INTRODUÇÃO
O suicídio é um fenômeno complexo e um sério problema de saúde pública. Estudos recentes
relatam que a cada 40 segundos ocorre um suicídio no mundo1, correspondendo a mais de 800.000 óbitos por ano. É a segunda maior causa de morte
entre pessoas de 15 e 29 anos de idade, perdendo apenas para os acidentes de trânsito2. O quadro é ainda mais alarmante quando é analisada a tentativa de suicídio. Estima-se
que o número de tentativas supere o de suicídios consumados em pelo menos 10 vezes
e que para cada tentativa documentada existem outras 4 não registradas3.
O comportamento suicida é complexo e multifatorial. Os fatores de risco relacionados
não se restringem à ocorrência de algum acontecimento estressor recente, como separação
conjugal ou perda do emprego. Resulta da interação entre componentes sociais, culturais
e psicológicos4.
Na grande maioria dos casos existe um transtorno mental diagnosticável, notadamente:
depressão e ansiedade. Mais de 60% das pessoas que se suicidaram não estavam em tratamento
quando morreram5, revelando a importância do reconhecimento de todas as dimensões dos transtornos
mentais na prevenção ao suicídio.
Um importante sinal de alerta para a ocorrência de suicídio é a tentativa prévia.
O risco de alguém se matar aumenta após tentativa prévia de forma diretamente proporcional
ao número de tentativas e inversamente proporcional ao tempo transcorrido3,5.
Outros fatores, considerados geralmente em associação aos anteriores, são relacionados
a condições individuais (conflitos interpessoais, presença de dores crônicas, sentimento
de desesperança, histórico familiar de suicídio, uso de drogas, alcoolismo, fatores
genéticos e biológicos), sociais (dificuldade de acesso aos serviços de saúde, estigmatização
dos transtornos mentais e daqueles pacientes que procuram ajuda por ideias de autolesão,
facilidade em alcançar os meios ou instrumentos para cometer o suicídio) e ambientais
(guerra, desastres ou conflitos, discriminação, traumas e abusos)4.
Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, ocorreram
em 2015, no Brasil, 152.135 mortes por causas externas, sendo que 11.178 foram relatadas
como "lesões autoprovocadas intencionalmente"6, o que corresponde a 7,34% do total. Esse número pode ser maior, visto que outras
9.810 mortes são classificadas como "eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada"6, podendo corresponder em menor ou maior grau a mortes cuja intencionalidade não pode
ser comprovada. Dentro das categorias listadas como métodos de autolesão pelo Ministério
da Saúde, as classificadas como "lesão autoprovocada intencionalmente pela fumaça,
pelo fogo e por chamas" corresponderam a 156 casos de óbitos no Brasil no ano de 20157. Os métodos utilizados para provocar a autolesão são variados, com resultados diferentes
quanto a morbimortalidade. Nesse contexto, as queimaduras, apesar de não serem a primeira
escolha como método de autolesão, tem importante destaque devido à gravidade das lesões
provocadas, a alta taxa de letalidade e os grandes prejuízos psicológicos, funcionais
e estéticos naqueles que sobreviveram à tentativa8. De modo especial, as mulheres, por representarem a maioria dos pacientes com história
de tentativas de suicídio e de morte por queimaduras auto infligidas9-11, tornam-se grupo populacional vulnerável que merece recorte para o aprofundamento
do estudo da questão.
O suicídio é uma morte evitável4. Sendo assim, evidencia-se a relevância da realização deste estudo, uma vez que,
em revisão de literatura não encontramos estudos epidemiológicos sobre o tema com
destaque para a população feminina realizados no Distrito Federal, Brasil.
OBJETIVO
O objetivo desta pesquisa é determinar o perfil das mulheres internadas por tentativa
de suicídio, usando meio físico (queimadura), no centro de referência para tratamento
de queimados ou que faleceram em decorrência de queimaduras autoinfligidas no Distrito
Federal, no período de julho de 2010 a junho de 2015.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo retrospectivo, de caráter descritivo de série temporal. Foi
desenvolvido em dois locais: na Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) do Hospital
Regional da Asa Norte (HRAN), centro de referência para atendimento de vítimas de
queimaduras na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SESDF), e no Instituto
de Medicina Legal (IML) da Polícia Civil do Distrito Federal, onde são realizados
todos os exames necroscópicos dos casos de mortes de causas externas ocorridas nessa
unidade da federação.
