INTRODUÇÃO
A tríade da sequência de Pierre Robin com micrognatia, glossoptose e esforço
respiratório1, embora clinicamente muito
conhecida, ainda suscita dúvidas quanto à sua abordagem devido à ampla variedade de
apresentação da deformidade e resposta ao tratamento.
Crianças com Pierre Robin apresentam dois problemas principais - obstrução de via
aérea superior e dificuldade alimentar2.
A obstrução de via aérea secundária à hipoplasia mandibular e à glossoptose é a maior
característica dos recém-nascidos com Pierre Robin e os tratamentos propostos visam
evitar a traqueostomia e garantir a adequada alimentação. A corrente atual propõe
como conduta de primeira linha o tratamento não cirúrgico de suporte, com manobras
posturais como de posicionamento em prona ou lateral e acompanhamento
fonoaudiológico ou o uso de um tubo nasofaríngeo. A falha destes procedimentos em
evitar a hipoxemia e a hipercapnia leva a procedimentos cirúrgicos que incluem a
adesão da língua ao lábio (glossopexia), a distração mandibular e a liberação
subperiostal do soalho oral, associada ou não à adesão labial3,4.
O papel da hipoplasia mandibular na gênese de todo o processo ainda é extremamente
controverso, como observado num consenso clínico mundial publicado em 2016. Também
não foi evidenciada relação direta da gravidade da glossoptose de grau 1 na
nasofaringoscopia com a gravidade dos sintomas de obstrução de VA e má alimentação,
postulando-se que não apenas a retroposição lingual, mas também a atividade
intrínseca de genioglosso coordenando o movimento da língua, sejam importantes5.
Os autores, intrigados com a discrepância entre grau de obstrução
respiratória/dificuldade alimentar e grau de retrognatismo da mandíbula, voltaram
sua atenção para uma alteração eventualmente encontrada no posicionamento do músculo
genioglosso, observando seu encurtamento e firme aderência à sínfise mandibular,
impedindo a protração lingual e podendo ser a causa de rotação lingual posterior e
obstrução supraglótica6 (como mostrado na
Figura 1, a posição lingual alterada, com
consequente glossoptose).
Figura 1 - Visão da verticalização e posteriorização lingual com glossoptose e
obstrução supraglótica.
Figura 1 - Visão da verticalização e posteriorização lingual com glossoptose e
obstrução supraglótica.
Tendo por base o histórico das várias técnicas usadas previamente e as alterações
anatômicas encontradas na musculatura lingual, propõe-se a correção dessa alteração
da musculatura. Descreve-se a técnica de correção dessa anquiloglossia com a
proposta de modificação da glossopexia para uma “ortoglossopelveplastia” e
analisa-se a evolução dos casos operados.
OBJETIVOS
Descrição da técnica de “ortoglossopelveplastia”, uma proposta de modificação da
glossopexia para correção da anquiloglossia dos pacientes com sequência de Pierre
Robin, e análise da evolução dos casos operados de acordo com o algoritmo de
tratamento proposto.
MÉTODOS
Seguimos os princípios da Declaração de Helsinque para a realização desse estudo.
Foram analisados pacientes com glossoptose tratados pela equipe de Cirurgia Plástica
e Craniofacial do Núcleo de Plástica Avançada Hospital Beneficência Portuguesa, em
São Paulo, SP, com a técnica proposta de ortoglossopelveplastia e respectivas
evoluções de maio de 2012 a agosto de 2017.
Os 12 pacientes abordados apresentavam a sequência de Pierre Robin ao nascimento,
sendo inicialmente tentado o tratamento conservador com manobras posturais de
decúbito lateral/ventral, uso de cânula nasofaríngea e fonoaudiologia. Conforme
avaliações subsequentes quanto à dificuldade de protrusão lingual, de alimentação
e
grau de obstrução de via aérea superior por glossoptose, eles foram classificados
por critérios que possibilitaram um algoritmo de abordagens proposto.
- Grau 1: respiração e ingestão alimentar eficientes em decúbito
lateral/ventral => observação, manutenção do tratamento conservador e
suporte fonoaudiológico
- Grau 2: respiração eficiente em decúbito lateral/ventral - ingestão
alimentar ineficiente (necessidade de sonda) => tratamento com
ortoglossopelveplastia.
- Grau 3: respiração ineficiente em decúbito lateral/ventral, ingestão
alimentar eficiente => tratamento com distração osteogênica de
mandíbula.
