INTRODUÇÃO
A síndrome de Turner é uma condição rara que está associada à ausência total ou
parcial do cromossomo X e é caracterizada por hipogonadismo hipergonadotrófico
feminino, infertilidade, baixa estatura, distúrbios endócrinos e metabólicos,
risco
aumentado de desenvolver doenças autoimunes, assim como outras condições
patológicas, como doenças cardiovasculares1.
Essa síndrome apresenta algumas características fenotípicas como a diminuição
mandibular, a qual pode ser encontrada em até 60% dos pacientes, o pescoço alado
(Pterygium colli) em até 40% dos pacientes, assim como
deformidades nas orelhas externas, encontradas em até 15% dos casos1.
O Pterygium colli consiste em uma prega fascial fibrótica ectópica,
superficial ao músculo trapézio e tipicamente se estende do mastoide até o acrômio,
em torno do nível C6-C7. A pele anterior é livre de pelos, enquanto a pele posterior
que se estende da linha média para borda lateral livre do pescoço alado possui
couro
cabeludo6.
Tais alterações estéticas carregam estigmas sociais e afetam a qualidade de vida
desses pacientes, levando até mesmo à danos psicológicos2. Nesse contexto, entende-se o porquê da grande procura de
correção cirúrgica do pescoço alado e da maior frequência dessa procura na idade
escolar, pois é o período em que as crianças podem se tornar alvo de provocações,
o
que as tornam expostas a implicações emocionais e psicológicas mais graves3.
O principal objetivo da cirurgia de correção dessas deformidades decorrentes da
Síndrome de Turner é corrigir o pescoço alado, redistribuir ou remover o excesso
horizontal de pele, reduzir o excesso de implantação capilar posterior, evitar
cicatrizes excessivas e prevenir a recorrência3. Muitas técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas para que seja feita
essa correção, dentre elas é importante avaliar as vantagens e desvantagens de
cada
uma4.
OBJETIVO
Relatar o caso de uma paciente com Síndrome de Turner cujo pescoço alado foi
corrigido utilizando-se uma técnica de zetaplastia escalonada, bem como fazer
uma
breve revisão de literatura sobre as vantagens e desvantagens das principais
técnicas utilizadas.
RELATO DE CASO
O caso a ser relatado é de uma paciente de 23 anos, sexo feminino, com diagnóstico
de
Síndrome de Turner, procurou o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital
Universitário da Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju - SE, referindo o
desejo de corrigir o pescoço alado, pois queixava-se de sofrer bullying desde
a
infância. Sem deficiência cognitiva evidente. Ao exame apresentava baixa estatura,
tórax alargado, fácies típica, hirsutismo, baixa implantação da linha dos cabelos
e
pescoço alado (Figura 1). Não apresentava
anomalias cardiovasculares, renais ou auditivas.
Figura 1 - Fotografias do pré-operatório evidenciando o pescoço alado com abas
largas em relação a cintura escapular e a baixa implantação capilar.
Figura 1 - Fotografias do pré-operatório evidenciando o pescoço alado com abas
largas em relação a cintura escapular e a baixa implantação capilar.
Técnica cirúrgica
A incisão foi planejada ao longo das dobras de pele do pescoço, marcando-se três
retalhos em “Z” de forma escalonada, com dimensões progressivas ao passo que
os
retalhos quando rodados pudessem cobrir o defeito e produzir o ganho
satisfatório.
Com a paciente sob anestesia geral, em decúbito lateral, foram confeccionadas
três zetaplastias escalonadas com ângulo de 60°, e com lados dos triângulos dos
retalhos formados da seguinte forma: A (1,5cm, 3cm e 1,5cm); B (2cm, 4cm e 2cm)
e C (3cm, 6cm e 3cm), conforme a Figura 2.
Figura 2 - Marcação cirúrgica dos retalhos. Foram planejadas 3 zetaplastias
escalonadas com as seguintes medidas: A: 1,5cm, 3cm e 1,5cm; B: 2cm,
4cm e 2cm; C: 3cm, 6cm e 3 cm.
Figura 2 - Marcação cirúrgica dos retalhos. Foram planejadas 3 zetaplastias
escalonadas com as seguintes medidas: A: 1,5cm, 3cm e 1,5cm; B: 2cm,
4cm e 2cm; C: 3cm, 6cm e 3 cm.
A dissecção dos retalhos foi realizada a nível subcutâneo, até alcançar a
mobilidade suficiente para interpolação dos retalhos. Após rotação das
zetaplastias, a síntese da pele foi realizada por planos. Os mesmos tempos foram
repetidos para o lado contralateral do pescoço (Figura 3). Não foi deixado dreno.
Figura 3 - Intraoperatório e pós operatório imediato.
Figura 3 - Intraoperatório e pós operatório imediato.
RESULTADOS
A correção do contorno cervical foi satisfatória e não teve restrição da mobilidade
do pescoço (Figura 4). A paciente não
apresentou complicações precoces, não houve queixa de distúrbios sensoriais. Porém,
a cicatriz ficou aparente na região anterolateral do pescoço e mostrou-se um pouco
hipertrófica, esta foi tratada de forma conservadora.
Figura 4 - Fotografias após 1 ano da correção cirúrgica. Observa-se um bom
contorno cervical, entretanto as cicatrizes são aparentes na região
lateral cervical.
