ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2002 - Volume17 - Issue 1

RESUMO

Os autores reportam o tratamento da disfunção da ATM em 656 pacientes consecutivos, com o simples repouso relativo das ATMs, em que obtiveram mais de 80% de cura imediata. Discorrem sobre a anatomofisiologia da ATM e principalmente sobre o mecanismo da dor.
Pesquisam na população quanto à ocorrência da disfunção da ATM, sem sintomatologia dolorosa, e apuram 35% de incidência que não necessitam qualquer tratamento. Os casos mais graves têm indicação cirúrgica (4%). Descrevem as etapas principais do tratamento cirúrgico e resultados finais.

Palavras-chave: Disfunção temporomandibular; dor miofacial; dor têmporo-mandibular; síndrome da articulação temporomandibular; disfunção craniomandibular miogênica; síndrome de Costen; síndrome dolorosa da articulação temporomandibular

ABSTRACT

The authors report the treatment of TMJ dysfunction in 656 consecutive patients, using simple relative TMJ rest, with immediate cures in more than 80% of the patients. The anatomophysiology of the TMJ and mainly the pain mechanism are discussed. The authors studied the occurrence of TMJ dysfunction without pain in the population and observed that treatment is not necessary in 35% ofthe cases. More severe cases require surgery (4%). The major steps of surgical treatment and final results are described.

Keywords: Temporomandibular dysfunction; myofacial pain; temporomandibular pain; temporomandibular joint syndrome; myogenic craniomandibular dysfunction; Costen syndrome; painful temporomandibular joint syndrome


INTRODUÇÃO

A dor, a crepitação, o bloqueio da articulação temporomandibular (ATM), a dor difusa da face e a dor de ouvido, tudo em maior ou menor grau afeta uma população imensa que varia de 3% a 20%(1,2,3), porém apenas uma minoria procura, primeiro, o dentista, e depois (e agora cada vez mais), o cirurgião bucomaxilofacial, para tratamento e alívio. O pouco conhecimento da fisiopatologia que envolve a ATM resulta na conseqüente dificuldade em orientar o tratamento desses pacientes.

Nos últimos 5 anos foram vistos 656 pacientes com dores da ATM. Todos tratados com a mesma orientação básica e a maioria acompanhados em sua evolução. Nesse meio tempo, foi feita uma pesquisa para conhecer a incidência na população geral de qualquer disfunção da ATM, que não tenha levado o paciente a procurar um especialista, e aqui apresentamos os resultados.


DEFINIÇÃO

Disfunção significa distúrbio parcial ou total, anormal, de um órgão funcionante. Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que ocorrem freqüentemente juntos na mesma afecção. As disfunções da articulação propriamente e da musculatura envolvida na articulação não deveriam ser agrupadas(4), entretanto é impossível separá-las. Portanto a disfunção da ATM é qualquer alteração da movimentação normal, com ou sem a presença da dor.

Os sinais e sintomas mais freqüentes são: a dor na face, localizada ou difusa, a dor de ouvido, dor à movimentação da articulação, crepitação, bloqueio e luxação. Somente os pacientes com dor procuram o especialista para tratamento, constituindo uma minoria, porquanto o índice de incidência na população geral é elevado.

Quem primeiro chamou a atenção para esta afecção foi Monson em 1920 e 1921(5, 6), entretanto a sua difusão foi realizada por Costen em 1934(7), que associou a dor de ouvido à compressão da Trompa de Eustáquio, em razão da sobremordida exagerada pela falta dos molares, fazendo o côndilo comprimir o nervo auriculotemporal que passa pela fossa retroarticular. Posteriormente, estudos anatômicos e clínicos revelaram algo diferente dos acreditados por Costen(8).

Anatomia Funcional da ATM

A ATM é parte de uma unidade funcional altamente especializada. Compõe o aparelho da mastigação, incluindo neste conjunto os dentes e suas estruturas, a mandíbula e sua musculatura, e, com muito menor influência, a deglutição e a fonação, que atuam na movimentação da ATM.

O côndilo mandibular (processo condilóide) é de forma semicilindróide, com 15 a 20 mm de comprimento, por 8 a 10 mm de largura, cujo maior eixo é em ângulo reto com o ângulo da mandíbula.

