INTRODUÇÃO
O conceito de “imagem corporal” como um fenômeno psicológico foi inicialmente descrito
em 1935, pelo escritor alemão Schilder, como sendo a imagem que nós temos de nosso
corpo em nossa mente. O que pode explicar uma forma que o nosso corpo é apresentado
a nós mesmos1,2.
Alterações na imagem corporal podem ser encontradas tanto em distúrbios neurológicos
quanto psiquiátricos fazendo parte do DSM-V em doenças como: anorexia, depressão,
bulimia, entre outras3,4. Muitos autores reconhecem a pressão cultural e social das mídias modernas como mecanismo
de impulsão e imposição para a manutenção de um corpo tido como “ideal” (magro, esbelto
e sarado)5,6, afirmando que até mesmo a percepção da forma corporal pode ser distorcida, levando
a estados patológicos de anorexia ou bulimia7, como também tem grande influência no crescimento do número de cirurgias plásticas8. Insatisfação com a aparência do corpo é considerada particularmente mais frequente
em mulheres jovens. Porém, estudos mostram que homens estão cada vez mais excessivamente
preocupados com a imagem dos seus corpos9,10.
Existem diversos estudos utilizando casuísticas exclusivas de pessoas que estão insatisfeitas
com a sua imagem corporal, e este sentimento pode ser quantificado por meio de diferentes
questionários como, por exemplo, a “Body Investment Scale” (BSQ) ou a “Escala de Investimento Corporal” (EIC)7 e o “Body Shape Questionnaire” (BSQ)11,12. Com base nesta quantificação da imagem corporal, pode-se avaliar o interesse de
uma pessoa em realizar uma cirurgia plástica.
Em 2013, foi conduzida uma pesquisa acerca do número de cirurgias plásticas realizadas
em diversos países, que apontou o Brasil como o primeiro colocado no ranking mundial.
Este fato pode ser atribuído ao clima tropical do país, onde os corpos encontram-se
mais expostos. Pode-se ainda acrescentar como justificativa a facilidade de pagamento
desses procedimentos estéticos, a ascensão de algumas classes sociais e ao sucesso
de cirurgiões plásticos brasileiros internacionalmente11. Em relação a essa grande ascensão da cirurgia plástica como reparadora de contornos
corporais, de anormalidades estéticas ou para satisfação da beleza13, acredita-se que os questionários de imagem corporal podem auxiliar os cirurgiões
a entender as pretensões dos pacientes quanto a futuros procedimentos estéticos7.
OBJETIVO
Analisar as diferenças de avaliação corporal através dos questionários da EIC e do
BSQ. Quantificar a intenção de realizar algum procedimento estético através do QICPF.
Por meio da análise estatística do RR as informações dos três questionários foram
cruzadas, com o intuito de objetivar os resultados de imagem corporal com a intenção
em realizar cirurgias plásticas.
MÉTODOS
Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Humana, conforme definido na resolução
CNS 466/12, via online pela Plataforma Brasil com o número CAAE 59154416.0.0000.5511.
Foi distribuído Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participação em pesquisa
clínica.
A casuística foi formada por 64 alunos da Universidade Nove de Julho - UNINOVE, do
Campus Vergueiro. Como critérios de inclusão, todos foram voluntários dentro da faixa
etária de 18 a 40 anos, de ambos os sexos e de todas as etnias, que realizaram ou
não cirurgias plásticas prévias.
O Termo de Consentimento para Participação em Pesquisa Clínica (TCLE) foi apresentado
e assinado em duas vias pelos voluntários. O primeiro questionário foi o “Body Shape Questionnaire” (BSQ), validado e utilizado atualmente pela comunidade científica para a avaliação
da imagem corporal, é composto por 34 perguntas quanto à percepção corporal e quantificado
pela frequência de cada pergunta, sendo 1 nunca e 6 sempre, além de autoexplicativo
e realizado entre três e dez minutos.
O segundo questionário foi a “Escala de Investimento Corporal” (EIC), neste foram respondidas 24 perguntas quanto a preocupação e investimento
designado ao cuidado do corpo, de quantificação de intensidade variável para cada
pergunta de 1 a 6. Este teste também era autoexplicativo e pôde ser realizado entre
três a oito minutos.
No terceiro, o “Questionário de interesse em cirurgias plásticas futuras” (QICPF),
foi quantificado de 0 a 5 o interesse dos participantes em realizar uma cirurgia plástica
no futuro.