A amostra foi de conveniência, constituída por todos os casos relatados como suicídio
por queimadura, tentado ou consumado, ocorridos no período de 1º de julho de 2010
a 30 de junho de 2015, considerando a data da internação na UTQ ou da realização do
exame cadavérico (no caso das vítimas que não tenham sido internadas no HRAN). A escolha
do período foi feita baseando-se na disponibilidade dos dados quando da introdução
do prontuário eletrônico na SESDF.
Foram excluídos da pesquisa os dados obtidos dos documentos que não mencionem de forma
objetiva a intenção suicida, nem a ação de meio físico (queimadura) como causa primária
da internação ou do óbito.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro e junho de 2017 e foi realizada
de acordo com a disponibilização dos documentos por cada instituição.
No HRAN, os dados foram coletados dos relatórios de alta das pacientes e, em caso
de dúvida ou na ausência de determinada informação, foi realizada a busca ativa no
prontuário eletrônico da Secretaria de Saúde do Distrito Federal para complementação.
No IML, a coleta foi realizada a partir do banco de dados informatizado da Polícia
Civil.
A listagem com todos os laudos cadavéricos de mulheres mortas por ação de meio físico
(queimaduras) no período do estudo foi disponibilizada pelo Setor de Informática,
Planejamento e Estatística do Instituto, permitindo a consulta do documento médico
e da ocorrência policial relacionados ao evento.
Os dados foram coletados e armazenados em um formulário eletrônico próprio construído
no programa Microsoft Excel, versão 2013, onde foram registradas as variáveis a serem estudadas, a seguir: idade,
local onde ocorreu a queimadura, data da queimadura, data da internação, data do exame
cadavérico, data da alta ou do óbito, dias entre a queimadura e a internação, dias
de internação, superfície corporal queimada (SCQ), profundidade (grau) da queimadura,
segmentos corporais atingidos, agente, presença de lesões associadas, antecedentes
clínicos, evolução clínica durante a internação e desfecho (alta hospitalar ou óbito).
Os dados foram analisados estatisticamente utilizando o programa Microsoft Excel, versão 2013.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa
em Ciências da Saúde (Parecer nº 1.504.214 - FEPECS/SES/DF). Em nenhum momento os
documentos físicos foram retirados dos locais de trabalho, nem os digitais foram impressos
ou gravados em outras mídias, sendo analisados na pesquisa apenas os dados presentes
no meio de coleta.
RESULTADOS
Entre julho de 2010 e junho de 2015 foram identificadas 42 mulheres com história de
suicídio por queimadura, tentado ou consumado, no Distrito Federal (Figura 1). Dessas, 40 foram internadas no HRAN e uma em hospital privado (Tabelas 1, 2 e 3).
Figura 1 - Distribuição semestral do no de casos de suicídio, tentado ou consumado, por queimaduras
entre julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
Figura 1 - Distribuição semestral do no de casos de suicídio, tentado ou consumado, por queimaduras
entre julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
Tabela 1 - Perfil epidemiológico das mulheres vítimas de suicídio, tentado ou consumado, entre
julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
Característica |
N |
% |
Faixa etária (anos) |
|
|
15 a 29 |
12 |
28,5 |
30 a 44 |
20 |
47,6 |
45 a 59 |
8 |
19 |
60 ou mais |
2 |
4,9 |
Estado onde ocorreu a queimadura |
|
|
DF |
27 |
64,3 |
GO |
10 |
23,8 |
MG |
3 |
7,1 |
MT |
1 |
2,4 |
TO |
1 |
2,4 |
Agente etiológico |
|
|
Álcool + fogo |
30 |
71,4% |
Acetona + fogo |
7 |
16,6% |
Fogo |
2 |
4,8% |
Gasolina + fogo |
1 |
2,4% |
Soda cáustica |
1 |
2,4% |
Água quente |
1 |
2,4% |
Tabela 1 - Perfil epidemiológico das mulheres vítimas de suicídio, tentado ou consumado, entre
julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
Tabela 2 - Idade, dias de internação e superfície corporal queimada das mulheres vítimas de suicídio,
tentado (alta hospitalar) ou consumado (óbito), entre julho de 2010 e junho de 2015,
em Brasília (DF).
