INTRODUÇÃO
A abdominoplastia é um dos procedimentos cirúrgicos mais populares, pois a região
abdominal é uma importante unidade estética funcional que define o contorno corporal.
Em nossa experiência, observamos alguns pacientes com abaulamento abdominal proeminente
de difícil tratamento, apresentando resultados insatisfatórios ou com recidiva aos
tratamentos convencionais1,2.
Esse abaulamento que é a principal queixa na maioria dos pacientes que procuram a
abdominoplastia, é na maioria dos casos devido à diástase do reto e que também pode
estar associado a uma flacidez músculo aponeurótica, ou uma incompetência fisiológica
que pode ter fatores predisponentes e agravantes como: idade, multiparidade, perda
de peso significativa em obesos, cesariana.
A parede abdominal anterior tem maior ou menor competência, dependendo do equilíbrio
entre a pressão intra-abdominal, os movimentos das vísceras e do diafragma, as tensões
musculares e aponeuróticas, determinando a presença de protuberâncias abdominais3,4.
Acreditamos que as protuberâncias se devam à diástase dos retos e à flacidez músculo
aponeurótica da parede abdominal. Assim, consideramos a fáscia transversalis e o músculo
transverso, como os mais importantes detentores do abdome (Figura 1). Iniciamos nosso estudo em 1993, propondo o tratamento através do reforço dessas
estruturas com tela de polipropileno1,5,6.
Figura 1 - Vista frontal da distribuição muscular e da linha arqueada. Se apresenta inferiormente
à linha arqueada, as aponeuroses do musculo obliquo interno e transverso do abdome
as quais se fundem e passam superficialmente ao mm. Rectus Abdominis.
Figura 1 - Vista frontal da distribuição muscular e da linha arqueada. Se apresenta inferiormente
à linha arqueada, as aponeuroses do musculo obliquo interno e transverso do abdome
as quais se fundem e passam superficialmente ao mm. Rectus Abdominis.
MÉTODOS
Em 32 anos de prática profissional, foram tratados 925 pacientes submetidos à cirurgia
de contorno corporal, nesse período observamos pacientes com abdome proeminente, apresentando
resultados insatisfatórios ou com recorrências.
Foram tratados 15 pacientes (Tabela 1), 7 com abdominoplastia primária e 8 com abdominoplastia secundária, os quais mesmo
após a abdominoplastia ainda apresentava abaulamento abdominal e, portanto, insatisfação
com o resultado1,5.
Tabela 1 - Pacientes com tratamento de malha de polipropileno.
|
Paciente |
Idade |
Procedimento Primário |
Procedimento Secundário |
Complicações |
Resultados ¥ |
1 |
C.S.M.A.T. |
52 |
Abdominoplastia + plicatura de retos + retalho de oblíquo externo + lipoaspiração |
Após 2 anos: Abdominoplastia com tela de polipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
2 |
M.E.B.P." |
42 |
Abdominoplastia + plicatura de retos + retalho de oblíquo externo + lipoaspiração |
Após 14 anos: Abdominoplastia com tela de polipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
3 |
M.G.E. |
41 |
Miniabdominoplastia + plicatura de retos + retalho de oblíquo externo + lipoaspiração |
Após 6 anos: Abdominoplastia com tela de polipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
4 |
R.C.M.A. |
40 |
Miniabdominoplastia + plicatura de retos + retalho de oblíquo externo + lipoaspiração |
Após 1 ano: Abdominoplastia com tela de polipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
5 |
T.M.A.B. |
52 |
Abdominoplastia + plicatura de retos + retalho de oblíquo externo + lipoaspiração |
Após 15 anos: Abdominoplastia com tela de polipropileno |
Dor crônica |
Satisfatório |
6 |
T.J. |
70 |
Abdominoplastia + tela de polipropileno+ lipoaspiração |
- |
Dor crônica |
Satisfatório |
7 |
C.X.* |
34 |
Abdominoplastia em Fleur de Lis + tela de polipropileno+ plicatura de retos + lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
8 |
A.M.N. |
55 |
Abdominoplastia + tela de polipropileno + lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
9 |
L.E.M.C.B. |
51 |
Abdominoplastia + tela de polipropileno + plicatura de retos + lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
10 |
A.I. |
46 |
Abdominoplastia + tela de polipropileno + plicatura de retos + lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
11 |
O.A.P.* |
40 |
Abdominoplastia em ancora + tela de polipropileno + plicatura de retos + lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
12 |
R.F.S. |
31 |
Abdominoplastia + tela de polipropileno + plicatura de retos + retalho de oblíquo
externo + lipoaspiração
|
- |
Fístula umbilical |
Satisfatório |
13 |
R.S.C. |
25 |
Miniabdominoplastia + plicatura de retos + lipoaspiração |
Após 3 anos: Miniabdominoplastia + tela de polipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
14 |
E.C.G. |
30 |
Abdominoplastia vertical + tela de polipropileno+ lipoaspiração |
- |
Nenhum |
Satisfatório |
15 |
V.C.H.R. |
53 |
Abdominoplastia + plicatura de retos abdominais + lipoaspiraçao |
Após 20 anos, Abdominoplastia com tela de poplipropileno |
Nenhum |
Satisfatório |
Tabela 1 - Pacientes com tratamento de malha de polipropileno.
