

Articles - Year 2019 - Volume 34 - (Suppl.3)
Relato de caso: ferimento complexo de nariz
RESUMO
Introdução: O nariz é de vital importância por ser estrutura única e localizada na porção
central da face, contribuindo na estética facial e na identidade do
indivíduo. Sua funcionalidade depende da integridade dos diferentes tecidos
que o compõem.
Objetivo: Apresentamos neste relato de caso uma paciente vítima de trauma corto-contuso
em face, ocasionado por arma branca, onde o nariz ficou pediculado à face
apenas pela columela, tendo como único pedículo vascular, a artéria
columelar.
Método: Foi optado por reconstrução primária da lesão, e mesmo com comprometimento
severo da irrigação, evoluiu com vitalidade total do retalho.
Conclusão: A utilização de terapia medicamentosa local e sistêmica podem ter
influenciado na preservação dos tecidos. A abordagem e conduta iniciais
demonstraram que em traumas extensos de face acometendo o nariz, a
reconstrução com segmento afetado deve ser tentada, mesmo com pedículos
vasculares pequenos, uma vez que a irrigação nasal e da face compreende
vários pedículos vasculares.
Palavras-chave: Retalho miocutâneo; Deformidades adquiridas nasais; Irrigação sanguínea; Cavidade nasal; Face; Ferimentos e lesões; Traumatismos faciais
INTRODUÇÃO
O nariz tem um importante papel na estética facial e funcional, a localização na face e sua proeminência o tornam uma estrutura mais exposta à traumas, e a complexidade das estruturas anatômicas tornam sua reconstrução muito complexa, em caso de perca de tecido1,2.
A delicadeza de seus tecidos, sua localização central e a necessidade de restabelecer tanto a aparência normal quanto a respiração funcional dificultam sua reconstrução3.
Uma particularidade anatômica é a irrigação arterial existente, o revestimento da pele da parte superior do nariz é irrigado pelas artérias nasal dorsal e nasal externa. Inferiormente, a irrigação provém das artérias labial e angular, que darão os ramos para a irrigação da ponta, os quais são as artérias nasais laterais, que irrigam a região alar, e as labiais superiores que continuam superiormente para a columela4, formando uma ampla rede anastomótica (Figura 1).
Os objetivos da reconstrução nasal incluem a restauração de uma via aérea nasal funcional e a redefinição dos contornos do nariz5.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é relatar um caso de trauma nasal, que mesmo com lesão de quase todos os pedículos vasculares do nariz, graças à rede anastomótica presente nesta região e ao emprego da técnica cirúrgica reconstrutiva, minimizando o trauma tecidual, reposicionando as estruturas lesadas e o uso de medicamentos, foi possível a integralidade do retalho nasal.
MÉTODO
Descrição do caso: paciente D.G.M., sexo feminino, 40 anos, vitima de agressão física (facão), resultando em ferimento corto-contuso acometendo glabela, supercílio e nariz, foi atendida pela equipe de cirurgia plástica no Hospital João Paulo II, em Porto Velho-RO.
No atendimento inicial foi observado extenso ferimento nasal, com destruição da pirâmide nasal, mantendo o nariz conectado apenas pela columela à face (Figuras 2 e 3); o retalho apresentava sinais de sofrimento vascular cutâneo, com áreas de palidez, cianose e ausência de sangramento do retalho. Realizado limpeza com solução fisiológica e clorexidina. Inicialmente foi sugerido a remoção do tecido, por apresentar os sinais de ausência de perfusão, então o retalho foi embebido em solução (sanguessuga química) com heparina sódica 5.000UI/ml - 1ml, cloridrato de lidocaína 2% sem adrenalina - 20ml e solução fisiológica - 10ml.
No mesmo momento foi realizado mesoterapia desta solução, em todo retalho. Após esse procedimento foi notado sangramento difuso no retalho, com diminuição da congestão tecidual e melhora da perfusão local (Figura 4). Constatada a viabilidade do retalho, foi realizado a sutura por planos, iniciando na mucosa com Vicryl 5.0, e das outras camadas com Vicryl 4.0, buscando a melhor reconstrução anatômica. Foram utilizados dois tubos de silicone, para manter a permeabilidade das narinas, e o correto posicionamento do septo nasal, evitando formação de bridas e sinéquias internas. Mantida anticoagulação sistêmica da paciente durante a internação e realizado mais mesoterapia no dia seguinte no retalho.
Paciente assinou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a publicação científica e o uso de imagens para o artigo.