Característica |
Alta |
Óbito |
Total |
Média |
DP |
Média |
DP |
Média |
DP |
Idade |
33,4 |
+ 10 |
42,8 |
+ 11,6 |
36,7 |
+ 11,5 |
Dias de internação |
28,3 |
|
12,07 |
+ 10,5 |
22,5 |
+ 21,1 |
SCQ |
20,4 |
+ 13 |
59,53 |
+ 24,7 |
34,38 |
+ 26 |
Tabela 2 - Idade, dias de internação e superfície corporal queimada das mulheres vítimas de suicídio,
tentado (alta hospitalar) ou consumado (óbito), entre julho de 2010 e junho de 2015,
em Brasília (DF).
Tabela 3 - Perfil clínico das mulheres vítimas de suicídio, tentado (alta hospitalar) ou consumado
(óbito), entre julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
Característica |
Alta |
Óbito |
Total |
n |
% |
n |
% |
n |
% |
Nº de mulheres: |
27 |
64,3 |
15 |
35,7 |
42 |
100 |
Gravidade: |
Pequeno |
10 |
23,8 |
0 |
0 |
10 |
23,8 |
Médio |
6 |
14,3 |
2 |
4,7 |
8 |
19 |
Grande |
11 |
26,2 |
13 |
31 |
24 |
57,2 |
Antecedentes: |
PSQ* |
16 |
59 |
13 |
86,6 |
29 |
69 |
Tentativa prévia |
4 |
14,8 |
5 |
33,3 |
9 |
21,4 |
Lesão inalatória: |
1 |
3,7 |
7 |
46,6 |
8 |
19 |
Complicações: |
Infecção de ferida |
17 |
63 |
4 |
26,6 |
21 |
50 |
Pneumonia |
2 |
7,4 |
4 |
26,6 |
6 |
14,3 |
Sepse |
5 |
18,5 |
7 |
46,6 |
12 |
28,5 |
Tabela 3 - Perfil clínico das mulheres vítimas de suicídio, tentado (alta hospitalar) ou consumado
(óbito), entre julho de 2010 e junho de 2015, em Brasília (DF).
DISCUSSÃO
Considerando a distribuição por faixas etárias, observou-se predomínio de mulheres
entre 30 e 44 anos (47,6%), seguida por 15 a 29 anos (28,5%), com média geral de idade
de 36,76 anos, variando entre 15 e 70 anos. Esses achados foram semelhantes a outros
trabalhos científicos10,12 e aos registros da Organização Mundial de Saúde (OMS), onde o suicídio figura entre
as três principais causas de morte de pessoas entre 15 a 44 anos de idade, sendo responsável
anualmente por cerca de um milhão de óbitos (o que corresponde a 1,4% do total de
mortes). Essas cifras não incluem as tentativas de suicídio, de 10 a 20 vezes mais
frequentes que o suicídio em si4.
Quando analisada a unidade da federação onde ocorreu o evento, em 27 casos (64,3%)
foi identificado o Distrito Federal (DF) como endereço, sendo outros estados responsáveis
por 15 casos (35,7%). Destes, Goiás e Minas Gerais corresponderam a 86,6%, enquanto
Mato Grosso e Tocantins, 13,4%. A capital do país é cercada por vários municípios
goianos e mineiros, compondo a RIDE (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito
Federal e Entorno). Essas cidades apresentaram um crescimento demográfico elevado
nos últimos anos, sem crescimento proporcional da estrutura hospitalar. Considerando
ser o HRAN o centro de tratamento especializado em queimados público mais próximo,
era esperado elevado número de pacientes desses estados.
