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Miectomia do Músculo Orbicular dos Olhos: Procedimento Associado à Bleroplastia
Myectomy of the Orbicularis Oculi Muscle: A New Procedure Associated to Bleroplasty
Articles -
Year2002 -
Volume17 -
Issue
1
Antenor Bonatto JúniorI, André Gonçalves de FreitasII, José Marcos MélegaIII
RESUMO
Os autores descrevem a realização de uma miectomia na margem lateral do músculo orbicular dos olhos durante a blefaroplastia visando a atenuação das rugas periorbitais ("pés-de-galinha"). Não houve complicações cirúrgicas, estéticas ou funcionais com este procedimento. Todas as pacientes operadas apresentaram atenuação das rugas, sendo o resultado mais evidente naquelas com menor grau de fotoenvelhecimento cutâneo.
Os autores concluem que este é um procedimento seguro, rápido e de fácil execução, apresentando bons resultados estéticos e funcionais.
Palavras-chave:
Anatomia regional; blefaroplastia; músculos miméticos; nervo facial; rejuvenescimento
ABSTRACT
The authors deseribe myectomy at the lateral border of the orbieularis oculi muscle during blepharoplasty to attenuate periorbital wrinkles ("crow's feet"). There were no surgieal, aesthetic or functional complications with this procedure. All patients that underwent surgery presented wrinkle attenuation. Most evident results could be seen in those patients with a lesser degree of cutaneous photoaging. The authors conclude that this is a safe, fast, and easy procedure, which presents good aesthetic and functional results.
Keywords:
Regional anatomy; blepharoplasty; mimetic muscles; facial nerve; rejuvenation
INTRODUÇÃO
Um fator limitante da blefaroplastia é a permanência das rugas periorbitais ("pés-de-galinha") que persistem até mesmo após o lifting facial. Procedimentos como peelings químicos, a laser ou dermoabrasão são de extrema valia como tratamento complementar das cirurgias de rejuvenescimento facial, atuam porém sobre as rugas estáticas, pouco interferindo nas rugas dinâmicas, provocadas pela contração da musculatura da mímica facial presente sob a pele da face. A toxina botulínica do tipo A pode ser uma alternativa nestes casos(1), levando à paralisia temporária do músculo em que foi aplicada e, assim, atenuando tais rugas.
Com o intuito de realizarmos um tratamento mais duradouro das rugas dinâmicas, propomos a miectomia padronizada do músculo orbicular dos olhos durante a blefaroplastia, levando à ruptura parcial e localizada do esfíncter muscular na sua porção lateral ao canto externo da rima palpebral, minimizando as rugas nesse local.
ANATOMIA
Músculo Orbicular dos Olhos
O músculo orbicular do olho é um esfíncter elíptico, fino e plano, que envolve o ádito da órbita, consistindo de 2 porções: orbital e palpebral(2,3).
O fechamento forte das pálpebras é executado com a colaboração da parte orbital, levando a pele da fronte, têmpora e bochecha em direção ao ângulo médio das pálpebras. Este fato resulta em pregas radiadas da pele no ângulo lateral das pálpebras, que se tornam permanentes em pessoas idosas ou com graus avançados de fotoenvelhecimento ("pés-de-galinha").
Inervação Motora do Músculo Orbicular dos Olhos
Em geral, são observados 3 a 4 ramos temporais do nervo facial, sendo que os dois últimos comunicam-se entre si e inervam a porção superior do músculo orbicular dos olhos. Eles entram no músculo lateralmente através de sua face mais profunda, nele penetrando cerca de 3 a 4 mm medialmente ao seu bordo livre(4).
Os ramos zigomáticos são encontrados habitualmente em número de dois, cruzando o bordo externo do músculo zigomático maior em seu terço superior para alcançar a porção inferior do músculo orbicular dos olhos, levando inervação motora para este último(3,4,5).
TÉCNICA CIRÚRGICA
A marcação da blefaroplastia é realizada da forma habitual, segundo os princípios técnicos já estabelecidos. A partir da incisão da pálpebra superior, identifica-se o rebordo orbitário, ao nível da comissura palpebral lateral. Traça-se uma linha horizontal de aproximadamente 15 a 20 mm a partir deste ponto em direção lateral, que corresponderá à altura do trapézio de músculo a ser ressecado na miectomia. A base deste trapézio, situada lateral e distalmente, deverá ter aproximadamente de 7 a 10 mm, e seu ápice, situado no rebordo orbital, deverá ter aproximadamente 5 mm (Fig. 1).
Fig. 1 - Representação esquemática da ressecção muscular na miectomia.
Com o auxílio de ganchos de Gilles e uma tesoura de íris delicados, realiza-se o descolamento e dissecção deste trapézio muscular imaginário da pele suprajacente e de suas inserções mais profundas, liberando-o então para ser ressecado (Fig. 2).
Fig. 2 - Descolamento muscular.
