INTRODUÇÃO
A hidradenite supurativa (HS) é uma patologia inflamatória crônica bacteriana,
resultante da obstrução folicular dos ductos das glândulas sudoríparas apócrinas
e
mistas1,2,3.
Acomete adultos de ambos os sexos com predisposição racial, genética e hormonal, sua
patogênese ainda não está totalmente elucidada. Esta patologia se caracteriza
pelo
surgimento de dor, prurido, eritema e hiperhidrose, havendo a formação de nódulos
eritematosos endurecidos inflamados, com conteúdo purulento em seu interior que
podem evoluir com abertura e drenagem de pus, podendo ser benignas quando externa
e
quando recidivante, necessitam de abordagem cirúrgicas2,3,4. Essas manifestações podem surgir de 12 a 48
horas antes dos nódulos. Estes nódulos tendem a persistir e recidivar, de modo
que
uma mesma lesão pode inflamar e desinflamar várias vezes no mesmo local.
Posteriormente, ao redor das áreas de cicatriz fibrosadas podem surgir novas lesões,
como fistulizações ao lado das antigas e, sobre estas mais velhas, cicatrizes.
Há
casos graves que invadem uma profundidade maior, alcançando músculos e fáscia.
Acomete principalmente pacientes geralmente após a puberdade até a quinta década de
vida, mas pode se desenvolver a qualquer momento durante a adolescência, com uma
prevalência estimada entre 1% e 4% significativa incidência (6/100.000
habitantes)3,5,6.
Os fatores de risco são: história familiar, obesidade, tabagismo e uso de fármacos.
Fatores desencadeantes exógenos físicos são: vestes muito justas e depilações;
e
químicos, como: desodorantes, antitranspirantes e líquidos depilatórios. Quando
recidivante a HS pode levar a várias repercussões que interferem na qualidade
de
vida dos pacientes com implicações psicossociais3.
A HS pode ser classificada segundo o Score de “Hurley”, que define tratamento
conservador ou cirúrgico de acordo com o grau de evolução das lesões, porém não
confere eficácia de tratamento6.
O score de Hurley é dividido em três classes: CLASSE I (ligeiro): presença de nódulos
inflamatórios e abscessos, mas sem fibrose ou cicatrizes; CLASSE II (moderado):
presença de nódulos inflamatórios e abscessos com fibrose associada e cicatrizes,
embora separadas por regiões íntegras, sem lesões; CLASSE III (grave): envolvimento
difuso, com processos fibróticos extensos e múltiplos sinus7.
As terapias conservadoras, drenagens de abscessos e uso de antibióticos tópicos,
intralesionais e sistêmicos, são de limitadas eficácia. Pois o uso crônico desses
medicamentos, devido ao alto grau de recorrência das lesões, leva ao desenvolvimento
de resistência bacteriana7.
A cirurgia está indicada para a HS severa e recorrente. A lesão deve ser ressecada
com margens e a cicatrização por segunda intenção não é recomendada devido às
contraturas resultantes. O fechamento primário é associado à alta recorrência.
Dessa
forma, é fundamental o conhecimento das inúmeras técnicas de retalhos para a região,
assim como buscar novas formas de reconstrução para o local7.
OBJETIVO
Este estudo tem por objetivo relatar um caso de tratamento cirúrgico de hidradenite
supurativa com retalho fasciocutâneo torácico lateral anterior.
RELATO DE CASO
ICF, sexo masculino, negro, 22 anos, estudante, nega etilismo, tabagismo. Admitido
no
Serviço público do Hospital Santo Amaro com queixa de dor e edema em axila MSD,
ao
exame físico apresentava hidradenite bilateral em membros superiores, porém MSD
apresentando sinais flogístico de infeção local edemaciado, hiperemiado, com
presença de secreção purulenta espessa com loja e fistula, foi classificado no
score
Hurley com Classificação III com presença cicatrizes e lesões da hidradenite
conforme pode ser visualizado na figura 1.
Passou por procedimento cirúrgico de hidradenite bilateral em janeiro de 2019
outro
serviço. Em março do mesmo ano evoluiu para recidiva em axila direta com sinais
flogísticos presença de pouca secreção iniciado antibioticoterapia com
Sulfametoxazol® e Trimetropim® sem
resposta satisfatória. Paciente passou por 2º procedimento cirúrgico de ressecção
complementar. Ao final de maio do mesmo ano paciente retorna com início de flogose
local sem secreção. Solicitado exames laboratoriais sem sinais de infecção
sistêmica, prescrito antibioticoterapia, Ciprofloxacino® por 14
dias, havendo melhora. Em meados de junho do mesmo ano apresentou supuração sendo
internado por um dia para realização da 3º intervenção cirúrgica, ressecção total
ampla da hidradenite em MSD região axilar com rotação de retalho fasciocutâneo
toraco lateral anterior como pode ser visualizado na figura 2 e finalizado com sutura e colocação de dreno penrose conforme
pode ser visualizado na figura 4, curativo e
antibioticoterapia com Ciprofloxacino® e
Clindamicina® em pós operatório por 7 dias. A peça
resseccionada com local lesionado por hidradenite pode ser visualizada na figura 3. O dreno apresentou debito serohematico
baixo. Sem novas queixas. No 5º pós operatório apresentou discreto seroma, drenado
5
ml de líquido seroso. No acompanhamento aos15 dias pode ser visualizar cicatriz
limpa seca em figura 5. Após alta hospitalar o
cliente foi acompanhado 7, 15 e 30 dias sem intercorrências.
Figura 1 - Axila direita com presença de cicatrizes e lesões da hidradenite.
Figura 1 - Axila direita com presença de cicatrizes e lesões da hidradenite.