Em relação às regiões administrativas (RA) do DF, onde foram observados mais casos,
Ceilândia apresentou 7 (16,6%), seguida por Santa Maria com 4 (9,5%). Taguatinga,
Samambaia e Brazlândia foram responsáveis por 2 casos cada uma. Os demais casos distribuíram-se
unitariamente em outras RAs. Entre os anos de 2012 e 2013, Ceilândia foi a região
administrativa mais populosa do Distrito Federal e com maior número de registros de
atos violentos contra a mulher13. Esse dado isolado não permite concluir que a violência praticada contra as mulheres
tenha como reflexo direto o aumento dos casos de suicídio. No entanto, permite inferir
a relação entre as duas situações.
A exposição frequente a situações violentas pode resultar na naturalização desses
eventos. É muito comum os maiores índices de violência doméstica estarem atrelados
a maiores índices globais de violência14. Condições socioeconômicas precárias, relações interpessoais abusivas e violentas,
uso de drogas e de álcool e aspectos culturais relacionados à posição da mulher dentro
da família estão entre os fatores que resultam em ambientes domésticos instáveis e
desequilibrados, onde os eventos violentos, principalmente contra mulheres e crianças,
são menosprezados e a distinção entre eventos acidentais e intencionais (inclusive
os autoinfligidos) torna-se difícil, principalmente por insuficiência de informações
prestadas aos serviços de saúde e de segurança pública15,16.
No que diz respeito aos agentes etiológicos, a queimadura térmica foi a mais frequente.
Houve predominância dos líquidos inflamáveis associados ao fogo, correspondendo a
38 casos (90,5%), corroborando os achados na literatura17,18. Dentro da categoria "líquidos inflamáveis", houve destaque para o álcool, como observado
em outros estudos8,19. Em contraste com as queimaduras acidentais, as escaldaduras (queimaduras por derramamento
de líquidos não inflamáveis aquecidos) mostraram-se pouco frequentes20, bem como as queimaduras químicas, representadas neste estudo pela soda cáustica.
Em relação a extensão da queimadura, a média da superfície corporal queimada (SCQ)
foi de 34,38%, variando entre 2 e 95%. Separando em 2 grupos, as pacientes que tiveram
alta hospitalar e as que faleceram, os números passam a ser, respectivamente, 20,4
± 13 e 59,53 ± 24,7. A associação entre queimaduras de espessuras parciais profundas
e totais foi a mais prevalente, ocorrendo em 59,5% dos casos. Quando considerada a
gravidade do quadro à admissão ou no momento do óbito, relacionando superfície corporal
queimada e profundidade das lesões21, houve o predomínio da grande queimada, com 24 pacientes (57,6%), corroborando estudos
nacionais19. Esses números refletem a proporcionalidade direta entre SCQ e gravidade clínica.
Quanto maior a SCQ, maiores são a perda da barreira cutânea e o desequilíbrio da homeostase,
predispondo a aumento de complicações infecciosas, distúrbios hidroeletrolíticos e
alterações de perfusão teciduais22.
Em relação ao segmento corporal atingido, houve o predomínio da metade superior do
corpo. Foram observadas queimaduras na cabeça em 38 mulheres (90,4%), no tronco em
39 (92,8%) e nos membros superiores em 35 (83,3%). Os membros inferiores foram atingidos
em 26 mulheres (61,9%). Os dados confirmam as informações disponíveis na literatura23-25. Esse fato pode dever-se à dinâmica do evento intencional, onde tende-se a iniciar
o derramamento do líquido, principalmente os inflamáveis, pela região cefálica e por
ação gravitacional os membros superiores e o tronco também são atingidos. O período
médio de internação foi de 22,5 dias, variando entre 1 e 92 dias. Separando em dois
grupos, as pacientes que receberam alta hospitalar e as que faleceram, a média de
dias de internação passa a ser, respectivamente, 28,3 ± 23,2 e 12,7 ± 10,5. Essa diferença
é observada em outros trabalhos26.
