INTRODUÇÃO
Sendo considerada um procedimento revolucionário para a cirurgia do contorno
corporal, a lipoaspiração vem sendo aperfeiçoada continuamente nos últimos 30 anos.
Trata-se de uma técnica artesanal, que exige longa curva de aprendizado e
estabelecimento de escore de segurança1. No
Brasil, segundo a ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery), foram
realizadas 209.165 lipoaspirações em 2016, correspondendo a 14,4% de todos os
procedimentos estéticos realizados naquele ano. Como em qualquer cirurgia, envolve
riscos e possibilidade de complicações que podem ser locais (irregularidades,
hiperpigmentação, úlceras e necroses, cicatrizes inestéticas etc.) ou sistêmicas
(reações alérgicas, infecções, anemias, embolias, perfurações, óbitos etc.)2,3.
A perfuração em lipoaspiração pode atingir uma diversidade de órgãos e sistemas como
parede abdominal, parede torácica, vísceras ou órgãos, vasos sanguíneos,
articulações, implantes, além de outras estruturas anatômicas (ureter, traqueia
etc.).
OBJETIVO
Relatar um caso de perfuração intestinal em paciente submetida a lipoaspiração
tumescente de abdome e dorso. A propedêutica, o diagnóstico e a conduta médica
pertinentes ao caso também serão discutidos.
RELATO DO CASO
Paciente caucasiana, sexo feminino, 42 anos. Submetida a lipoaspiração tumescente
(abdominal e lombar) e lipoenxertia glútea, sob raquianestesia e sem complicações
peroperatórias. Evoluindo, 6 horas após o procedimento, com dor intensa tipo cólica
no andar superior do abdome. Realizada propedêutica com radiografias (tórax e abdome
– Figuras 1 e 2) e tomografia computadorizada de abdome (Figura 3) que evidenciaram pneumoperitônio e níveis hidroaéreos, sinal
de Rigler positivo, presença de líquido livre em cavidade abdominal.
Figura 1 - Radiografia de tórax evidenciando pneumoperitônio.
Figura 1 - Radiografia de tórax evidenciando pneumoperitônio.
Figura 2 - Radiografias de abdome: sinais de Rigler e da borda hepática
positivos.
Figura 2 - Radiografias de abdome: sinais de Rigler e da borda hepática
positivos.
Figura 3 - Tomografia computadorizada de abdome: pneumoperitônio e líquido livre
em cavidade abdominal.
Figura 3 - Tomografia computadorizada de abdome: pneumoperitônio e líquido livre
em cavidade abdominal.
Baseando-se nestes achados, a paciente foi submetida a laparotomia exploradora (9
horas após a lipoaspiração), por incisão supraumbilical mediana. O inventário da
cavidade abdominal demonstrou perfuração única da parede abdominal e perfuração
puntiforme de alça ileal. Tratada com sutura primária da perfuração ileal e
antibioticoterapia sistêmica. Permaneceu internada por 5 dias e evoluiu
satisfatoriamente.
DISCUSSÃO
A ocorrência de óbitos por perfuração intestinal é observada de forma bastante
diversa na literatura disponível.
A SBCP, em 2015, demonstrou que 6,7% dos óbitos em lipoaspiração ocorreram por
perfuração intestinal4, enquanto que Grazer e
Jong, em 2000, apresentaram uma taxa de 14,6% dos óbitos, tendo analisados 496.245
pacientes5. Já Housman et
al., em 2001, e Graf et al., em 2016, publicaram taxas
de óbito de 13,9% e 8,9%, respectivamente2,3.
Muitos casos de evolução satisfatória ou mesmo aqueles de resultados desfavoráveis
não são relatados, portanto, pode-se considerar que a ocorrência desta complicação
é
subestimada pela literatura médica específica6.
Alguns fatores estão diretamente relacionados à solução eficiente desta complicação
como o diagnóstico precoce, propedêutica adequada, equipe cirúrgica capacitada e
disponível, e adoção de medidas imediatas para a resolução adequada do caso.