- Grau 4: respiração e ingestão alimentar ineficientes em decúbito
lateral/ventral = > tratamento com distração osteogênica e
ortoglossopelveplastia.
A indicação cirúrgica para reorganização muscular e funcional da língua por meio de
ortoglossopelveplastia foi dada pelos exames físico e fonoaudiológico demonstrando
alteração na canulação lingual das crianças acometidas, com posteriorização e
elevação da língua em um movimento antagônico durante a sucção e deglutição,
corroborados no intraoperatório com a dificuldade de exteriorização lingual sob
tração. A associação da ortoglossopelveplastia com a distração mandibular foi feita
nos pacientes que mantinham respiração ineficiente com as manobras posturais e
fonoaudiológicas, conforme algoritmo proposto.
Os resultados foram analisados em relação à evolução dos pacientes tratados, quanto
aos dados de morbidade e mortalidade, e necessidade de traqueostomia e/ou
gastrostomia.
Descrição da técnica
A técnica de “ortoglossopelveplastia” proposta para adequado reposicionamento
lingual abordando conjuntamente o soalho da boca é assim esquematizada (Figuras 2 e 3) e realizada:
Figura 2 - Esquema da técnica cirúrgica de ortoglossopelveplastia. Liberação
do músculo genioglosso da sínfise mandibular.
Figura 2 - Esquema da técnica cirúrgica de ortoglossopelveplastia. Liberação
do músculo genioglosso da sínfise mandibular.
Figura 3 - Esquema da técnica cirúrgica de ortoglossopelveplastia. Ponto de
tração da base lingual à sínfise mandibular.
Figura 3 - Esquema da técnica cirúrgica de ortoglossopelveplastia. Ponto de
tração da base lingual à sínfise mandibular.
1. Início com passagem de fio de Nylon 3.0 de reparo em terço distal da
língua permitindo sua tração (Figura 4).
Figura 4 - Início com passagem de fio de Nylon 3.0 de reparo em
terço distal da língua permitindo sua tração. Realização de
uma incisão mediana vertical na mucosa lingual ventral, que
pode ser em Z como uma zetaplastia nos casos de frênulo
lingual curto.
Figura 4 - Início com passagem de fio de Nylon 3.0 de reparo em
terço distal da língua permitindo sua tração. Realização de
uma incisão mediana vertical na mucosa lingual ventral, que
pode ser em Z como uma zetaplastia nos casos de frênulo
lingual curto.
2. Realização de uma incisão mediana vertical na mucosa lingual ventral; a
mesma pode ser em Z como uma zetaplastia nos casos de frênulo lingual
curto (Figura 4).
3. Acesso aos músculos medianos do soalho da língua, principalmente o
genioglosso encurtado, destacando-o de sua inserção na sínfise
mandibular e liberando suas fibras retraídas com tesoura de Metzenbaum;
dissecção romba da linha sagital intermuscular até a base lingual (Figura 5).
Figura 5 - Acesso aos músculos medianos do soalho da língua,
principalmente o genioglosso encurtado, destacando-o de sua
inserção na sínfise mandibular e liberando suas fibras
retraídas com tesoura de Metzenbaum e descolador Joseph.
Figura 5 - Acesso aos músculos medianos do soalho da língua,
principalmente o genioglosso encurtado, destacando-o de sua
inserção na sínfise mandibular e liberando suas fibras
retraídas com tesoura de Metzenbaum e descolador Joseph.
4. Teste da liberação da língua, tracionando-a com o fio de Nylon reparado
anteriormente, constatando sua correta protração; na ausência de
protração efetiva, o músculo deve ser mais liberado.
5. Reposicionamento anterior da base lingual com ponto transfixante de fio
absorvível de Poliglactina 2.0 com agulha de 3,0cm para ancoragem na
sínfise mandibular por cerclagem.
- o ponto se inicia centralmente no sulco gengivolabial, passa
pela face anterior da sínfise mandibular até sair na pele do
submento e retorna pelo mesmo orifício acompanhando a face
lingual mandibular até a mucosa vestibular da base da língua,
preparando a cerclagem da sínfise mandibular (Figura 6).
Figura 6 - O ponto de reposicionamento anterior da base
lingual com fio absorvível de Poliglactina 2.0
começa na ancoragem na sínfise mandibular procedendo
por se iniciar centralmente no sulco gengivolabial,
passando pela face anterior da sínfise mandibular
até sair na pele do submento e retorna pelo mesmo
orifício acompanhando a face lingual mandibular até
a mucosa vestibular da base da língua, preparando a
cerclagem da sínfise mandibular.
