidade de ampliação dos
dados e informações dos pacientes que o prontuário médico tradicional não dispunha,
como o registro fotográfico digital, acesso rápido, sincronizado e remoto viabilizado
pela internet.
Ao longo dos três anos de utilização, este recurso trouxe maior agilidade e organização
ao serviço. Por meio dele, é possível avaliar a demanda reprimida por tipo de procedimento
cirúrgico e desta forma propor ações como mutirões de cirurgia. Como exemplo, em 2017
foi criado um programa de extensão universitária pela disciplina de Cirurgia Plástica
da UFTM, voltado para correção de orelha em abano, gerando um benefício maior à população
e incrementando as atividades da residência médica.
Viabiliza a economia de recursos, planejamento e redução na ansiedade do paciente,
uma vez que os exames e avaliações pré-cirúrgicos passaram a ser solicitados apenas
aos pacientes com data de cirurgia já prevista. Outro ganho foi em relação ao registro
fotográfico, que se tornou mais ágil, com seguimento longitudinal maior e padronizado,
possibilitando um acervo de fácil acesso à equipe para análise crítica dos resultados,
como fonte de imagens de boa qualidade e padrão para trabalhos científicos e aulas,
além de ser uma importante ferramenta judicial, caso haja necessidade de defesa jurídica.
Também foi observado maior integração de toda a equipe com as atividades realizadas
no serviço. Por meio da agenda digital, todos integrantes conseguem acompanhar a produção
diária e mensal programada, o que facilita o estudo dos casos de forma remota e aumenta
as discussões entre os integrantes. A agenda digital torna mais fácil a organização
e distribuição dos tipos de cirurgia por residente e preceptor, de forma a seguir
as orientações do currículo-base proposto pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Por fim, dentre outras melhorias, se mostrou um recurso que fortifica a relação médico/paciente.
O zelo com o preenchimento e alimentação do sistema é observado pelo paciente como
um diferencial no atendimento médico. A possibilidade de análise compartilhada das
fotos no pré-operatório tem facilitado o entendimento do paciente no que tange aos
benefícios e limitações do seu caso, trazendo maior equilíbrio nas expectativas cirúrgicas
do paciente e da equipe médica.
DISCUSSÃO
Com a evolução digital vivenciada nas últimas décadas, vários recursos tecnológicos
têm sido implementados à saúde e incorporados à rotina médica5. Porém, no que se refere a saúde pública, principalmente, a escassez de recursos
financeiros continua sendo um fator limitante à esta adesão. A informatização nesta
área poderia reduzir drasticamente o volume de papel, agilizar os atendimentos, facilitar
o processo de comunicação - democratizando o atendimento - e também proporcionar a
redução dos custos, no gasto com papel e impressão3.
Para o paciente seria a forma mais fácil e segura de armazenamento dos seus dados,
além de possibilitar um acúmulo de informações que produzirá um acervo científico
que servirá como fonte de pesquisa para profissionais de diversas áreas, mediante
autorização do paciente e equipe médica responsável, em virtude da ética, porém com
conteúdo importante para a pesquisa científica. Representaria, também, facilitação
do acesso à informação e a minimização dos riscos de extravio de documentos, aumentando
a proteção da instituição responsável pela guarda.
Enquanto isto não ocorre, acreditamos que seja necessário a busca constante por melhorias
na qualidade dos serviços prestados e na otimização dos recursos disponíveis. Esses
pilares que devem nortear a atuação das equipes de cirurgia plástica têm como principal
aliado a adequada documentação e registro médico. Nesse sentido, se faz necessário
o desenvolvimento de novas estratégias que possibilitem a modernização dos serviços
na direção da evolução digital afim de aliar os benefícios tecnológicos à prática
clínica dos médicos.
CONCLUSÃO
A proposta de organização documental aqui apresentada é uma alternativa de incrementar
os prontuários médicos retrógrados/defasados, que constituem a realidade da maior
parte do país. É uma, entre várias formas de dinamizar, organizar e registrar dados
importantes para a atuação das equipes médicas, com especial atenção às peculiaridades
da cirurgia plástica, e que gera benefício direito aos pacientes. Sobretudo, é importante
ressaltar que constitui um recurso sem custos financeiros ou fins lucrativos, de fácil
reprodutibilidade por outros serviços e equipes de cirurgia plástica.
COLABORAÇÕES
AGM
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Redação - Preparação do original,
Redação - Revisão e Edição
|
MTRC
|
Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Gerenciamento do Projeto
|
LRCCT
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados
|
MPSN
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados
|
MAOM
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados
|
CRRC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados
|
VAP
|
Coleta de Dados
|
JPRP
|
Coleta de Dados
|
REFERÊNCIAS
1. Sampaio AC. Qualidade dos prontuários médicos como reflexo das relações médico-usuário
em cinco hospitais do Recife/PE [tese]. Recife (PE): Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães;
2010.
2. Silva DBV, Nahas FX, Bussolaro RA. A Cirurgia Plástica brasileira e o Código de Ética
Médica. Rev Bras Cir Plást. 2012 Jun;27(2):321- 324.
3. Araújo LNP. A gestão documental de prontuário médicos: uma análise dos riscos de responsabilização
jurídica da instituição hospitalar [dissertação]. Sabará (MG): Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais; 2015.
4. TOTVS. O ERP da TOTVS é completo, flexível e acompanha o crescimento da sua empresa
[Internet]. São Paulo: TOTVS; 2019; [acesso em 2018 jun 10]. Disponível em: http://www.totvs.com/software-de-gestao/saude/hospitais
5. Tavares MV, Cotta FB, Corrêa AG, Gomes RCB, Barros VM, Maia MR, et al. Documentação
fotográfica intra-operatória. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(4):705-7.
1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Cirurgia Plástica, Uberaba, MG, Brasil.
Autor correspondente: Aluísio Gonçalves Medeiros Rua Major Eustáquio, 431, Uberaba, MG, Brasil. CEP: 38010-270. E-mail: aluisiogm@hotmail.com
Artigo submetido: 2/4/2019.
Artigo aceito: 20/10/2019.
Conflitos de interesse: não há.