Se a perfuração for percebida pelo cirurgião durante a lipoaspiração estará indicada
a laparotomia imediata, uma decisão difícil, pois baseia-se apenas na percepção do
cirurgião no peroperatório. Diante de tal suspeita ou de uma evolução atípica nas
primeiras horas do pós-operatório imediato deve-se iniciar, o mais breve possível,
a
propedêutica para abdome agudo perfurativo (radiografias de tórax e abdome,
tomografia computadorizada de abdome e exames laboratoriais). Outros exames
complementares também podem auxiliar no diagnóstico como a ultrassonografia e a
ressonância nuclear magnética.
O exame clínico do abdome é sempre prejudicado pelas características próprias da
lipoaspiração (dor e edema da parede abdominal).
Diagnosticada a perfuração, trata-se com laparotomia exploradora realizada em
ambiente cirúrgico seguro e por equipe médica competente, internação hospitalar,
antibioticoterapia e demais medidas cabíveis.
Seguir os princípios de uma boa relação médico-paciente é fundamental diante de todas
as circunstâncias que envolvem uma complicação desta natureza. O paciente deverá se
sentir seguro para confiar novamente no seu médico assistente. Atitudes sérias e
ágeis, corroboradas por membros da equipe médica, indicarão o sucesso da terapêutica
e fortalecerá a relação entre o cirurgião plástico e o seu paciente.
CONCLUSÃO
A ocorrência de perfuração em lipoaspiração, provavelmente, é mais significante do
que se evidencia estatisticamente. A divulgação sistemática de episódios
malsucedidos, pela mídia, parece contribuir para um baixo índice de relatos de casos
deste tipo.
É uma complicação grave, que exige acesso pleno a propedêutica, decisões e condutas
imediatas que podem evitar situações dramáticas e o óbito do paciente.
REFERÊNCIAS
1. Saldanha OR, Salles AG, Llaverias F, Saldanha Filho OR, Saldanha CB.
Fatores preditivos de complicações em procedimentos da cirurgia plástica -
sugestão de escore de segurança. Rev Bras Cir Plást. 2014; 29(1):105-13. DOI:
10.5935/2177-1235.2014RBCP0018.
2. Franco FF, Basso RCF, Tincani AJ, Kharmandayan P. Complicações em
lipoaspiração clássica para fins estéticos. Rev Bras Cir Plást. 2012;
27(1):135-40.
3. Graf R, Freitas RS, Maluf Júnior I, Ono MCC, Nasser I, Balbinot P,
Bigolin P, Lopes MAC, Itikawa WM. Profilaxia da síndrome de embolia gordurosa:
uma análise atual. Rev Bras Cir Plást. 2016; 31(3):436-41. DOI:
10.5935/2177-1235.2016RBCP0072.
4. Cupello AMB, Dornelas M, Aboudib Junior JH, Castro CC, Ribeiro LC,
Serra F. Intercorrências e óbitos em lipoaspiração: pesquisa realizada pela
comissão de lipoaspiração da SBCP. Rev Bras Cir Plást. 2015; 30(1):58-63.
DOI:10.5935/2177-1235.2015RBCP0117.
5. Farina Júnior JA, Nogueira FVM, Coelho GVBF, Silveira Júnior VF,
Andrade CZN, Hetem CMC. Lipoaspiração e embolia gordurosa. Revisão de
literatura. Rev Bras Cir Plást. 2015; 30(2):291-4. DOI:
10.5935/2177-1235.2015RBCP0157.
6. Avelar LET, Lapertosa L, Versiani MT. Óbitos pós-lipoaspiração. Rev
Bras Cir Plást. 2010; 25(supl):60.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde,
Suprema, Juiz de Fora, MG, Brasil.
3. Faculdade de Medicina de Barbacena, Barbacena,
MG, Brasil.
4. Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG,
Brasil.
Endereço Autor: Emiliano José Canton
Rua Padre Anchieta, nº48 sala 307 - Barbacena, MG, Brasil CEP 36200-036 E-mail:
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