Figura 6 - O ponto de reposicionamento anterior da base
lingual com fio absorvível de Poliglactina 2.0
começa na ancoragem na sínfise mandibular procedendo
por se iniciar centralmente no sulco gengivolabial,
passando pela face anterior da sínfise mandibular
até sair na pele do submento e retorna pelo mesmo
orifício acompanhando a face lingual mandibular até
a mucosa vestibular da base da língua, preparando a
cerclagem da sínfise mandibular.
- a agulha segue em direção posterior pela base lingual até
abaixo do V lingual (Figuras 7 e 8) e retorna
pelo mesmo nível da base lingual até o vestíbulo e então sobre a
mandíbula até o sulco gengivolabial, onde é dado o nó final
(Figuras 9 e 10).
Figura 7 - Após o ponto passar pela sínfise mandibular até o
submento e retornar pelo mesmo orifício
posteriormente à mandíbula até a mucosa vestibular
da base da língua, envolvendo assim a sínfise
mandibular, a agulha segue em direção posterior pela
base lingual até abaixo do V lingual.
Figura 7 - Após o ponto passar pela sínfise mandibular até o
submento e retornar pelo mesmo orifício
posteriormente à mandíbula até a mucosa vestibular
da base da língua, envolvendo assim a sínfise
mandibular, a agulha segue em direção posterior pela
base lingual até abaixo do V lingual.
Figura 8 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual prosseguindo pela base
lingual até posterior ao V lingual.
Figura 8 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual prosseguindo pela base
lingual até posterior ao V lingual.
Figura 9 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual retornando pela base
lingual para o vestíbulo.
Figura 9 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual retornando pela base
lingual para o vestíbulo.
Figura 10 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual. Resgate anterior da agulha
após retornar pela base lingual até o vestíbulo.
Então o fio passa sobre a mandíbula até o sulco
gengivolabial, onde é dado o nó final.
Figura 10 - Ponto de Poliglactina 2.0 para reposicionamento
anterior da base lingual. Resgate anterior da agulha
após retornar pela base lingual até o vestíbulo.
Então o fio passa sobre a mandíbula até o sulco
gengivolabial, onde é dado o nó final.
Ao final da ortoglossopelveplastia, podemos observar a melhor protração e
posicionamento lingual (Figuras 11).
Figura 11 - Dois exemplos, superiores e inferiores, de melhoria na protração
lingual após a ortoglossopelveplastia. Protração lingual antes
(pré-operatórios à esquerda) e após (pós-operatórios imediatos
respectivos à direita) a ortoglossopelveplastia.
Figura 11 - Dois exemplos, superiores e inferiores, de melhoria na protração
lingual após a ortoglossopelveplastia. Protração lingual antes
(pré-operatórios à esquerda) e após (pós-operatórios imediatos
respectivos à direita) a ortoglossopelveplastia.
RESULTADOS
No total, após tentativa de tratamento conservador nos primeiros dias de vida, foram
operados 12 casos de ortoglossopelveplastia, 4 exclusivamente com essa técnica e 8
associados à distração osteogênica de mandíbula.
Resultados avaliados (Quadro 1).
Quadro 1 - Evolução pós operatória de pacientes submetidos a ortoglossopelveplastia
com ou sem distração osteogênica de manídula quanto à necessidade ou não de
traqueostomia e/ou gastrostomia após intervenção cirúrgica.