Esses pacientes foram submetidos à abdominoplastia, realizando-se uma incisão supra
púbica, descrevendo uma linha curva de concavidade superior de acordo com a cicatriz
preexistente. Em seguida, procedeu-se à dissecção do retalho subcutâneo, ao processo
xifoide e incisão da Linha Alba, para dissecção do músculo reto abdominal da camada
aponeurótica posterior e da fáscia transversal, atingindo a borda externa do reto
abdominal em ambos os lados (Figura 2). Aplicamos a tela de polipropileno em contato direto com a lâmina aponeurótica profunda
e a fáscia transversal, fixando-a na direção cranial até o processo xifóide e caudalmente
no púbis na origem do músculo piramidal, lateralmente ao complexo muscular aponeurótico
do oblíquo e músculos transversos (Figuras 3A, 3B e 3C). A tela foi suturada com Prolene 0, com pontos em U, distendida sobre a fáscia transversal
e a bainha posterior do músculo reto abdominal, ressecando seu excesso6,7. Posteriormente, continuamos com a sutura do músculo reto abdominal (Figuras 4A, 4B e 4C). Deixamos drenagem por sucção sob o retalho dermogorduroso e fechamos em três planos.
Figura 2 - Posição da tela de polipropileno no plano submuscular. A: A imagem mostra a posição
submuscular da tela de polipropileno fixada anteriormente à fascia transversalis,
com pontos em U e plicatura dos mm. Rectus Abdominis; B: A aproximação e reposicionamento
dos conteúdos intra-abdominais e vetores de tração também são observados.
Figura 2 - Posição da tela de polipropileno no plano submuscular. A: A imagem mostra a posição
submuscular da tela de polipropileno fixada anteriormente à fascia transversalis,
com pontos em U e plicatura dos mm. Rectus Abdominis; B: A aproximação e reposicionamento
dos conteúdos intra-abdominais e vetores de tração também são observados.
Figura 3A - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. A e B: Paciente no pré-operatório apresentando abaulamento abdominal.
Figura 3A - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. A e B: Paciente no pré-operatório apresentando abaulamento abdominal.
Figura 3B - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. C e D: Pós-operatório de 3
anos de abdominoplastia, com queixa de abaulamento abdominal recorrente no baixo ventre.
Figura 3B - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. C e D: Pós-operatório de 3
anos de abdominoplastia, com queixa de abaulamento abdominal recorrente no baixo ventre.
Figura 3C - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. E e F: Pós-operatório de 5
anos de abdominoplastia secundária com tela de polipropileno, podemos observar a melhora
do abaulamento infra-umbilical após a colocação da tela.
Figura 3C - Paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. E e F: Pós-operatório de 5
anos de abdominoplastia secundária com tela de polipropileno, podemos observar a melhora
do abaulamento infra-umbilical após a colocação da tela.
Figura 4A - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. A e B: Paciente com
abdominoplastia insatisfatória, feita por outro cirurgião, com abaulamento inferior
e supraumbilical.
Figura 4A - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. A e B: Paciente com
abdominoplastia insatisfatória, feita por outro cirurgião, com abaulamento inferior
e supraumbilical.