A fossa articular oposta ao côndilo (cavidade glenóide), situa-se na escama do temporal, anterior ao osso timpânico, e na parte mais anterior, denominada eminência ou tubérculo articular. Semelhante ao revestimento do capitulum mandibular, aqui o revestimento é fibroso. Entre as 2 superfícies articulares interpõe-se um disco oval, fibroso, avascular e de grande resistência à pressão. Fino na parte central, vai se espessando para a periferia de modo a ajustar ambas as partes convexas, do côndilo à eminência articular. O disco tem 1 mm de espessura na parte central, altamente resistente à pressão e de fácil deslizamento, dividindo a ATM em 2 compartimentos: o superior, amplo e deslizante, e o inferior, bem menor, que cobre apenas o capitulum do processo condilóide.

Todos os elementos acima estão envolvidos por uma cápsula fibrosa, forte em sua face externa e tênue em sua parte interna, e bastante frouxa para permitir os movimentos amplos da articulação (Figs. 1 e 2).


Fig. 1 - Representação esquemática da ATM. Note o músculo pterigóideo externo com 2 cabeças: uma para tracionar o disco e outra para o côndilo.


Fig. 2 - No movimento de translação (ântero-posterior), e com a boca aberta, o disco se interpõe entre o côndilo e a eminência articular. Na articulação em que há luxação-redução, o disco é traumatizado e pode causar a dor.



Inervação da ATM

No espaço ou fossa retromandibular, o nervo auriculotemporal é responsável pela sensibilidade da articulação. Outros ramos desviam-se para inervar o tímpano e a parede anterior do conduto auditivo externo. O estímulo intenso e contínuo de um nervo por meio de sinais no núcleo central, junto aos neurônios intimamente relacionados com o nervo estimulado, produz dor refletida. É um fenômeno central com um estímulo de origem periférica. Como exemplo, a dor intensa em um dente na mandíbula (zona do nervo dental inferior) pode levar à trigemialgia. Isto explica sob o ponto de vista da neurologia, dores na região do trigênio oriundas na ATM, e pode confundir o diagnóstico correto(9).

Há grande distinção entre os movimentos livres e os movimentos mastigatórios. No primeiro, a musculatura acha-se relaxada, enquanto na mastigação a potência da contração muscular imprime uma dinâmica diferente à ATM. Basicamente existem 3 movimentos:

1. Rotatório, em torno do eixo do côndilo, no sentido anteroposterior, como acontece com uma dobradiça.
2. Translatório, com o deslizamento da cabeça do côndilo e do disco sobre a cavidade glenóide da escama do temporal.
3. Torsão, quando os movimentos de ambos tornam-se assimétricos, com o desvio lateral do mesmo.

A combinação desses movimentos permite uma ampla e variada movimentação da mandíbula.

Mecanismo da crepitação

O estalo ou click da articulação ouvido pelo paciente, e às vezes pelo examinador, é uma crepitação articular pouco esclarecida. Surge e desaparece espontaneamente em 50% da população(10). Ele ocorre por uma descoordenação entre o côndilo e o disco durante o movimento de translação, no qual perdem por um momento a sua relação de alinhamento.

Em casos mais severos de bloqueio da ATM, o disco articular pode estar deslocado em direção anterior ou dobrado sobre si mesmo, como demonstram artrografias feitas com radiografias computadorizadas(11) ou na ressonância magnética dinâmica.

A presença do "estalo" na articulação sem acompanhamento de bloqueio ou de dor não tem o menor significado patológico, uma vez que não produz disfunção que justifique tratamento mais enérgico. É muito freqüente como o é na coluna cervical em seus movimentos.

Bloqueio

Bloqueio da ATM é o fenômeno que ocorre com o disco interarticular, que, por um motivo qualquer, não permite que o côndilo faça o movimento de translação (postero-anterior) suavemente. Clinicamente o bloqueio é traduzido pela interrupção parcial ou total do movimento mandibular. Como a mandíbula é um arco rígido, o bloqueio da ATM de um lado produz o desvio de mento para o lado homólogo, criando o movimento de rotação. No bloqueio total a boca abre até o limite do bloqueio.

