INTRODUÇÃO
O nariz tem um importante papel na estética facial e funcional, a localização na face
e sua proeminência o tornam uma estrutura mais exposta à traumas, e a complexidade
das estruturas anatômicas tornam sua reconstrução muito complexa, em caso de perca
de tecido1,2.
A delicadeza de seus tecidos, sua localização central e a necessidade de restabelecer
tanto a aparência normal quanto a respiração funcional dificultam sua
reconstrução3.
Uma particularidade anatômica é a irrigação arterial existente, o revestimento da
pele da parte superior do nariz é irrigado pelas artérias nasal dorsal e nasal
externa. Inferiormente, a irrigação provém das artérias labial e angular, que
darão
os ramos para a irrigação da ponta, os quais são as artérias nasais laterais,
que
irrigam a região alar, e as labiais superiores que continuam superiormente para
a
columela4, formando uma ampla rede
anastomótica (Figura 1).
Figura 1 - Dissecção anatômica evidenciando a anatomia da vascularização nasal.
Figura 1 - Dissecção anatômica evidenciando a anatomia da vascularização nasal.
Os objetivos da reconstrução nasal incluem a restauração de uma via aérea nasal
funcional e a redefinição dos contornos do nariz5.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é relatar um caso de trauma nasal, que mesmo com lesão de
quase todos os pedículos vasculares do nariz, graças à rede anastomótica presente
nesta região e ao emprego da técnica cirúrgica reconstrutiva, minimizando o trauma
tecidual, reposicionando as estruturas lesadas e o uso de medicamentos, foi possível
a integralidade do retalho nasal.
MÉTODO
Descrição do caso: paciente D.G.M., sexo feminino, 40 anos, vitima de agressão física
(facão), resultando em ferimento corto-contuso acometendo glabela, supercílio
e
nariz, foi atendida pela equipe de cirurgia plástica no Hospital João Paulo II,
em
Porto Velho-RO.
No atendimento inicial foi observado extenso ferimento nasal, com destruição da
pirâmide nasal, mantendo o nariz conectado apenas pela columela à face (Figuras 2 e 3); o retalho apresentava sinais de sofrimento vascular cutâneo, com
áreas de palidez, cianose e ausência de sangramento do retalho. Realizado limpeza
com solução fisiológica e clorexidina. Inicialmente foi sugerido a remoção do
tecido, por apresentar os sinais de ausência de perfusão, então o retalho foi
embebido em solução (sanguessuga química) com heparina sódica 5.000UI/ml - 1ml,
cloridrato de lidocaína 2% sem adrenalina - 20ml e solução fisiológica - 10ml.
Figura 2 - Fotografia evidenciando o ferimento no momento do atendimento
inicial.
Figura 2 - Fotografia evidenciando o ferimento no momento do atendimento
inicial.
Figura 3 - Fotografia evidenciando a área preservada do pedículo columelar.
Figura 3 - Fotografia evidenciando a área preservada do pedículo columelar.
No mesmo momento foi realizado mesoterapia desta solução, em todo retalho. Após esse
procedimento foi notado sangramento difuso no retalho, com diminuição da congestão
tecidual e melhora da perfusão local (Figura 4). Constatada a viabilidade do retalho, foi realizado a sutura por planos,
iniciando na mucosa com Vicryl 5.0, e das outras camadas com Vicryl 4.0, buscando
a
melhor reconstrução anatômica. Foram utilizados dois tubos de silicone, para manter
a permeabilidade das narinas, e o correto posicionamento do septo nasal, evitando
formação de bridas e sinéquias internas. Mantida anticoagulação sistêmica da
paciente durante a internação e realizado mais mesoterapia no dia seguinte no
retalho.
Figura 4 - Fotografia evidenciando o sangramento após a mesoterapia.
Figura 4 - Fotografia evidenciando o sangramento após a mesoterapia.
Paciente assinou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a publicação
científica e o uso de imagens para o artigo.
RESULTADOS
No pós-operatório a paciente apresentou edema local sem sinais de isquemia do
retalho, sendo repetido outra seção de mesoterapia com a solução “sanguessuga”
em
toda extensão do retalho. Mantido antibioticoterapia com Ceftriaxona e Clindamicina.
A anticoagulação com Enoxaparina 40mg 1x ao dia e Pentoxifilina 400mg 2x ao dia,
analgesia e hidratação endovenosa, durante a Internação Hospitalar até o 7º dia
pós-operatório (Figura 4), quando foram
retirados os Tubos de Silicone. No 8º dia pós-operatório, observou-se retalho
íntegro com vitalidade total, sem nenhum sinal de infecção, fistulização ou
deiscência. Recebeu alta hospitalar no 9º dia pós-operatório. Realizado tomografia
computadorizada (TC) com 50 dias (Figura 5). Em
retorno após 67 dias, paciente negava alterações de olfato ou sintomas obstrutivos
nasais, satisfeita com o resultado (Figura 6).
Figura 5 - Imagem de TC pós-operatório de 50 dias.
Figura 5 - Imagem de TC pós-operatório de 50 dias.
Figura 6 - Fotografia da paciente com 60 dias.
Figura 6 - Fotografia da paciente com 60 dias.
DISCUSSÃO
As perdas de substâncias do nariz são frequentes devido a patologias ou traumas6. No atendimento inicial desta paciente, com os
sinais de franco sofrimento vascular do retalho, provavelmente a evolução esperada
seria a necrose de boa parte do retalho. Acreditamos que o imediato tratamento
com
uso de heparina e xylocaína no tecido, atuando como anticoagulante e vasodilatador
local, associado com agente hemorreológico e antiagregante plaquetário sistêmico,
tenham contribuído para melhora da perfusão tecidual e o salvamento de todo tecido
lesado com o ótimo resultado.
Neste trabalho foi demonstrado que o nariz pode ser reconstruído, após traumatismos
graves, mesmo quando quase todos os pedículos são lesados. Vale lembrar que a
utilização de técnica cirúrgica apurada e os princípios básicos devem ser sempre
observados, diminuindo o trauma tecidual durante a manipulação cirúrgica. A paciente
foi submetida à tomografia computadorizada de face para controle, onde constatou-se
um discreto desvio de septo nasal para a esquerda, com pequenas fenestrações na
porção columelar e na porção óssea do septo nasal.
CONCLUSÃO
Evidenciou-se que, apesar de praticamente todo nariz ter sido seccionado e
desinserido de sua posição anatômica foi possível mantê-lo viável, após o
procedimento cirúrgico de reposicionamento do retalho nasal em seu leito. Com
este
tratamento cirúrgico reparador, não houve sofrimento vascular, não houve perda
funcional relacionada ao nariz. Sugerimos que o atendimento imediato e o tratamento
com uso de anticoagulante e vasodilatador local, associado com agente hemorreológico
e antiagregante plaquetário tenham contribuído para o resultado final.
REFERÊNCIAS
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https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181d0ae2b
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Cirurgia Plástica. PEBMED. 2018. Disponível em:
https://pebmed.com.br/rinoplastia-nao-cirurgica-entenda-o-que-e-e-como-realizar
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7. Elzinga K, Medina A, Guilfoyle R. Total nose and upper lip
replantation: a case report and literature review. Plast Reconstr Surg Glob
Open. 2018 Oct;6(10):e1839. DOI:
https://doi.org/10.1097/GOX.0000000000001839
1. Hospital de Base Ari Pinheiro, Porto Velho,
RO, Brasil.
Endereço Autor: Leandro Debs Procopio, Av Carlos
Gomes nº 2746, São Cristovão, Porto Velho, RO, Brasil. CEP: 78901-200. E-mail:
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