3 casos |
2 casos |
Grau 4 obstrução respiratória moderada e dificuldade
alimentar
|
Distração osteogênica de mandíbula e
Ortoglossopelviplastia
|
Evoluíram sem necessidade de traqueostomia e
gastrostomia
|
Evolução com Ausência de necessidade de traqueostomia
ou gastrostomia
|
1 caso |
Grau 2 sem dificuldade respiratória com dificuldade
de ingestão alimentar
|
Ortoglossopelviplastia |
Evoluiu sem necessitar de gastrostomia; |
2 casos |
1 caso |
Grau 3 dificuldade respiratória sem dificuldade
alimentar
|
Distração osteogênica de mandíbula |
Manteve traqueostomia por dificuldade respiratória
por laringomalácia
|
Evolução com Necessidade de traqueostomia pós-
operatória
|
1 caso |
Grau 4 obstrução respiratória e dificuldade
alimentar
|
Distração osteogênica de mandíbula e
Ortoglossopelviplastia
|
Manteve traqueostomia por dificuldade respiratória
persistente devido estenose de traquéia
|
1 caso |
1 caso |
Grau 4 dificuldade respiratória e de ingesta
alimentar
|
Distração osteogênica de mandíbula e
Ortoglossopelviplastia
|
Síndrome de Edwards e intensa hipotonia difusa; foi
possível a retirada da traqueostomia mas não da gastrostomia;
|
Evolução com Necessidade de gastrostomia pós-
operatória
|
|
|
|
|
2 casos |
1 caso |
Grau 3 Dificuldade de ingesta alimentar e obstrução
respiratória
|
Distração osteogênica de mandíbula e
ortoglossopelviplastia, mas evoluiu com gastrostomia e traqueostomia
por laringomalácia
|
Evoluiu com a retirada da traqueostomia e
gastrostomia com ortoglossopelveplastia e a evolução da distração de
mandíbula e correção cirúrgica da laringomalácia;
|
Evolução com Necessidade de traqueostomia e
gastrostomia pos- operatória
|
1 caso |
Grau 4 obstrução respiratória e dificuldade
alimentar
|
Distração osteogênica de mandíbula e
ortoglossopelviplastia
|
Necessitou de traqueostomia por laringomalácia |
Quadro 1 - Evolução pós operatória de pacientes submetidos a ortoglossopelveplastia
com ou sem distração osteogênica de manídula quanto à necessidade ou não de
traqueostomia e/ou gastrostomia após intervenção cirúrgica.
Quanto pacientes já chegaram ao serviço e equipe com traqueostomia e gastrostomia
realizados por outras equipes; assim necessitaram de ortoglossopelveplastia e
distração osteogênica de mandíbula, evoluindo da seguinte maneira (Quadro 2).
Quadro 2 - Evolução pós operatória de pacientes gastro- e traqueostomizados
submetidos a ortoglossopelveplastia e distração osteogênica de mandídula
quanto à necessidade ou não de permanecerem com gastrostomia e/ou
traqueostomia após intervenção cirúrgica.
4 pacientes com traqueostomia e
gastrostomia prévias
|
Distração osteogênica de mandíbula e
ortoglossopelviplastia
|
1 caso |
Retirou traqueostomia |
Retirou gastrostomia |
1 caso |
programação da retirada da traqueostomia |
gastrostomia não pôde ser retirada por calásia de
esôfago grave;
|
1 caso |
não foi possível a retirada da traqueostomia devido
traqueomalácia
|
retirou a gastrostomia |
1 caso |
faleceu durante cirurgia cardíaca |
faleceu durante cirurgia cardíaca |
Quadro 2 - Evolução pós operatória de pacientes gastro- e traqueostomizados
submetidos a ortoglossopelveplastia e distração osteogênica de mandídula
quanto à necessidade ou não de permanecerem com gastrostomia e/ou
traqueostomia após intervenção cirúrgica.
Morbidade - 1 caso de infecção de ferida operatória em local de passagem de ponto
no
submento tratada com antibiótico de cefalosporina de primeira geração.
Taxa de mortalidade no intraoperatório ou pós-operatório imediato e recente
demonstrando falha do procedimento: nenhum caso.
As imagens evidenciam resultados da ortoglossopelveplastia na melhora da obstrução
supra glótica (Figura. 12) e na evolução de
paciente com Pierre Robin e dificuldade alimentar tratado apenas com
ortoglossopelveplastia, evidenciando posterior crescimento mandibular pela correção
das suas forças de crescimento (Figura 13).
Figura 12 - Broncoscopia antes e após ortoglossopelveplastia: melhora da via
aérea em orofaringe e da glossoptose.
Figura 12 - Broncoscopia antes e após ortoglossopelveplastia: melhora da via
aérea em orofaringe e da glossoptose.
Figura 13 - Evolução de paciente com Pierre Robin tratado apenas com
ortoglossopelveplastia por dificuldade alimentar, mas com boa respiração
em posição prona (grau 2), sem necessidade de distração osteogênica da
mandíbula.
Figura 13 - Evolução de paciente com Pierre Robin tratado apenas com
ortoglossopelveplastia por dificuldade alimentar, mas com boa respiração
em posição prona (grau 2), sem necessidade de distração osteogênica da
mandíbula.
