INTRODUÇÃO
A dermolipectomia abdominal, também chamada de abdominoplastia, vem sendo realizada
há décadas e, com o passar do tempo, foi evoluindo até chegar às técnicas mais elaboradas
de uso atual.
Do ponto de vista cirúrgico, houve uma evolução considerável, tanto em relação à extensão
da cicatriz, quanto em relação ao descolamento do retalho dermogorduroso.
No final da década de setenta surgiu a abdominoplastia com incisão reduzida que, em
casos selecionados, proporcionava resultados bons. A limitação deste procedimento
foi que, quando há alterações na região supraumbilical, estas não são corrigidos adequadamente
e, quando a paciente senta evidencia-se esta limitação com sobra de pele, o que acarreta,
na maioria das vezes, uma insatisfação do paciente e do médico.
Na década de oitenta, a introdução da lipoaspiração associada à plástica abdominal
proporcionou uma nova fase de melhora dos resultados. Entretanto, os índices de complicações,
principalmente de seromas, são consideráveis1.
Em 1988, Baroudi et al. publicaram um trabalho descrevendo a utilização de pontos
de adesão entre o retalho dermoadiposo e a bainha anterior do músculo reto do abdome,
no intuito de diminuir o espaço morto e, consequentemente, formação de seroma, complicação
anteriormente ainda mais frequente devido ao extenso descolamento da abdominoplastia
clássica2. Em 1999, Avelar et al.3 descreveram a técnica de miniabdominoplastia sem descolamento do retalho na porção
abdominal inferior. Em 2001, Saldanha4 introduziu a técnica de lipoabdominoplastia com preservação de vasos perfurantes,
evidenciando uma redução significativa nas taxas de necrose do retalho, introduzindo
um novo rumo à plástica abdominal. A diminuição do descolamento dermogorduroso supraumbilical,
preservando a circulação sanguínea do retalho, associada à lipoaspiração, determinou
um novo conceito à lipoabdominoplastia3.
A abdominoplastia baseia-se no descolamento de extensão variável da camada fáscio-cutânea
do abdome, abrangendo a região xifopúbica, região dos flancos e arcos costais, com
posterior ressecção do excesso do panículo dermoadiposo e rebaixamento do retalho.
A tensão gerada pela aproximação do retalho à incisão inferior parece ser a responsável
pelo alargamento cicatricial, tendência de posicionamento mais cranial da cicatriz,
deiscência de sutura e necrose das porções mais inferiores do retalho4.
Desde o ano de 2005, a lipoabdominoplastia é a técnica de preferência para tratamento
das deformidades abdominais no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia
de Porto Alegre/Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Esta consiste
na realização de lipoaspiração de epigástrio e flancos, com descolamento reduzido
do retalho dermogorduroso. Durante a síntese, são realizados pontos de adesão de Baroudi,
objetivando redução do espaço morto e facilitação da descida do retalho associada
ao seu melhor posicionamento. O número de pontos realizados não segue padrão rígido
pré-estabelecido, mas são realizados conforme a necessidade de cada caso5.
Apesar da existência de diversos trabalhos científicos associando a utilização de
pontos de Baroudi à redução de seroma, existem poucos dados relacionando a utilização
de pontos de adesão de Baroudi à diminuição tensional da cicatriz e subsequente melhora
em seu aspecto.
Em vista disso, o presente estudo propõe-se a demonstrar uma provável correlação entre
os pontos de adesão de Baroudi com a força tensional do retalho, verificando o posicionamento,
a manutenção e qualidade cicatricial após abdominoplastia com o uso dos mesmos6.
OBJETIVO
O principal objetivo do presente estudo é quantificar a redução da tensão da cicatriz
após abdominoplastia com a utilização dos pontos de adesão de Baroudi.
Adicionalmente, comparar-se-á as medidas transoperatórias da distância do apêndice
xifoide esternal à cicatriz umbilical pré e pós-realização dos pontos de adesão de
Baroudi, correlacionando essas medidas com a qualidade cicatricial.