Figura 4B - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. C e D: Pós-operatório
de abdominoplastia secundária após 14 anos observando aumento da cicatriz umbilical
e abaulamento do abdome supraumbilical.
Figura 4B - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. C e D: Pós-operatório
de abdominoplastia secundária após 14 anos observando aumento da cicatriz umbilical
e abaulamento do abdome supraumbilical.
Figura 4C - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. E e F: Pós-operatório
de abdominoplastia com tela de polipropileno após 1 ano mostrando melhora da cicatriz
umbilical, observamos melhora da parede abdominal com discreta concavidade.
Figura 4C - Outro paciente submetido a reforço com tela de polipropileno. E e F: Pós-operatório
de abdominoplastia com tela de polipropileno após 1 ano mostrando melhora da cicatriz
umbilical, observamos melhora da parede abdominal com discreta concavidade.
Todos os pacientes foram acompanhados nos primeiros 5 anos de pós-operatório com exames
de ultrassom anuais da parede abdominal.
RESULTADOS
Durante nossa observação, os resultados estéticos e a integridade da parede abdominal
foram mantidos a longo prazo e sem recidiva.
Por exemplo, apresentamos um caso representativo, paciente de 42 anos, previamente
submetida à abdominoplastia por outro cirurgião com resultados insatisfatórios após
avaliação, foi realizada uma abdominoplastia secundária com plicatura do músculo reto
abdominal e retalho da aponeurose do obliquo externo8, observando melhoria, mas persistiu uma leve projeção abdominal superior. Ela retornou
14 anos depois reclamando do aumento da projeção abdominal superior. Nós indicamos
a abdominoplastia com reforço da parede abdominal e tela de polipropileno, corrigindo
totalmente a projeção abdominal, que se mantém mesmo em posição sentada.
Em todos os nossos casos, tivemos três complicações, dois pacientes apresentaram dor
crônica intermitente localizada (laparodinias) melhorando com anti-inflamatórios convencionais
e tratado com infiltrações de corticosteroides. Outra complicação apresentada foi
fístula umbilical precoce de resolução rápida espontânea, independente da proposta.
As avaliações de satisfação foram obtidas usando Body-QoL®, que é uma ferramenta estruturada
em 5 domínios com 20 questões no total. As perguntas são declarações do tipo Likert
em que o paciente deve expressar seu grau de concordância com a afirmação declarada9. Aplicamos este instrumento aos pacientes no período pós-operatório de 6 meses e
5 anos, considerando os questionários finais aplicados como resultado final.
DISCUSSÃO
Conclui-se que não pode ser indicado como tratamento de primeira linha, pois muitos
dos pacientes que apresentaram flacidez abdominal músculo aponeurótica obtiveram resultados
satisfatórios com o tratamento convencional e, portanto, não foi necessário o reforço
com tela de polipropileno. É necessário fazer uma boa avaliação dos fatores recorrentes,
pois este tratamento é uma intervenção agressiva que só indicamos para alguns casos
específicos.
Consideramos que o cirurgião deve conhecer e levar em conta o mio-dinamismo e a importância
das camadas musculares na manifestação das protuberâncias abdominais, sendo o elemento
mais importante o músculo abdominal transverso10. Sabemos que o músculo oblíquo externo determina uma tração lateral para cima e o
oblíquo interno descendente age como duas forças antagônicas iguais, essas forças
atuam de maneira harmônica. Por outro lado, sabemos também que a posição longitudinal
do músculo reto abdominal ajuda a abordagem do tórax como antagonista dos músculos
espinhais3,4,10. Da mesma forma, o músculo transverso permite contrair e expandir a parede abdominal,
mantendo as vísceras na posição correta, trazendo os músculos anterolaterais contra
a poderosa coluna4. Essas forças de tração fazem da linha Alba um ponto de suporte neutro. Permitindo
que o conteúdo intra-abdominal esteja em perfeito equilíbrio, beneficiando uma função
normal no diafragma superior, o que facilita a ventilação pulmonar e a dinâmica do
complexo mesentérico. A ruptura desse equilíbrio pode levar a consequências como diástase
dos retos, aumento real do continente abdominal, alteração no centro de gravidade,
alteração da coluna lombar, lombalgia, queda de cúpulas diafragmáticas com diminuição
da ventilação pulmonar e alterações digestivas decorrentes de luxações viscerais4. Baseamos nossa proposta na dinâmica abdominal, reforçando a parede muscular aponeurótica
e, portanto, restaurando o equilíbrio abdominal.