Bruxismo

Durante o sono, com o paciente inconsciente, toda a musculatura do corpo se encontra relaxada, inclusive a da mastigação. O trincar e/ou ranger dos dentes durante o sono significa que os estímulos musculares partem do subconsciente.

Quando o paciente não o sabe por um observador acordado, os dentes incisivos gastos e a dor na ATM pela manhã podem esclarecer o diagnóstico. O bruxismo vem quase sempre acompanhado de forte dose de tensão, o que piora o quadro. Nem todo indivíduo que sofre de bruxismo tem dor.

Luxação - Redução Espontânea

Na abertura máxima da boca, o disco interarticular se interpõe entre o côndilo e a eminência articular (Fig. 2). Quando ultrapassa este limite, o côndilo fica luxado e o paciente fica de boca aberta, não conseguindo fechá-la. É preciso que se faça a redução manual ou cirurgia. Entretanto, em 35% da população geral, normal, ocorre a luxação com a redução espontânea, sem que se perceba. Dependendo da cápsula ser mais ou menos frouxa e de maior ou menor proeminência da eminência articular, o disco, nesta passagem, pode ou não ser traumatizado, resultando em dor.

Causas da Dor

Didaticamente podemos enumerar várias possibilidades de causas de dor na ATM, porém sempre associadas a algum fator local da própria articulação:

1. Na oclusão protusa da mandíbula comprimindo o processo articular e o bordo anterior do disco.

2. Na oclusão retrusa da mandíbula comprimindo o bordo posterior do disco e o espaço retromandibular por onde passa toda a inervação.

3. Na sobremordida exagerada em que as superfícies dos dentes estejam gastos, o côndilo comprime a parte mais alta da articulação. Este fenômeno ocorreria também no ato da mastigação forte e contínua. Define-se como sobremordida exagerada quando os dentes incisivos inferiores ficam ocultos sob os superiores em mais de 50% de sua altura.

4. Na abertura forçada da boca na qual o côndilo é projetado de modo a comprimir o disco contra a eminência articular, provocando distensão da cápsula e ligamentos. Acontece freqüentemente após a extração de dente molar ou ciso. O traumatismo contínuo ou intermitente leva ao edema dos tecidos da região com repercussão para o nervo auriculotemporal, produzindo dor referida nas regiões por ele inervada (orelha, conduto auditivo, tímpano, face) (Fig. 2).

5. Possivelmente sinovite com o edema e produção de líquido sinovial distendendo a cápsula articular e produzindo dor espontânea à movimentação.

6. O tônus da musculatura envolvida na movimentação da ATM sofre grande influência decorrente da tensão emocional. É conhecido o fato de portadores de disfunção da ATM participarem com forte dose de tensão em 75% dos casos(12). As contrações musculares motivadas por situações de stress, medo, ira, etc., assim como o bruxismo, o ranger dos dentes, são fatores predominantes no desencadeamento da dor.

7. Além das causas traumáticas, a ATM sofre os mesmos efeitos dos fenômenos reumáticos e da artrose, como acontece nas demais articulações.

Diagnóstico da Disfunção

A presença da dor na região da ATM em repouso ou durante a movimentação da boca é o sinal mais comum. A dor de ouvido pode ser o primeiro sintoma. Por vezes a dor difusa da face, sem localização precisa, ora na região temporal, ora na parotideana, ora nos dentes, confundindo o paciente, faz com que ele procure os mais diversos especialistas, sem sucesso de alívio (dor reflexa e dor referida). A história de mau relacionamento em casa ou no trabalho, de apreensões, de medo, está quase sempre presente. Com o indivíduo de boca fechada e o maxilar em repouso os dentes não se tocam, e a simples percepção de que os dentes estejam se tocando significa alguma forma de tensão existente.

A dor pode surgir de modo espontâneo e desconhecido, ou durante o sono comprimindo a face do lado da dor no travesseiro, ou após forte mastigação de alimentos. O estalo ou click pode ou não estar presente. A impossibilidade de abrir a boca amplamente pode estar sendo causada pela própria dor, ou por bloqueio da ATM, possivelmente em razão da patologia no disco interarticular, quer por perfuração, quer por calosidade, quer por movimento incorreto de translação em razão de espasmo do músculo pterigóideo externo.