MÉTODOS
Critérios de inclusão
Pacientes do sexo feminino, entre 18 e 60 anos de idade, não tabagistas, com índice
de massa corporal (IMC) inferior a 28 kg/m2, submetidas a lipoabdominoplastia no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre no período de janeiro a abril de 2019.
Critérios de exclusão
Pacientes que não concordaram em participar do estudo.
Delineamento
Estudo prospectivo observacional.
Métodos
Todos os pacientes inclusos foram submetidos aos cuidados pré, trans e pós-operatórios
padronizados no serviço.
Aferiram-se as medidas transoperatórias da distância do apêndice xifoide esternal
à cicatriz umbilical, e da primeira à cicatriz cirúrgica, pré e pós-realização dos
pontos de adesão de Baroudi. A diferença entre essas duas aferições foram avaliadas
nos resultados.
A análise estatística prospectiva consecutiva dos dados foi realizada com o software
Excel®.
O presente estudo não é intervencionista. O procedimento cirúrgico de dermolipectomia
abdominal foi realizado em cada paciente conforme a indicação do caso e após aplicação
de Termo de Consentimento e Autorização da Cirurgia. A técnica cirúrgica foi a lipoabdominoplastia
e foram inclusos no estudo pacientes que preenchiam critérios para tal indicação.
Todas as normas divulgadas pela Agência Nacional de Saúde foram rigidamente seguidas.
Os pacientes e/ou responsáveis receberam orientações adequadas acerca dos procedimentos
realizados.
Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre/Universidade
Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre comprometeu-se a manter o sigilo em relação
a todos os dados constantes nos prontuários e foi garantida a não identificação dos
pacientes no desenrolar da pesquisa.
RESULTADOS
Foram inclusos 18 pacientes no estudo, sendo que as medidas transoperatórias de cada
um deles estão listadas na Tabela 1.
Tabela 1 - Medidas transoperatórias pré e pós realização dos pontos de adesão de Baroudi em centímetros
(cm).
Paciente |
Xifoide - Umbigo Pré |
Xifoide - Umbigo Pós |
Xifoide - Cicatriz Pré |
Xifoide - Cicatriz Pós |
1 |
10,0cm |
9,0 cm |
20,0 cm |
19,0 cm |
2 |
10,4cm |
8,9 cm |
20,4 cm |
18,9 cm |
3 |
11,8 cm |
9,8 cm |
21,8 cm |
19,8 cm |
4 |
10,4 cm |
8,4 cm |
20,4 cm |
18,4 cm |
5 |
12,2 cm |
10,7 cm |
22,2 cm |
20,7 cm |
6 |
10,8 cm |
9,8 cm |
20,8 cm |
19,8 cm |
7 |
12,6 cm |
11,6 cm |
22,6 cm |
21,6 cm |
8 |
11,2 cm |
9,7 cm |
21,2 cm |
19,7 cm |
9 |
13,0 cm |
11,0 cm |
23,0 cm |
21,0 cm |
10 |
11,6 cm |
9,6 cm |
21,6 cm |
19,6 cm |
11 |
13,2 cm |
11,7 cm |
23,2 cm |
21,7 cm |
12 |
11,4 cm |
10,4 cm |
21,4 cm |
20,4 cm |
13 |
12,8 cm |
11,8 cm |
22,8 cm |
21,8 cm |
14 |
11,0 cm |
9,5 cm |
21,0 cm |
19,5 cm |
15 |
12,4 cm |
10,4 cm |
22,4 cm |
20,4 cm |
16 |
10,6 cm |
8,6 cm |
20,6 cm |
18,6 cm |
17 |
12,0 cm |
10,5 cm |
22,0 cm |
20,5 cm |
18 |
10,2 cm |
9,2 cm |
20,2 cm |
19,2 cm |
Média |
11,5 cm |
10,0 cm |
21,5 cm |
20,0 cm |
Tabela 1 - Medidas transoperatórias pré e pós realização dos pontos de adesão de Baroudi em centímetros
(cm).