A incidência de tentativa de autoextermínio por fogo está entre as mais dramáticas
de todas as formas de suicídio, sendo o sofrimento psíquico motivação importante para
a autoimolação. Foi identificado, a partir de relatos da própria paciente, de familiar
ou por avaliação psiquiátrica durante a internação, histórico de doenças psiquiátrica
em 29 mulheres (69%). História de tentativa prévia de suicídio também foi relatada
pela paciente ou por familiar em 9 casos (21,4%). A associação de tentativa de suicídio
e doenças psiquiátricas é amplamente discutida na literatura científica8,10-12, bem como o histórico de tentativas prévias como fator de risco para uma nova tentativa3,4,24.
As complicações infecciosas foram as mais prevalentes no grupo analisado neste trabalho.
Vinte e oito mulheres apresentaram complicações infecciosas, sendo que dessas, 21
foram diagnosticadas com infecção de ferida e 6 com pneumonia. Treze pacientes evoluíram
para sepse.
Das 42 mulheres incluídas neste estudo, quinze faleceram, o que corresponde a uma
taxa de mortalidade de 35%. Esse dado é compatível com outros trabalhos científicos11,19. Desses óbitos, quatorze ocorreram em ambiente hospitalar e um no local onde foi
praticado o suicídio. Todos os óbitos foram necropsiados no IML (Tabela 4).
Tabela 4 - Mulheres vítimas de suicídio no período de julho de 2010 a junho de 2015, em Brasília
(DF).
|
Idade |
SCQ |
Grau |
Dias de internação |
Evolução |
Causa da morte (necropsia) |
1 |
47 |
72 |
3º |
1 |
QVA |
Falência múltipla de órgãos |
2 |
53 |
83 |
2º e 3º |
1 |
QVA |
Grande queimado |
3 |
36 |
35 |
2º e 3º |
31 |
QVA, IF, PNM, sepse |
Queimaduras múltiplas |
4 |
43 |
60 |
2º e 3º |
12 |
QVA, IF, IRA, sepse |
Sepse |
5 |
30 |
70 |
2º e 3º |
14 |
Sepse |
Sepse |
6 |
55 |
85 |
2º e 3º |
12 |
QVA, IRA, sepse |
Sepse |
7 |
45 |
40 |
2º e 3º |
8*+24 |
PNM, IRA, sepse |
Sepse |
8 |
19 |
24 |
2º |
16 |
IF, insuf. resp. |
PNM |
9 |
41 |
16 |
2º e 3º |
12 |
IRA, insuf. resp. |
Complicações de queimaduras |
10 |
36 |
30 |
2º e 3º |
21 |
IF, sepse |
Sepse |
11 |
70 |
50 |
2º e 3º |
23** |
QVA, PNM, IRA, sepse |
Sepse |
12 |
48 |
93 |
2º e 3º |
2 |
Insuf. resp. |
Sepse |
13 |
47 |
70 |
2º e 3º |
0*** |
QVA |
Edema pulmonar |
14 |
41 |
95 |
2º e 3º |
1** |
Desidratação |
Grande queimado |
15 |
31 |
70 |
2º e 3º |
3 |
Edema pulmonar |
Hipovolemia |
Tabela 4 - Mulheres vítimas de suicídio no período de julho de 2010 a junho de 2015, em Brasília
(DF).
É notório que o aumento da superfície corporal queimada e da profundidade das lesões
e a associação com queimaduras de vias aéreas apresenta relação diretamente proporcional
ao aumento da mortalidade12. A presença de queimadura inalatória diminui a proteção das vias aéreas contra infecções,
predispondo a paciente a complicações pulmonares como insuficiência respiratória e
pneumonia27, piorando o prognóstico. Neste estudo, das mulheres que faleceram, 13 delas foram
consideradas grande queimadas (86%) e 7 (46,6%) apresentaram associação com queimaduras
inalatórias diagnosticadas durante a internação ou ao exame necroscópico, corroborando
a literatura atual.
As principais causas de óbitos identificadas em pacientes queimados são as complicações
infecciosas, notadamente a sepse, e a falência múltipla de órgãos28. Na literatura científica atual a sepse é citada como a principal causa de morte
após 24 horas da queimadura, sendo mais importante após 2 semanas29. Os principais gatilhos para a morte por sepse ou choque séptico no paciente queimado
são as infecções de ferida e as pneumonias29. Neste estudo, foram relatados nos exames post-mortem os diagnósticos de sepse em 7 exames, pneumonia em 1 e falência múltipla de órgãos
em 1.