Figura 2 - Procedimento cirúrgico com ressecção total ampla da hidradenite em
MSD, região axilar e rotação do retalho fasciocutâneo torácico lateral
anterior.
Figura 2 - Procedimento cirúrgico com ressecção total ampla da hidradenite em
MSD, região axilar e rotação do retalho fasciocutâneo torácico lateral
anterior.
Figura 3 - Peça resseccionada com local lesionado por hidradenite.
Figura 3 - Peça resseccionada com local lesionado por hidradenite.
Figura 4 - Procedimento cirúrgico finalizado, com sutura finalizada e dreno
penrose posicionado.
Figura 4 - Procedimento cirúrgico finalizado, com sutura finalizada e dreno
penrose posicionado.
Figura 5 - Aspecto da incisão cirúrgica no 15º pós-operatório (PO).
Figura 5 - Aspecto da incisão cirúrgica no 15º pós-operatório (PO).
DISCUSSÃO
A HS é uma piodermite de difícil controle e normalmente cursa com aparecimento mais
predominante na região axilar em média 40% dos casos8.
A ausência de exames para confirmação ou de características específicas no início
da
doença, pode dificultar o diagnóstico precoce5,8. Nos estágios
iniciais, pode ser difícil diferenciar a HS de furunculose séptica ou cistos
epidermóides infectados. Um estudo microbiológico é útil, pois frequentemente
a HS
não possui patógenos, embora tenha havido relatos de infecções bacterianas
secundárias específicas, como estreptococos anaeróbios, Streptococcus
mileri
8,9.
Porém, quando a HS alcança os tratos sinusais, entra num estágio mais pernicioso.
O
diagnóstico é clinico, baseado na presença de múltiplos abcessos e fístulas, que
geralmente respondem ao mal uso de antibióticos e outras substâncias químicas
sem a
necessidade de exames complementares, porém, não existem critérios
pré-estabelecidos4,9.
Não há consenso quanto ao tratamento padrão da HS, porém é aceito que ressecção ampla
e cobertura local são cruciais nas lesões avançadas6.
As lesões em Classe I de Hurley podem ser tratadas com antibioticoterapia tópica,
associada ou não, a anti-inflamatórios via oral e infiltrações de corticoide.
Nos
casos em Classe II de Hurley podem ser tratados com antibioticoterapia sistêmica,
já
nos casos Classe III de Hurley a indicação é cirúrgica9.
O tratamento cirúrgico é uma condição sine qua non para a obtenção
de resultados satisfatórios em relação a evolução da doença4. Existem diferentes tipos de retalhos descritos na literatura,
dentre eles os fasciocutâneos, sua utilização frequente no campo da cirurgia
plástica difundiu o uso desse retalho também no tratamento da hidradenite, com
resultados satisfatórios.
O planejamento da reconstrução das áreas afetadas é fundamental para o sucesso do
tratamento cirúrgico5.
A técnica utilizada para a realização do fasciocutâneo é menos complexa, demandando
menor tempo cirúrgico7.
Segundo Mello e colaboradores, em 20169, a
dissecção do retalho torácico lateral não é tecnicamente difícil, não apresenta
sequelas funcionais ou estéticas significativas na área doadora, sendo uma opção
confiável e versátil para reconstrução de defeitos axilares de maior porte como
nos
casos de exérese cirúrgica de HS.
A estratégia de ressecção radical é parte essencial do manejo de HS em grau avançado,
associada à cobertura da ferida com retalho locorregional (pediculado ou
perfurante), demonstrou ser o melhor manejo em termos de resultados tardios6.
Segundo Jorge e colaboradores, em 20108, a
percentagem de recorrência é inversamente proporcional à extensão da cirurgia:
uma
cirurgia ampla e extensa pode possibilitar melhor remissão. A cuidadosa abertura
de
todos os tratos sinusais é tida como a abordagem cirúrgica mais apropriada.
A ressecção cirúrgica da HS é indicada como o tratamento ideal por ser a única opção
terapêutica efetivamente curativa e quando associada ao procedimento plástico
é
seguro e eficaz, promovendo resultados eficientes, principalmente nas formas
crônicas3,4.
Segundo Fernandes e colaboradores, em 20131, a
excisão radical de tecidos que envolve a HS, incluindo as glândulas apócrinas,
é o
tratamento definitivo e em casos de evolução longa, tratamento cirúrgico não impede
a recorrência.
Lima e colaboradores, em 20173, optaram por um
tratamento com antibioticoterapia em um paciente com hidradenite supurativa
recorrente sem sucesso e concluíram que a próxima tratamento proposto deveria
ser
cirúrgico.
Segundo Silva Júnior e colaboradores, em 20165,
o uso do retalho torácico lateral está associado as altas taxas de sucesso na
população de portadores de HS; na reconstrução da axila, sem deixar sequelas de
perda de substância ou funcional.
CONCLUSÃO
O uso do retalho fasciocutâneo torácico lateral anterior no tratamento cirúrgico de
hidradenite superativa em região axilar promoveu um resultado satisfatório,
eficiente e eficaz. No procedimento cirúrgico é um retalho de fácil acesso e agiliza
o procedimento.
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https://doi.org/10.1590/S0101-98802010000300008
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9. Mello DF, Helene Junior A. Retalho fasciocutâneo torácico lateral
para reconstrução de defeitos axilares após ressecção de hidradenite supurativa:
série de 10 casos. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(2):186-191.
1. Serviço de Cirurgia Plástica Dr. Ewaldo Bolivar
de Souza Pinto, Vila Mathias, Santos, SP, Brasil.
2. Hospital Santo Amaro-Guarujá, Vila Maia,
Guarujá, SP, Brasil.
Endereço Autor: Carlos Henrique dos Reis Conte, Rua
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