INTRODUÇÃO
A aplicação de silicone líquido como preenchedor de partes moles foi, inicialmente,
relatada na literatura científica por Wegener, em 1957. Em 1965, Winer et
al. caracterizaram um tipo de reação de corpo estranho no tecido
mamário e na face de pacientes que receberam silicone injetável, e denominou
“siliconoma”1. Após evidências de
complicações locais e sistêmicas advindas da injeção de silicone em humanos, a
partir estudos da década de 1970, seu uso foi suspenso pelo FDA, nos Estados Unidos,
e pela DIMED, no Brasil2.
Atualmente, o silicone líquido industrial ainda é frequentemente utilizado, de forma
ilícita, por indivíduos que se anunciam na mídia virtual como profissionais
especialistas em estética, os quais realizam procedimentos em locais clandestinos
sem qualquer medida de cuidado com a segurança do paciente. As manifestações
clínicas decorrentes da administração subcutânea, intramuscular ou intravascular
inadvertida do silicone líquido, incluem: nódulos dolorosos, reação granulomatosa,
discromias, fibrose com calcificação, retrações cicatriciais, abscesso, fístula,
migração à distância, assimetrias corporais, necrose, ulceração, resposta
inflamatória sistêmica (associada ou não a infecção), pneumonite aguda e crônica,
linfadenopatia, embolização e óbito3.
Embora não exista um protocolo de abordagem sistematizada de tratamento do
siliconoma, recomenda-se sua ressecção cirúrgica, sendo, muitas vezes, necessários
procedimentos secundários para exérese ampla, além de prevenção e tratamento de
possíveis complicações associadas3-5.
O presente relato de caso estabelece uma discussão sobre a evolução clínica,
tratamentos realizados e sequelas decorrentes da aplicação de silicone líquido
industrial nas mamas realizada por esteticista.
RELATO DO CASO
Paciente 37 anos, sexo feminino, sem relato de morbidades prévias, comparece ao
serviço de mastologia do Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, apresentando nódulos
dolorosos palpáveis em ambas as mamas, principalmente nos polos inferiores, e
alteração do contorno das mamas após interrupção da amamentação do filho de 11
meses. Relata piora progressiva do quadro álgico e história de injeção de silicone
líquido industrial nas mamas, por esteticista, no interior da Bahia há cerca de 5
anos.
Foram realizadas mamografia e estudo de ressonância nuclear magnética (RNM) das mamas
(Figura 1), as quais evidenciaram: presença
de múltiplos nódulos de densidades heterogêneas, tamanhos variados e distribuídos
com padrão difuso bilateralmente, compatíveis com silicone intramamário.
Figura 1 - Mamografia e ressonância nuclear magnética das mamas, evidenciando
silicone intramamário.
Figura 1 - Mamografia e ressonância nuclear magnética das mamas, evidenciando
silicone intramamário.
Equipes da mastologia e da cirurgia plástica optaram pela mastectomia bilateral
simples seguida de reconstrução imediata com uso de implantes mamários texturizados
(400 cc), redondos e perfil alto, posicionados em plano submuscular por meio de
incisão em sulco inframamário (Figura 2).
Realizada desepidermização de pequena área peri e infra-areolar para ressecção do
excedente cutâneo e promover melhor acomodação tecidual. Durante acompanhamento
pós-operatório, evoluiu com necrose bilateral do complexo areolopapilar (CAP), sendo
necessário desbridamento cirúrgico e reconstrução com enxerto dermocutâneo extraído
da raiz da coxa perivulvar (Figura 3).
Figura 2 - Mastectomia bilateral seguido de reconstrução imediata.
Figura 2 - Mastectomia bilateral seguido de reconstrução imediata.
Figura 3 - Necrose bilateral do complexo aréolo-papilar e reconstrução com
enxerto dermo-cutâneo da raiz da coxa peri vulvar.
Figura 3 - Necrose bilateral do complexo aréolo-papilar e reconstrução com
enxerto dermo-cutâneo da raiz da coxa peri vulvar.
A paciente apresentou integração completa dos enxertos e evolução satisfatória (Figura 4). Foi mantido acompanhamento e discutida
possibilidade de cuidados adicionais para tratamento de cicatrizes alargadas e áreas
de discromia em ambos os CAP com objetivo de melhorar resultado estético.
Figura 4 - Pós-operatório de reconstrução do complexo aréolo-papilar.
Figura 4 - Pós-operatório de reconstrução do complexo aréolo-papilar.
DISCUSSÃO
A utilização clandestina de silicone líquido industrial (polidimetilsiloxano) em
humanos para mudança do contorno corporal ainda é frequente nos dias atuais, sendo
as principais vítimas mulheres e indivíduos transgêneros6. O quadro clínico pode se manifestar em fase aguda ou anos
após a realização do procedimento, sendo registrado período de latência de até 25
anos. Embora, no respectivo caso, a paciente tenha notado presença de nódulos
dolorosos nas mamas sem manifestações sistêmicas de maior gravidade após período
prolongado de latência, estudos prévios demonstraram que o tempo não caracteriza
fator que diminui o risco de complicações mais severas7.