Ao exame, existe dor à compressão digital sobre a articulação e/ou imediações. Ao abrir a boca, pode-se perceber ao tato a crepitação, quando existe. O desvio da boca para um dos lados significa bloqueio parcial ou total, do mesmo lado, que nem sempre é o lado da dor. O bloqueio força a articulação do lado oposto a maior translação e torsão (sobre seu próprio eixo) causando a sintomatologia. Portanto, a articulação que tem a patologia nem sempre é a dolorida. A mobilidade excessiva das ATMs não tem sido a causa principal da dor, pois 34% dos indivíduos normais têm esta condição.

A ausência de dentes molares ou a presença de próteses ou a má oclusão podem estar presentes e não ser a etiologia da afecção. Dentes gastos, principalmente os incisivos, demonstram que o paciente é tenso e range os dentes. O diagnóstico é eminentemente clínico. Radiografias nada demonstram. As variações radiológicas normais das ATMs são tão diversas que pouco ou nada ajudariam no diagnóstico(13).

A ressonância magnética (RM) dinâmica é de grande valia no diagnóstico porque permite a observação da movimentação do disco e do côndilo e o relacionamento entre eles. A RM não deve ser realizada na fase aguda porque certamente iria demonstrar alguma patologia. Os exames laboratoriais de sangue apenas teriam papel no diagnóstico em caso de reumatismo.

Classificação das Disfunções

São várias as causas da disfunção da ATM que causam a dor. Podemos reuni-las em 2 grandes grupos: disfunções intrínsecas, aquelas envolvidas diretamente com a articulação e sua cápsula, e extrínsecas, as que atuam a distância, extracapsulares, como o estado emocional e as distonias musculares. Como em tudo, do maior conhecimento do profissional sobre a fisiopatologia do sistema mastigatório e suas peculiaridades, maior a facilidade em reconhecer e apontar o caminho para o tratamento adequado(14).

Podemos dividir as disfunções da ATM em categorias:

1. Fatores Intrínsecos

a) Desordem do disco articular
  • deslocamento ântero-lateral com redução
  • perfuração do disco sem redução

  • b) Capsulites e Sinovites
    c) Artrites
  • traumática
  • infecciosa

  • d) Artroses
    e) Fibrose capsular
    f) Anquilose óssea
    g) Defeitos do desenvolvimento
    h) Neoplasias

    2. Fatores Extrínsecos

    a) Desordens musculares
  • espasmos e contraturas
  • miosites

  • b) Fibrose e anquilose extracapsular
    c) Neoplasias


    TRATAMENTO

    Fase Aguda

    O tratamento imediato da dor na sua fase aguda é eminentemente conservador, e deve ser sempre considerado e praticado antes de qualquer outro mais agressivo, não importa a etiologia. O tratamento conservador consiste em repousar a articulação sem imobilizá-la.

    Os movimentos de pequena excursão do abrir e fechar a boca ajudam o disco a retornar ao lugar anatômico. A causa que desencadeia a dor produz edema do disco e cápsula articular.O disco é irrigado por osmose, e o edema somente se desfaz com 2 a 3 semanas. Portanto, estes movimentos de pequena excursão devem se estender por 1 mês. A limitação da abertura da boca deve ser aplicada até por ocasião do bocejo. Dieta macia (não pastosa), com alimentos que não requeiram potência alguma na trituração deve ser usada igualmente pelo mesmo período.

    Em razão da dor, devem ser prescritos a promoção da contratura muscular dos músculos pterigóideos externos e o uso de analgésicos com produtos relaxantes da musculatura. A tensão e o stress quase sempre estão presentes, portanto deve-se orientar para que o paciente relaxe a mandíbula quando perceber que os dentes estão se tocando com a boca fechada.

    Uma explanação convincente e simples ao paciente de como funciona a articulação faz com que ele compreenda e colabore no tratamento mais diretamente.