A análise estatística das variáveis estudadas foram calculadas por meio de medidas
de tendência central (média) e dispersão (valor mínimo e máximo, e desvio padrão)
por idade, sexo, IMC, BQS, EIC, QICPF. A análise qualitativa foi realizada por meio
do teste qui-quadrado para estudo do risco relativo de cada uma das hipóteses levantadas,
sendo o QICPF a variável comparativa.
RESULTADOS
Foram entrevistados 64 voluntários que apresentavam em média 20,9 anos de idade, sendo
o mais novo com 18 anos e o mais velho com 35 anos. A relação entre idade maior e
menor que 26 anos e QIRCP apresentou um RR de 4,35 com um valor de p=0,48. Dentre
esses, 13 eram do sexo masculino e 51 do sexo feminino. A relação entre o sexo feminino
e o QIRCP apresentou-se com um RR de 3,01 e p=0,01, evidenciando nessa população maior
anseio em realizar cirurgias plásticas (CP).
O peso médio foi de 60kg, entre 48kg e 75kg; e a altura média foi de 1,63m, entre
1,80m a 1,50m; O IMC médio foi de 22,62, sendo o maior 29,9 e o menor 19,1; a maior
parte dos voluntários era eutrófico (IMC de 18,5-24,5) com 79,5%; 2,2% estavam com
baixo peso (<18,5) e 18,8% apresentaram sobrepeso (>25-29,9). A relação entre IMC
maior e menor que 23 com QIRCP apresentou RR de 1,62, sugerindo que pacientes eutróficos
apresentam maior interesse em realizar CP (p=0,076).
O BSQ médio foi de 98,04 e a insatisfação corporal média aumenta à medida que o IMC
se eleva. Os entrevistados que obtiveram “BSQ alto” (>100) apresentaram RR de 2,41
e p=0,01 quando comparados ao grupo de “BSQ baixo”, esse resultado condiz que o primeiro
grupo possui maior interesse em realizar CP.
A média encontrada do EIC foi de 91 (moderada) e a variação foi baixa com mínimo de
70 e máximo de 108. Foi observado que o “EIC alto” não demonstrou relação com maior
ou menor interesse em CP, com RR de 0,94 e p=0,83.
A satisfação corporal média de zero à dez foi de 6,16. Pessoas que apresentaram maior
insatisfação corporal (<7) demonstraram ter um maior interesse em realizar CP, com
RR de 1,94 e p=0,003.
A presença de bullying nessa amostra foi de 32% dos entrevistados. Foi observado a
relação de maior IMC com o bullying como também maior insatisfação corporal. Contudo,
não houve relação entre presença ou ausência de bullying com o investimento corporal
e interesse em realizar CP.
A renda familiar média foi de 6.223 reais mensal, com uma média de 3,55 dependentes
dessa renda (Tabelas 1, 2 e 3 e gráfico 1).
Tabela 1 - Média de idade, peso, altura, IMC, BSQ, EIC e QIRCP.
Número de voluntários |
Idade |
Peso |
Altura |
IMC |
BSQ |
EIC |
Interesse em CP |
Satisfação |
50 |
20,9 (18 - 35)
|
60 ( 48-75)
|
1,63 (1,5 - 1,8)
|
> 18,5 |
66 |
93 |
6 |
7 |
18,6 - 24,9 |
92 (35 - 163) |
91,3 (70 - 104) |
8,1 (3 - 15) |
6,3 |
25 - 29,9 |
111,8 (56 - 167) |
86,5 (75 - 100) |
8 (3 - 8) |
5 |
Tabela 1 - Média de idade, peso, altura, IMC, BSQ, EIC e QIRCP.
Tabela 2 - Presença de bullying segundo IMC médio, satisfação corporal, BSQ, EIC e interesse
em CP
|
IMC Médio |
Satisfação corporal |
BSQ |
EIC |
Interesse em CP |
Presença de bullying |
24,4 |
5,4 |
110,3 |
90,3 |
7,5 |
Ausência de bullying |
21,2 |
6,5 |
97,5 |
90,2 |
7,7 |
Tabela 2 - Presença de bullying segundo IMC médio, satisfação corporal, BSQ, EIC e interesse
em CP
Tabela 3 - Fatores de risco para o interesse em realizar cirurgias plásticas futuras.
|
Alto QIRCPF (>4) |
Baixo QIRCPF (>4 ) |
Total Geral |
RR |
Mulheres |
28 |
23 |
51 |
3,01 |
Homens |
2 |
11 |
13 |
|
Mais que 26 anos |
2 |
1 |
3 |
4,35 |
Menos que 25 anos |
28 |
33 |
61 |
|
IMC menor que 23 |
19 |
14 |
33 |
1,62 |
IMC maior que 23 |
11 |
20 |
31 |
|
BSQ (maior que 100) |
19 |
9 |
28 |
2,41 |
BSQ (menor que 100) |
9 |
23 |
32 |
|
EIC (maior que 90) |
16 |
19 |
35 |
0,94 |
EIC (menor que 90) |
14 |
15 |
29 |
|
Insatisfação corporal (< 7) |
24 |
15 |
39 |
1,94 |
Satisfação corporal (>7) |
6 |
19 |
25 |
|
Tabela 3 - Fatores de risco para o interesse em realizar cirurgias plásticas futuras.