Comparativamente, verificou-se uma diminuição da medida pós realização dos pontos
de adesão de Baroudi tanto na distância apêndice xifoide-cicatriz umbilical quanto
na distância apêndice xifoide-cicatriz cirúrgica (Figuras 1, 2 e 3). Esses dados podem ser verificados nas Figuras 4 e 5.
Figura 1 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 1 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 2 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 2 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 3 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 3 - A-C Pré-operatório; D-F Pós-operatório de 12 meses
Figura 4 - Variação da medida apêndice xifoide-cicatriz umbilical.
Figura 4 - Variação da medida apêndice xifoide-cicatriz umbilical.
Figura 5 - Variação da medida apêndice xifoide-cicatriz cirúrgica.
Figura 5 - Variação da medida apêndice xifoide-cicatriz cirúrgica.
DISCUSSÃO
Na evolução da abdominoplastia, as complicações, sobretudo seroma e a necrose do retalho,
sempre estiveram presentes, variando conforme a casuística. Como principal causa relaciona-se
o grande deslocamento da cirurgia clássica, o qual seccionava vasos linfáticos e perfurantes.
Com o objetivo de minimizar tais complicações, foram propostas técnicas que reduzissem
as dissecções. Os pontos de adesão apresentados por Baroudi foram, sem dúvida, uma
solução simples e eficiente para um problema frequente e por vezes complexo.
Nas abdominoplastias, um método eficaz na eliminação do seroma e, consequentemente,
no uso de dreno de sucção, é o emprego da técnica de adesão dos retalhos descolados
descritos inicialmente por Baroudi e Ferreira7,8, com seus benefícios reiterados por Nahas et al., em 20079, Pollock et al., em 200010 e Roje et al., em 200611.
Com base nos resultados do nosso estudo, foi possível refutar a hipótese nula, ou
seja, a não ocorrência de uma diferença significativa das distâncias com e sem o uso
de pontos de adesão de Baroudi.
Verificou-se a diminuição das distâncias apêndice xifoide-cicatriz umbilical e apêndice
xifoide-cicatriz após a realização da sutura de Baroudi (média de 1,5cm), pressupondo-se
diminuição da tensão da cicatriz, bem como a redução da distância da cicatriz cirúrgica
ao apêndice xifoide às custas da diminuição da distância entre este e a cicatriz umbilical.
Há necessidade de seguimento destas pacientes para verificar a evolução da cicatriz
operatória.
CONCLUSÃO
As medidas aferidas no presente estudo mostraram uma diminuição da distância xifoide-cicatriz
umbilical e xifoide-cicatriz abdominal após a realização dos pontos de Baroudi no
retalho abdominal, evidenciando uma menor tensão na cicatriz após aplicação desses
pontos de adesão. Sugerem-se estudos para avaliar como essas medidas se comportam
no pós-operatório tardio, até a maturação da cicatriz, e se realmente se correlacionam
a uma cicatriz de melhor qualidade.
COLABORAÇÕES
TMS
|
Análise estatística, concepção e desenho do estudo.
|
CB
|
Análise estatística, concepção e desenho do estudo.
|
NS
|
Redação do manucristo ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
PBE
|
Redação do manucristo ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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plastic surgery survey. Plast Reconstr Surg. 2006 May;117(6):1797-1808. DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000209918.55752.f3
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6. Arantes HL, Rosique RG, Rosique MJ, Mélega JM. The use of quilting suture in abdominoplasty
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1. Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Autor correspondente: Thiago Melo de Souza Rua Professor Annes Dias, 135, Centro Histórico, Porto Alegre, RS, Brasil. CEP: 90040-001.
E-mail: thiagosouza.md@gmail.com
Artigo submetido: 19/07/2019.
Artigo aceito: 01/09/2019.
Conflitos de interesse: não há.