Pode-se observar algumas limitações da pesquisa. A escolha do período a ser estudado,
por conveniência, limita a comparação entre os anos. Por tratar-se de uma análise
retrospectiva de dados em documentos médicos e policiais, pode ter ocorrido o registro
inadequado de algum dado. Os documentos são preenchidos com as informações disponíveis
em determinado momento, sendo ou não complementados de acordo com a evolução hospitalar
ou da investigação policial.
Além disso, pode não haver por parte do profissional responsável pelo atendimento,
seja na Saúde ou Segurança Pública, a suspeição do caso como sendo de violência autoinfligida.
Em relação a incompletude dos dados, nada é mais relevante que a subnotificação dos
casos como autolesão. A ausência de relato objetivo de suicídio, tentado ou consumado,
tanto nos documentos médicos quanto nos policiais, excluiu essa mulher do estudo,
restringindo a amostra estudada.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos neste trabalho corroboram a literatura disponível sobre o assunto.
A grande maioria das mulheres que tentam o suicídio por queimaduras tem entre 15 e
44 anos de idade. São mulheres jovens, cujas vidas pessoais e de trabalho são permanentemente
comprometidas devido às sequelas funcionais, estéticas e psicológicas que restam após
a tentativa de suicídio por queimaduras.
Ainda é grande o número de mulheres que usam o álcool como combustível nas tentativas
de autoextermínio por agentes térmicos. Apesar de todas as campanhas de conscientização
e até da proibição da venda indiscriminada de álcool líquido, podemos observar que
ainda é um item disponível e de fácil aquisição8,12.
Os antecedentes de doenças psiquiátricas e de tentativas de autoextermínio prévias
foram bastante presentes. Com isso, levanta-se a bandeira de que os principais fatores
de risco para o suicídio podem ser prevenidos desde que suspeitados, identificados
e tratados.
As queimaduras intencionais são mais graves que as acidentais8. As mulheres vítimas de tentativas de suicídio por queimaduras apresentam lesões
mais profundas, maior associação com lesões inalatórias, maior período de internação
hospitalar e maior mortalidade30. O tratamento dessas mulheres representa grande custo financeiro para o sistema de
saúde e um custo emocional e psicológico ainda maior para as vítimas e suas famílias.
Apesar do progresso envolvendo o manejo e tratamento dos pacientes queimados, a prevenção
continua sendo a melhor atitude. Com medidas importantes como o acolhimento adequado
das pacientes, suspeição dos casos como de violência autoinfligida e encaminhamento
para tratamento e acompanhamento pertinentes, muitos casos de suicídio podem ser evitados
e anos de vidas poupados.
Com este estudo, traçamos o perfil epidemiológico das mulheres que tentam o autoextermínio
com queimaduras, com o intuito de informar sobre esse importante e tão pouco explorado
tema. Além disso, ressaltamos as implicações e o impacto dessas ocorrências no sistema
de saúde e chamamos atenção para um problema recorrente quando trabalhamos com base
de dados secundários: a incompletude de informações.
COLABORAÇÕES
MS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados,Conceitualização,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia,
Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação
- Revisão e Edição, Visualização
|
MLCO
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,Aquisição
de financiamento, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento de
Recursos,Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Revisão e Edição, Supervisão,
Validação, Visualização
|
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1. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Hospital Regional da Asa Norte,
Brasília, DF, Brasil.
2. Universidade Católica de Brasília, Programa de Mestrado em Gerontologia, Brasília,
DF, Brasil.
3. Escola Superior em Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciências para a Saúde, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Marcia Schelb Quadra 1, 3º andar, Asa Norte, Brasília, DF, Brasil. CEP: 70710-100. E-mail: marciaschelb@hotmail.com
Artigo submetido: 14/11/2018.
Artigo aceito: 22/6/2019.
Conflitos de interesse: não há.