Gráfico 1 - Gráfico satisfação corporal vs insatisfação corporal.
Gráfico 1 - Gráfico satisfação corporal vs insatisfação corporal.
DISCUSSÃO
A avaliação e quantificação da satisfação corporal apresenta-se como fator importante
para a caracterização do bem-estar individual, visto que segundo a Organização Mundial
de Saúde (OMS), o bem-estar engloba a saúde mental, social e física.
Essa observação reafirma a importância de se compreender os questionários como o BSQ
e o EIC, e também avaliar sua aplicação para cada paciente, a relação deles com o
interesse em realizar futuras cirurgias plásticas e aumentar seu bem-estar físico.
Para progredir nessa avaliação nos valemos de dois questionários, o BSQ (visa quantificar
a autossatisfação corporal) e o EIC (que quantifica a preocupação quanto ao investimento
designado ao cuidado do corpo). Tanto o BSQ como o EIC são validados pela literatura
internacional e foram criteriosamente adequados a realidade brasileira, através de
revisões bibliográficas1,7 e tradução por grupos especializados que garantiram a validade semântica.
O questionário de interesse em realizar futuras cirurgias plásticas foi elaborado
pelos autores deste trabalho com o intuito de relacionar os outros 2 questionários
já validados, BSQ e EIC, com o objetivo de obter informações sobre o desejo de realizar
procedimentos estéticos e relacioná-los com os fatores de risco apresentados na Tabela 3.
No vigente estudo encontrou-se um BSQ médio de 98,04, onde foi encontrado relevância
estatística quando comparado os valores encontrados. O BSQ foi similar aos achados
da literatura do estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
em 2009, com BSQ médio de 97¹.
Quanto ao interesse em submeter-se a procedimentos estéticos foi encontrado predominância
no gênero feminino em relação ao masculino. Tal achado entra em concomitância ao resultado
de Kakeshita et al., em 2006, onde homens apresentavam menor preocupação em relação
ao seu estado físico.
Para Conti et al., nesta população específica, o BSQ é considerado “Gold Standard” para avaliação da insatisfação corporal. Madrigal et al., em 2000, apontam boa documentação
na literatura das relações entre o peso corporal e percepção da imagem corporal16, o que pode ser reforçado pelo presente estudo.
A presença de bullying nessa amostra foi de 32% dos entrevistados. Moura et al., em
201114, estudou bullying em 1075 alunos da primeira a oitava série e a prevalência foi de
17,5%. Observou-se a relação de maior IMC com o bullying, como também maior insatisfação
corporal (Tabela 2). Souza et al., em 201215, observou que 70% das vítimas de bullying apresentavam insatisfação com a imagem
corporal.
Segundo os achados do vigente trabalho, foi possível quantificar a percepção corporal
da amostra estudada e como isso apresenta uma relação diretamente proporcional com
o intuito de realizar procedimentos estéticos.
CONCLUSÃO
A análise estatística referente aos três questionários aplicados demostrou adequação
dos métodos utilizados para o estudo da percepção da imagem corporal. Além disso,
sua utilidade ao evidenciar os fatores de risco para um maior interesse em realizar
futuras cirurgias plásticas. O avanço do conhecimento nesta área contribui para a
compreensão do perfil físico e psicológico da população interessada em realizar procedimentos
estéticos.
COLABORAÇÕES
JVPN
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito,
Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento de
Recursos, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Validação, Visualização
|
JVSM
|
Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição
|
VVS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Coleta de Dados, Investigação,
Software
|
GDM
|
Redação - Revisão e Edição
|
ESN
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização
|
REFERÊNCIAS
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1. Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: João Vitor Pithon Napoli Rua Vergueiro, 235/249, Espírito Santo do Pinhal, SP, Brasil. CEP: 13990-000. E-mail:
joaovitorpithon@gmail.com
Artigo submetido: 07/01/2019.
Artigo aceito: 22/01/2019.
Conflitos de interesse: não há.