Figura 4 - Fotografias após 1 ano da correção cirúrgica. Observa-se um bom
contorno cervical, entretanto as cicatrizes são aparentes na região
lateral cervical.
Outra desvantagem foi a alteração do curso da linha do cabelo, pois a baixa
implantação do couro cabeludo, à medida em que foram realizadas as zetaplastias,
houve transferência de partes do couro cabeludo para a porção lateral do
pescoço.
Apesar das desvantagens citadas a paciente mostrou-se satisfeita e foi orientada a
depilar as áreas dos folículos pilosos indesejáveis com laser, após 1 ano da
cirurgia.
DISCUSSÃO
A primeira descrição do pescoço alado foi relatada por Kobylinski, em 188315, e o nome “pterygium colli”
foi retratado por Funke, em 190216. Já a
cirurgia corretiva de pescoço alado foi descrita pela primeira vez por Chandler,
em
1937, o qual utilizou múltiplas zetaplastias para estender e distribuir a prega
cutânea localizada na parte anterolateral do pescoço5.
De acordo com a literatura, os procedimentos cirúrgicos conhecidos utilizam várias
abordagens: lateral, posterior, posterolateral e posterolateral modificada, cada
uma
com suas vantagens e desvantagens3,7,9,11. Essas técnicas foram modificadas várias vezes ao longo dos anos3.
A abordagem lateral consiste na realização da zetaplastia diretamente na prega de
pele do pescoço e tem como principal vantagem a correção ser realizada sob visão
direta, o que permite que a prega em questão seja corrigida diretamente5,13,14. Como
desvantagens, essa técnica possibilita uma cicatriz longa e perceptível em região
facilmente visualizada na posição anterolateral, além de não corrigir adequadamente
a linha capilar4.
Por outro lado, a abordagem posterior limita-se à excisão da pele posterior do
pescoço, fazendo com que a borda do couro cabeludo seja mobilizada e girada para
cima e para dentro. Como vantagens, a cicatriz pode ser escondida dentro da linha
capilar, deixando-a dificilmente vista na posição anterior e lateral ao paciente.
Todavia essa técnica não permite com que a correção seja feita diretamente, o
que
possibilita a recorrência de deformidades, devido ao aumento da tensão4,10,11,14.
Como outra alternativa, levando-se em conta os dois métodos anteriormente descritos,
foi encontrado na literatura a abordagem posterolateral, a qual objetiva realizar
a
excisão da pele excessiva do pescoço próximo da linha capilar. Embora essa técnica
propicie a correção direta da borda do couro cabelo, a cicatriz não é escondida
dentro da linha capilar, o que a torna visível quando se olha para o paciente
na
posição anterior e lateral10,11,14.
Por fim, a abordagem posterolateral modificada é realizada através da incisão feita
na linha posterior média do pescoço10. Essa
técnica possibilita que a deformidade do pescoço, assim como a borda do couro
cabeludo possam ser corrigidas, pois a cicatriz fica escondida dentro da linha
capilar do cabelo, na parte posterior do pescoço. Dessa forma, a cicatriz não
pode
ser visualizada na posição anterior e lateral ao paciente, além de ser dificilmente
vista posteriormente, já que o cabelo e roupas permitem a cobertura da mesma.
Outrora, a principal desvantagem dessa técnica é a sua não aplicabilidade em casos
severos de pescoço alado7,10.
O resultado estético da paciente do caso apresentou redução do Pterygium
colli com melhora do contorno cervical. Entretanto, a cicatriz ficou
visível e hipertrofiada, conforme já observado essa tendência em estudos com
pacientes portadores da Síndrome de Turner12.
Apesar da desvantagem deste método, que é a transposição da linha capilar para a face
cervical anterior3, esta técnica foi escolhida
devido à paciente em questão apresentar bandas cervicais laterais largas e densas,
o
que dificulta a melhora do contorno com técnicas mais conservadoras. O resultado
é
uma borda esteticamente artificial de couro cabeludo. Além disso, o aspecto
anterolateral do pescoço torna-se o local de cicatrizes cirúrgicas visíveis4.
Ante o exposto, dentre as várias técnicas descritas ao longo dos anos, nenhuma é
totalmente sem desvantagens e a escolha de uma técnica depende do tamanho das
dobras
cutâneas, localização da linha do cabelo e da presença de bandas de tecido
conjuntivo3.
CONCLUSÃO
A técnica cirúrgica escolhida permitiu uma redução efetiva do pescoço alado, com
melhora do contorno cervical, sem restrição de movimento. Porém, apresentou como
desvantagens a cicatriz aparente e hipertrófica e o deslocamento do couro cabeludo
para a superfície lateral do pescoço.
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Brasil.
2. Universidade Federal de Sergipe Campus São
Cristóvão, São Cristóvão, SE, Brasil.
3. Universidade Federal do Vale do São Francisco,
Centro, Petrolina, PE, Brasil.
Endereço Autor: Hianga Fayssa Fernandes Siqueira,
Rua Orlando Magalhães Maia, 1224, apto 901, torre Luxemburgo, Aracaju, SE,
Brasil. CEP 49025-530. E-mail: hfayssa@hotmail.com