O aumento na incidência de câncer de mama secundário à mastopatia pelo silicone
industrial permanece como tema controverso na literatura. Independentemente da
respectiva hipótese, em função da dificuldade de investigação diagnóstica por
métodos de imagem ou por meio de estudo histopatológico pós-biópsia aspirativa,
estudos sugerem a ocorrência de considerável proporção de resultados
falso-negativos8. Diante da incerteza da
neoplasia, além do risco potencial de piora do prognóstico ao se postergar o
tratamento, recomenda-se a abordagem cirúrgica precoce, sendo a mastectomia simples
seguida de reconstrução imediata considerada uma boa estratégia3,8.
A mastectomia subcutânea simples permite a remoção máxima de tecido mamário sobre
o
CAP, mantendo um retalho fino e com risco de comprometimento da vascularização
regional, isquemia e consequente necrose9. É
provável que a evolução do caso analisado para necrose total do CAP bilateralmente
tenha, também, como fatores contribuintes: o processo fibrótico desenvolvido nas
mamas e a mudança da arquitetura vascular secundários à mamoplastia redutora prévia
e ao próprio siliconoma, a necessidade de desepidermização e ressecção do excedente
cutâneo e o efeito compressivo dos implantes mamários sobre um retalho tecidual
fino.
A necrose total do CAP pode ser um evento catastrófico para a paciente e para o
cirurgião, necessitando muitas vezes de múltiplos procedimentos para se obter um
resultado satisfatório. Além do desbridamento do material necrótico e enxertia de
pele total, foi discutido com a paciente sobre a possibilidade de tatuagem para
correção das áreas de hipocromias. Embora não tenha sido verificada a presença
excessiva de pelos sobre a área enxertada durante o acompanhamento, é comum a
ocorrência desse tipo de alteração em enxertos colhidos da face interna da coxa,
podendo necessitar de depilação manual ou com auxílio de laser10.
O risco potencial de complicações severas pelo siliconoma proporciona aumento
importante do estresse psicológico da paciente, desde o diagnóstico até
acompanhamento pós-operatório. Foi necessária, no presente caso, uma abordagem
multidisciplinar pela mastologia, cirurgia plástica, enfermagem e psicologia para
oferecer uma terapêutica ampla, o que contribuiu para uma boa relação com a equipe,
uma boa adesão ao tratamento proposto e um resultado satisfatório.
CONCLUSÃO
A injeção de silicone líquido industrial nas mamas é um procedimento ilícito e com
risco potencial de complicações locais e sistêmicas graves. O tratamento envolve
múltiplas abordagens cirúrgicas e acompanhamento multidisciplinar.
REFERÊNCIAS
1. Winer L, Sternberg T, Lehman R, Ashley F. Tissue reactions to
injected silicone liquids. Arch Dermatol. 1964; 90:588-93.
2. Freitas RJ, Cammarosano MA, Rossi RHP, Bozola AR. Injeção ilícita de
silicone líquido: revisão de literatura a propósito de dois casos de necrose de
mamas. Rev Bras Cir Plást. 2008; 23(1):53-7.
3. Mello DF, Gonçalves KC, Fraga MF, Perin LF, Júnior AH. Local
complications after industrial liquid silicone injection - case series. Rev Col
Bras Cir. 2013; 40(1):37-42.
4. Carson B, Cox S, Ismael H. Giant siliconoma mimicking locally
advanced breast cancer: a case report and review of literature. Int J Surg Case
Rep. 2018; 48:54-60.
5. Chen TH. Silicone injection granulomas of the breast: treatment by
subcutaneous mastectomy and immediate subpectoral breast implant. Br J Plast
Surg. 1995; 48(2):71-6.
6. Chasan PE. The history of injectable silicone fluids for soft-tissue
augmentation. Plast Reconstr Surg. 2007; 120(7):2034-40; discussion
2041-3.
7. Camacho JP, Quiroz M, Subiabre R, Clderón W. Injerto
dermo-epidérmico como tratamiento del siliconoma de extremidad inferior. Rev
Chil Cir. 2018; 70(1):70-4.
8. Frisina AA, Pedrosa CF, Gomes KS. Paciente com siliconomas e sua
associação com tumores nas mamas. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;
20(2):117-9.
9. Ahn SJ, Woo TY, Lee DW, Lew DH, Song SY. Nipple-areolar complex
ischemia and necrosis in nipple-sparing mastectomy. Eur J Surg Onc; 2018. doi:
10.1016/j.ejso.2018.05.006.
10. Bodin F, Bruant-Rodier C, Ruffenach L, Dissaux C. La reconstruction
de l'aréole et du mamelon. Chir Plast Esth. Forthcoming; 2018.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG,
Brasil.
3. Sociedade Brasileira de Mastologia, São Paulo,
SP, Brasil.
Endereço Autor: Alexandre Alcides Mattos de
Meira Rua Aimorés, nº 2480 - 10º andar – Santo Agostinho – Belo
Horizonte, MG, Brasil CEP: 30140-072 E-mail:
alexandremeira@gmail.com