Em nossa proposta, a tela é colocada acima da fáscia transversal e posterior ao reto
abdominal, evitando a sensação de corpo estranho e proporcionando proteção adicional
e diminuindo a possibilidade de infecção11.
CONCLUSÃO
Uma das desvantagens que encontramos ao longo de nossa experiência são os episódios
de dor localizada intermitente (laparodinias). Devemos entender que a dor é uma complicação
subjetiva e a melhora com o tratamento anti-inflamatório tem que ser levada em conta,
além de refletir se é correto fazer uso da tela de polipropileno. Provavelmente, novos
materiais como ADM e ULTRAPRO poderão ser incorporados na evolução de técnica, pois
oferecem mais segurança devido ao menor número de reações relatadas em outros procedimentos11.
COLABORAÇÕES
AMLC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho
do estudo, Realização das operações e/ou experimentos, Supervisão.
|
JFJS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção
e desenho do estudo, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição.
|
KSCM
|
Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
REFERÊNCIAS
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Cir Plást Iberolatinoam. 1998;24(1):9-15.
2. Caldeira AML, Robles MBM. Chapter 30 – Challenges in Abdominoplasty, In: Avelar J,
editor. New Concepts on Abdominoplasty and Further Applications. Switzerland: Springer
Internacional Publishing. 2016. p.481-495. DOI: 10.1007/978-3-319-27851-3_30
3. Testut L, Jacob O. Traité d’Anatomie Topographique. Avec Applications Médico-Chirurgicales.
Paris: Gaston Doin; 1909.
4. Alcino LS, Pimenta LG. Técnica da Transposição Peritoneoaponeurótica Longitudinal
Bilateral. In: Alcino LS, Luiz GP, editores. Hérnia Incisional. São Paulo: MEDSI;
2004.
5. Caldeira AML, Niéves PA, Oliveira AL. Cirurgia do Contorno Corporal – Reflexões sobre
um novo enfoque da cirurgia plástica do abdome. I – Classificações das deformidades
abdominais e suas correlações cirúrgicas. Rev Bras Cir. 1990; 80(2):95-104.
6. Usher FC, Ochsner J, Tuttle LL. Use of marlex mesh in the repair of incisional hernias.
Am Surg. 1958 Dec;24(12):969-74.
7. Caldeira AML, Niéves PA, Oliveira AL. Cirurgia do Contorno Corporal – Reflexões sobre
um novo enfoque da cirurgia plástica do abdome – II Parte. Rev Bras Cir. 1990;80(3):169-186.
8. Psillakis JM. Abdominoplasty: Some ideas to improve results. Aesth Plast Surg. 1978
Dec;2(1):205-215. DOI: 10.1007/bjs.1800590134
9. Anson BJ, McVay CB. Surgical Anatomy. 6th ed. Philadelphia: WB Sauders; 1984.
10. Danilla S, Dominguez C, Cuevas P, et al. The Body-QoL®: measuring patient reported
outcomes in body contouring surgery patients. Aesth Plast Surg. 2014 Jun;38(3):575-583.
DOI: 10.1007/ s00266-014-0302-x DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-014-0302-x
11. Caldeira AML, Carrión K, Jaulis J. Repair of the Severe Muscle Aponeurotic Abdominal
Laxity with Alloplastic Mesh in Aesthetic Abdominoplasty. Aesth Plast Surg. 2018 Feb;42(4):1039-1049.
DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-018-1101-6 DOI: https://doi. org/10.1007/s00266-018-1101-6
1. Instituto Avançado de Cirurgia Plástica Alberto Caldeira, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Autor correspondente: Alberto Magno Lott Caldeira Rua Visconde de Pirajá, 414, Grupo 1012, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP
22410-002. E-mail: lottcaldeira@gmail.com
Artigo submetido: 24/1/2019.
Artigo aceito: 24/6/2019.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Instituto Avançado de Cirurgia Plástica, Hospital Casa Evangélico, Rio
de Janeiro, RJ, Brasil.