RESULTADOS
No pós-operatório a paciente apresentou edema local sem sinais de isquemia do retalho, sendo repetido outra seção de mesoterapia com a solução “sanguessuga” em toda extensão do retalho. Mantido antibioticoterapia com Ceftriaxona e Clindamicina. A anticoagulação com Enoxaparina 40mg 1x ao dia e Pentoxifilina 400mg 2x ao dia, analgesia e hidratação endovenosa, durante a Internação Hospitalar até o 7º dia pós-operatório (Figura 4), quando foram retirados os Tubos de Silicone. No 8º dia pós-operatório, observou-se retalho íntegro com vitalidade total, sem nenhum sinal de infecção, fistulização ou deiscência. Recebeu alta hospitalar no 9º dia pós-operatório. Realizado tomografia computadorizada (TC) com 50 dias (Figura 5). Em retorno após 67 dias, paciente negava alterações de olfato ou sintomas obstrutivos nasais, satisfeita com o resultado (Figura 6).
DISCUSSÃO
As perdas de substâncias do nariz são frequentes devido a patologias ou traumas6. No atendimento inicial desta paciente, com os sinais de franco sofrimento vascular do retalho, provavelmente a evolução esperada seria a necrose de boa parte do retalho. Acreditamos que o imediato tratamento com uso de heparina e xylocaína no tecido, atuando como anticoagulante e vasodilatador local, associado com agente hemorreológico e antiagregante plaquetário sistêmico, tenham contribuído para melhora da perfusão tecidual e o salvamento de todo tecido lesado com o ótimo resultado.
Neste trabalho foi demonstrado que o nariz pode ser reconstruído, após traumatismos graves, mesmo quando quase todos os pedículos são lesados. Vale lembrar que a utilização de técnica cirúrgica apurada e os princípios básicos devem ser sempre observados, diminuindo o trauma tecidual durante a manipulação cirúrgica. A paciente foi submetida à tomografia computadorizada de face para controle, onde constatou-se um discreto desvio de septo nasal para a esquerda, com pequenas fenestrações na porção columelar e na porção óssea do septo nasal.
CONCLUSÃO
Evidenciou-se que, apesar de praticamente todo nariz ter sido seccionado e desinserido de sua posição anatômica foi possível mantê-lo viável, após o procedimento cirúrgico de reposicionamento do retalho nasal em seu leito. Com este tratamento cirúrgico reparador, não houve sofrimento vascular, não houve perda funcional relacionada ao nariz. Sugerimos que o atendimento imediato e o tratamento com uso de anticoagulante e vasodilatador local, associado com agente hemorreológico e antiagregante plaquetário tenham contribuído para o resultado final.
REFERÊNCIAS
1. Quintas RCS, Araújo GP, Medeiros Junior JHGM, Quintas LFFM, Kitamura MAP, Cavalcanti ELF, et al. Reconstrução nasal complexa: opções cirúrgicas numa série de casos. Rev Bras Cir Plást. 2013 Jun;28(2):218-222. DOI: https://doi.org/10.1590/S1983-51752013000200008
2. Burget GC, Menick FJ. The subunit principle in nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985 Aug;76(2):239-47. PMID: 4023097 DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-198508000-00010
3. Menick FJ. Nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010 Apr;125(4):138e-150e. PMID: 20335833 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181d0ae2b
4. Matos A. Rinoplastia não cirúrgica: entenda o que é e como realizar. Cirurgia Plástica. PEBMED. 2018. Disponível em: https://pebmed.com.br/rinoplastia-nao-cirurgica-entenda-o-que-e-e-como-realizar
5. Bhrany AD. Complex nasal reconstruction: a case study: reconstruction of full-thickness nasal defect. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011 Feb;19(1):183-95. DOI: https://doi.org/10.1016/j.fsc.2010.10.007
6. Nicolas J, Labbé D, Soubeyrand E, Guillou-Jamard MR, Rysanek B, Compère JF, Benateau H. Reconstruction nasale par lambeau frontal en trois temps: évaluation de 16 cas. Rev Stomatol Chir. 2007 Fev;108(1):21-30. DOI: https://doi.org/10.1016/j.stomax.2005.12.001
7. Elzinga K, Medina A, Guilfoyle R. Total nose and upper lip replantation: a case report and literature review. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2018 Oct;6(10):e1839. DOI: https://doi.org/10.1097/GOX.0000000000001839
1. Hospital de Base Ari Pinheiro, Porto Velho,
RO, Brasil.
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