Secciona-se com a tesoura de íris o trapézio muscular e realiza-se uma hemostasia com eletrocautério (Figs. 3 e 4).
Fig. 3 - A miectomia sendo realizada.
Fig. 4 - Área desprovida do músculo.
Com o intuito de prevenir depressão da pele no local da miectomia, realizamos retalho de músculo orbicular da pálpebra inferior segundo a técnica proposta por Hamra(6) para preenchimento deste local, conseguindo-se também uma melhora do terço médio da face pela tração do tecido adiposo da região malar por este retalho(6,7,8), que é fixado ao rebordo orbitário através de sutura com fio de Monocryl 4-0 incolor.
O fechamento da pele é realizado com 2 a 3 suturas simples de Nylon 6-0 na porção lateral da incisão, complementando-se com uma sutura intradérmica com o mesmo fio.
Realizamos curativo com fitas de Micropore® de forma a realizar uma compressão suave e uma tração cranial e lateral da pele da região infra-orbital.
RESULTADOS
Foram selecionadas 6 pacientes do sexo feminino, devidamente orientadas sobre o procedimento a que seriam submetidas. As pacientes mais jovens apresentavam poucos sinais de fotoenvelhecimento cutâneo, porém várias rugas periorbitais. Entre estas, muitas já haviam utilizado a toxina botulínica, ficando insatisfeitas com a pouca duração do seu efeito (4 a 6 meses, em média).
Após um seguimento que variou de 3 a 10 meses de pós-operatório, todas as pacientes declararam-se satisfeitas com os resultados obtidos. Em nossa casuística, todos os casos operados apresentaram algum grau de melhora das rugas periorbitais, sendo que os resultados mais dramáticos foram observados naquelas pessoas com mínima quantidade de rugas estáticas e presença de rugas dinâmicas evidentes (Figs. 5,6,7 e 8).
Fig. 5 - Pré-operatório dinâmico.
Fig. 6 - Pós-operatório dinâmico.
Fig. 7 - Pré-operatório dinâmico.
Fig. 8 - Pós-operatório dinâmico.
O edema pós-operatório e as equimoses foram mínimos e semelhantes aos de uma blefaroplastia convencional. Nenhuma paciente apresentou ectrópio, lagoftalmo ou exposição escleral.
Em nenhum caso houve sinais de sofrimento de pele ou deiscência de sutura.
DISCUSSÃO
A utilização da toxina botulínica do tipo A na atenuação das rugas periorbitais é um procedimento bem estabelecido e de eficácia comprovada, ainda que efêmera(1). A paralisia localizada do músculo orbicular em sua porção lateral ao rebordo orbitário, após a injeção da toxina botulínica em pontos específicos e na dosagem certa, promove uma marcante atenuação das rugas periorbitais sem afetar a oclusão palpebral.
Mühlbauer(9), em artigo publicado em 1995, descreve a realização de miectomias, miotomias e neurotomias para a correção de rugas de expressão facial associadas a procedimentos estéticos, denominando-os de Modulação Mimética, porém sem descrever em detalhes como eles eram realizados.
Esses dados nos encorajaram a extrapolar para a cirurgia estética palpebral procedimentos usados para a correção do blefaroespasmo(10,11,12) através de modificações das técnicas vigentes, levando à ressecção parcimoniosa do músculo orbicular na porção lateral externa da comissura palpebral, atenuando sua contração , diminuindo, assim, as rugas de pele neste local ("pés-de-galinha"). Mesmo que algumas fibras nervosas motoras terminais sejam lesadas durante a miectomia, isto não trará maiores problemas para a contração palpebral, podendo, inclusive, contribuir para um resultado melhor e mais duradouro(9,10,11,12).
Acreditamos que a confecção do retalho de músculo orbicular segundo a técnica de Hamra(6,7) leva um volume de tecido muscular desnervado até a área da miectomia, prevenindo uma depressão no local e impedindo que os bordos livres do músculo orbicular se unam novamente, refazendo o esfíncter palpebral, além de proporcionar aumento da tensão sobre o tarso da pálpebra inferior, prevenindo um lagoftalmo pela paresia transitória do músculo orbicular dos olhos no pós-operatório.
CONCLUSÃO
Baseados na nossa experiência pessoal e na literatura pertinente, concluímos que a miectomia marginal do músculo orbicular dos olhos associada à blefaroplastia estética mostrou-se um procedimento de fácil e rápida execução, com risco mínimo de seqüelas ou prejuízo funcional à musculatura e à pele palpebral e orbital, apresentando resultados estéticos e funcionais bastante satisfatórios.
BIBLIOGRAFIA
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12. Jones TW Jr, Waller RR, Samples JR. Myectomy for essential blepharospasm. Mayo Clin Proc. 1985;60:663-8.
I. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Médico Assistente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.
II. Especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
III. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Diretor do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.
Endereço para correspondência:
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Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz
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