DISCUSSÃO
A glossoptose, como a associada à retrognatia, pode ocasionar dificuldade de
alimentação e obstrução de via aérea superior tipos 1 e 2 (mais frequente e graves
no período pós-natal imediato e neonatal), podendo ter tratamento inicialmente
postural e por intubação nasofaríngea7. As
intervenções cirúrgicas em micrognatia são consideradas quando falha um adequado
manejo clínico8. A maioria dos autores realiza
glossopexia como tratamento inicial nos pacientes com diagnóstico de Pierre Robin
que não melhoraram com manejo clínico; se há dessaturações contínuas com dificuldade
respiratória em posição prona após a glossopexia, costumam realizar distração
osteogênica da mandíbula; se a dificuldade permanecer, optam pela traqueostomia9,10.
A glossopexia inicial descrita por Douglas (sutura de tensão passada do dorso da
língua através do lábio inferior ao queixo, onde é amarrada sobre um botão de
silicone) apresentava numerosas complicações - lacerações de língua, infecções de
ferida, deiscências, lesão aos ductos de Wharton, anquiloglossia cicatricial e
cicatrizes deformantes do lábio, queixo e assoalho da boca.
Atualmente, o procedimento modificado com adesão lábio-língua6 (genioglosso destacado da mandíbula e a ela amarrado por duas
suturas absorvíveis passando por duas perfurações mandibulares, associado à sutura
do músculo e mucosa da borda anterior lingual e lábio) é mais comumente utilizado,
devido ao menor déficit estético ou funcional, mas com má posição dos dentes
decíduos mandibulares, alta taxa de deiscência, problemas alimentares, má higiene
dentária, muitas vezes resultando em liberação precoce da glossopexia aos 6-9 meses,
antes da palatoplastia e ocasionando necessidade de cirurgias extras6,11.
Uma nova abordagem iniciou-se após percepção da constrição da inserção muscular da
língua na mandíbula por distopia da inserção do genioglosso. Essa constrição seria
responsável pela elevação da ponta da língua, glossoptose e obstrução respiratória
vistos na sequência de Pierre Robin, além de poder ser fator causal da micrognatia.
A liberação do genioglosso da mandíbula, em teoria, poderia permitir à ponta da
língua mover-se para frente em uma posição normal.
Desde então, estudos têm indicado que liberação subperiostal do assoalho da boca
poderia ser uma maneira efetiva de desobstrução da via aérea em pacientes com Pierre
Robin11, visto liberar a musculatura do
assoalho da boca sob tensão aumentada puxando a língua para cima e para trás12,13. Essa técnica consiste em incisão submentoniana; incisão e
descolamento do periósteo lingual da mandíbula; liberação da origem do genioglosso,
genio-hioide e milo-hioide, e do resto da musculatura do assoalho da boca da borda
da mandíbula até o ângulo da mandíbula, permitindo o posicionamento mais anterior
da
língua; no pós-operatório, os pacientes são mantidos intubados por 1 semana, para
ganhar peso e altura, regredir o edema do assoalho da boca e o tubo endotraqueal
apoiar a língua para frente12.
Essa intervenção seria efetiva em micrognatia moderada; casos mais graves poderiam
necessitar de distração osteogênica14. Seria
vantajosa sobre a glossopexia clássica por tratar a possível etiologia da
micrognatia e não resultar em tantas deiscências e reoperações e lesões às
estruturas como os ductos de Wharton.
Outros autores têm enfatizado a importância da origem anormal do músculo
genioglosso6,15. Argamaso6 postulou que em quase todos seus casos encontrava resistência à
protração da língua por músculo genioglosso anormalmente encurtado firmemente preso
à sínfise da mandíbula, recomendando uma separação subperiostal desse músculo como
parte do procedimento de glossopexia. É possível inclusive que pela liberação do
genioglosso da mandíbula nós “desbloqueemos a restrição de crescimento na mandíbula”
e tenhamos desenvolvimento mandibular normal, já que estudos recentes têm demostrado
que na maioria das vezes os pacientes com sequência de Pierre Robin não alcançam
nível cefalométrico normal mesmo após crescimento acelerado compensatório16.
Assim, baseados no conceito do encurtamento do genioglosso, apresentamos uma
modificação da técnica de glossopexia e liberação desse músculo. Com a
ortoglossopelveplastia, liberamos o frênulo lingual curto (quando necessário) e
depois o músculo genioglosso encurtado de sua inserção tensa e anômala na sínfise
mandibular, para que assim ele possa ter uma inserção de anatomia mais normal. Após,
realizamos uma glossopexia tracionando a língua anteriormente desde sua base
posterior até o submento.