    Tratamento do Bruxismo

    A causa do bruxismo está no inconsciente. Neste caso específico, duas atitudes devem ser adicionadas ao tratamento descrito. A primeira é a busca de auxílio da psicologia para tentar esclarecer a causa, e a outra é o uso, à noite, de placa-de-mordida, confeccionada em acrílico ou silicone, para impedir que a contração dos potentes músculos da mastigação ranjam os dentes, no sentido de manter espaço entre eles e não comprimir o disco interarticular contra a cavidade glenóide. A placa-de-mordida não cura o bruxismo, apenas protege a ATM enquanto se esclarece a causa inconsciente.

    Tratamento Cirúrgico

    Pequena porcentagem dos pacientes com disfunção da ATM é candidata ao tratamento cirúrgico. Na grande maioria dos casos, o problema se instala no disco interarticular, que, por algum motivo, se encontra deslocado da posição normal, causando dinâmica defeituosa e dolorosa. Consta a cirurgia na remoção do disco interarticular.

    Na artroplastia, como na cirurgia da parótida, o grande cuidado é não lesar ramos do nervo facial. O ramo temporal do nervo cruza a região, e preservá-lo exige o máximo de cuidado. Para identificá-lo durante o ato cirúrgico, usamos um estimulador de nervo (Figs. 3 e 4).


    Fig. 3 - Incisão (linha pontilhada forte) semelhante à da ritidoplastia. 0 ramo frontal do nervo facial na superfície da glândula parótida cruza no local de acesso à articulação.


    Fig. 4 - Estimulador de nervo bipolar com descarga contínua de 0 a 10 mA para identificar os ramos do nervo facial.



    Para tanto é necessário que o anestesista não faça uso de relaxante ou paralisante muscular, ainda que sejam de rápido metabolismo. O acesso é feito por incisão pré-auricular passando por dentro do tragus. O retalho dermogorduroso é descolado até a região da articulação. Atravessa-se a glândula parótida com o cuidado de preservar o ramo frontal do nervo facial. O uso de solução de soro com adrenalina 1/100.000 diminui o sangramento, evita o uso do eletrocautério, nocivo ao nervo facial, e melhora o campo visual. Abre-se a cápsula articular sob a arcada zigomática e de imediato aparece o disco interarticular, que se apresenta melhor quando forçamos o mento para o lado oposto, separando o côndilo da cavidade glenóide. Ao exame local percebe-se o disco deslocado de sua posição normal, ou para diante ou lateralizado. Ao removê-lo, nota-se irregularidades da superfície, calosidades ou perfuração, que são a causa da disfunção. Com tesoura fina e curva ou angular remove-se o disco, iniciando o procedimento por sua porção anterior e menos vascularizada, e contornando-o até a remoção total.

    Por vezes ocorre intenso sangramento por lesão dos vasos do seu meso, e de difícil acesso para usar o cautério. Fazendo-se o tamponamento com gase molhada e compressão suave do local, forçando o mento para o mesmo lado e aguardando 5 minutos, normalmente a hemostasia ocorre. Não vemos necessidade de suturar a cápsula nem os planos profundos. Deixamos dreno Penrose no local para ser removido em 24 horas.

    O pós-operatório imediato é colocar o paciente em posição de Fawler, gelo sobre o lado operado e medicação antidolorosa. Os movimentos da boca são permitidos à mercê do paciente.


    CASUÍSTICA

    No período de agosto de 1996 a agosto de 2000 foram tratados 656 pacientes com disfunção da ATM e com dor localizada e difusa da face. Destes, 459 foram acompanhados. A remissão da sintomatologia aguda ocorreu em 84% após a primeira tentativa de tratamento, com repouso da articulação por 30 dias. E finalmente, na segunda tentativa, o índice de remissão da dor chega a mais de 90%. Apenas 5% não melhoraram com o tratamento.

    Paralelamente, foi realizada pesquisa em 100 casos consecutivos, em indivíduos sem qualquer sintomatologia dolorosa da ATM, e verificou-se que em 35% destes "normais" havia alguma forma de disfunção da ATM, o que vem a confirmar o trabalho de Costa(15) (ver quadros de I a V).











    COMENTÁRIOS

    O tratamento da dor aguda ou crônica da ATM é eminentemente clínico(16,17,18). O tratamento cirúrgico deve ser relegado a uma minoria específica em que haja comprometimento da articulação, não sanável por métodos conservadores(19).