Logo, nossa técnica proposta de ortoglossopelveplastia também é direcionada ao
processo patológico: a contratura anormal da musculatura do soalho da língua. Com
ela, buscamos menor extensão cirúrgica e de possíveis complicações, ausência de
prejuízos à higiene dentária e consequente necessidade da retirada precoce da sutura
de pexia.
Com a ortoglossopelveplastia, eliminamos a resistência à protração da língua gerada
pelo músculo genioglosso tenso, curto e preso, um possível responsável pela
micrognatia, pela tensão da língua para cima e para trás e pela glossoptose. Também
permitimos a reorganização anatômica da musculatura em uma posição anteriorizada,
ocupando a área onde antes se aprisionava a parte anterior da língua e gerava os
seus movimentos paradoxais durante a sucção.
A adesão lábio-língua é ainda o procedimento cirúrgico de escolha em pacientes com
sequência de Pierre Robin para muitos cirurgiões nos Estados Unidos, de acordo com
estudo de 201417, sendo também usada em
muitos outros países. Identificar a presença de persistente e significativa
obstrução de via aérea é importante para aqueles que continuam a usar esse
procedimento. Primeiro porque o tratamento tem o potencial de prevenir consequências
a longo prazo de obstruções de via aérea. Segundo porque fatores de risco de
obstrução de via aérea persistente pós-glossopexia poderiam ser identificados para
estabelecer melhores critérios para o tipo de intervenção cirúrgica3.
Vale ressaltar que a glossopexia clássica reforça o efeito do genioglosso já
encurtado, provocando uma mobilização ainda maior do volume lingual contra a
orofaringe.
Essa percepção dos diferentes níveis de gravidade dos sintomas de obstrução
respiratória e dificuldade alimentar e consequentemente diferentes evoluções e
necessidade de tratamento dos nossos pacientes com sequência de Pierre Robin
levou-nos a ampliar a classificação de Caouette-Laberge18 da gravidade dos sintomas e propor a classificação
utilizada.
Baseados nos resultados de nossos pacientes, observamos que a realização da
ortoglossopelveplastia é efetiva, funcional e anatômica, com menor extensão
cirúrgica e complicações. Analisando as evoluções, observamos que a
ortoglossopelveplastia foi utilizada com sucesso em casos nas quais a dificuldade
alimentar era predominante; observamos inclusive a possibilidade de crescimento
mandibular após essa intervenção. Ela também se apresentou como adjuvante na melhora
de pacientes com dificuldade respiratória, juntamente com a distração osteogênica
da
mandíbula na micrognatia.
Com isso, foi possível o melhor tratamento de casos de dificuldade respiratória
moderada em decúbito prona e dificuldade alimentar, possibilitando a prevenção da
traqueostomia e gastrostomia. Casos mais graves de dificuldade respiratória e
alimentar necessitaram traqueostomia e investigação subsequente apontando patologias
adicionais em vias aéreas inferiores, mais frequentes em casos de Pierre Robin
sindrômicos.
Mesmo em casos graves, a ortoglossopelveplastia associada à distração osteogênica
da
mandíbula permitiu a retirada da traqueostomia e da gastrostomia em vários casos,
levando à melhor qualidade de vida e redução de gastos médico-hospitalares. Casos
em
que não foi possível essa retirada apresentavam outras causas mais graves de
dificuldade respiratória e alimentar como traqueomalácia, calásia de esôfago,
síndromes graves com hipotonia corporal, geralmente associados a casos de Pierre
Robin sindrômicos.
CONCLUSÃO
A ortoglossopelveplastia permitiu o desbloqueio da obstrução da via aérea gerada pelo
mau posicionamento lingual, melhora da função alimentar e do desenvolvimento
mandibular, com baixa morbidade cirúrgica e poucas complicações.
COLABORAÇÕES
VLNC
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento do
projeto, metodologia, redação - revisão e edição, supervisão.
|
JHP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, coleta de
dados, investigação, metodologia, realização das operações e/ ou
experimentos, redação - preparação do original, visualização.
|
ASS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, coleta de
dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo, redação -
revisão e edição, supervisão, validação.
|
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1. Hospital Beneficiência Portuguesa de São
Paulo, Núcleo de Cirurgia Plástica Avançada, São Paulo, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Vera Lúcia Nocchi Cardim, Rua
Augusta, 2705, 4º andar - sala 42, Cerqueira César, SP, Brasil, CEP 01413-100.
E-mail: vera@npa.med.br
Artigo submetido: 13/06/2018.
Artigo aceito: 21/04/2019.
Conflitos de interesse: não há.