    O diagnóstico em sua fase inicial é simples, ainda que possa se apresentar de modo atípico. Início da dor, recidivas, exacerbações dolorosas em razão do maior ou menor traumatismo e a dor muscular coincidem quase sempre com episódio de tensão (pré-menstrual, conflitos emocionais, stress no trabalho). O limiar da irritabilidade psíquica varia com o indivíduo e, portanto, a resposta com a dor é igualmente variável. Não há dúvida de que existe um terreno anatômico propício, e até justificável, para ocorrer a dor, entretanto, ela quase sempre está associada a forte dose de tensão psíquica. O stress isolado, ainda que intenso, não promove a dor da articulação sem a presença de uma disfunção anatômica ou do espasmo da musculatura envolvida. Por vezes, um mínimo de disfunção e grande tensão desencadeiam a dor. Fato é que, em 85% dos casos, alguma forma de tensão está presente, e muito mais freqüente no sexo feminino. Entretanto não nos parece cabível que as mulheres sejam acometidas de disfunções ou de mais acentuadas diferenças anatômicas que o sexo masculino para justificar o maior número de mulheres envolvidas (83%).

    A falta total ou parcial dos dentes, a má oclusão dentária e a sobremordida exagerada não são fatores principais, entretanto não temos estatísticas quanto à presença de má oclusão na população geral e sua relação com os acometimentos da disfunção da ATM. Sabendo-se que qualquer forma de disfunção da ATM sem a presença de dor é muito comum, variando de 20 a 50% da população geral(3,20), são relativamente poucos os que desenvolvem a dor.

    Na ausência da dor não se justifica tratamento algum, a não ser nos casos mais severos de bloqueios da ATM com dificuldade para abrir a boca e nas luxações rescidivantes, cujo tratamento difere da patologia em questão. O tratamento conservador com repouso relativo da ATM, associado a analgésico muscular e antidistônico ou sedativo, tem sido suficiente para curar da fase aguda mais de 90% dos pacientes. Uma boa explanação ao paciente, de forma simples e leiga, do funcionamento da articulação e do possível motivo da dor tem sido de grande valia, conquistando a confiança do paciente, fazendo-o cooperar no tratamento, evitando por vezes o uso de sedativos.

    O tratamento cirúrgico está indicado em 5% dos casos que não foram resolvidos clinicamente. Evitar a operação em caso de bruxismo, a menos que o tratamento psicológico tenha surtido efeito e o paciente continue com a disfunção. O cuidado com a inervação facial (principalmente o ramo frontal) é importante. A neuropraxia (ou traumatismo por distenção do nervo) é comum, e a paralisia do supercílio homólogo desaparece em período que pode se prolongar por 6 meses. O uso do estimulador tem sido de enorme valia na identificação e preservação do nervo.

    É absolutamente necessário que o anestesista não faça uso de qualquer relaxante muscular ainda que este seja metabolizado rapidamente. A movimentação da boca é permitida e até estimulada. A fase da contração da cicatrização também atua na ATM, e exercícios de abrir e fechar a boca devem ser estimulados durante esse período.


    CONCLUSÕES

    1. A disfunção da ATM acomete 35% da população geral, porém somente uma pequena parcela deste grupo apresenta-se com sintomatologia dolorosa.

    2. A incidência é 4 vezes maior no sexo feminino.

    3. Em 85% dos casos existe fator emocional desencadeando a dor.

    4. O tratamento da fase dolorosa, feito com repouso relativo da articulação e medicação sintomática, traz alívio à dor em 90% dos pacientes tratados.

    5. Os poucos casos cirúrgicos são reservados aos bloqueios intraarticulares severos e às luxações rescidivantes às dismorfias mandibulares sintomáticas.

    6. O tratamento pelo bloqueio intermaxilar pouco adiciona à eliminação da dor da fase aguda.

    7. Especial atenção no tratamento do bruxismo.


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    I. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
    II. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Membro da Sociedade Americana de Cirurgia Maxilofacial.

    Endereço para correspondência:
    José Badim
    R. São Francisco Xavier, 390
    Rio de Janeiro - RJ - 20550-013
    Fone: (21) 3978-6000
    e-mail: jbadim@uol.com.br

     

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