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Supplement Symposium Miner of Intercurrences 13th SYMPOSIUM - 2019 - Year2019 - Volume34 - (Suppl.2)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0119

RESUMO

A injeção de silicone líquido industrial nas mamas é um procedimento ilícito e que pode desencadear manifestações clínicas locais e sistêmicas de elevada gravidade para o paciente. As mulheres e indivíduos transgêneros correspondem às principais vítimas, podendo evoluir com: nodulações dolorosas, migração à distância, resposta inflamatória, ulceração, embolização e óbito. Embora não seja possível estabelecer uma relação causal entre a presença de siliconoma e o desenvolvimento de câncer de mama, estudos de imagem e histopatológicos podem não identificar com clareza um eventual tumor de origem neoplásica concomitante. Atualmente, não há protocolos de abordagem do siliconoma, porém, recomenda-se a ressecção cirúrgica quando possível, sendo geralmente necessária mastectomia simples seguida de reconstrução imediata. Reabordagens cirúrgicas podem ser necessárias para tratamento de complicações associadas. O presente trabalho apresenta um relato de caso de injeção de silicone líquido industrial nas mamas, realizado por esteticista, com repercussões locais severas para a paciente, e cujo tratamento envolveu procedimentos cirúrgicos secundários e acompanhamento por equipe multidisciplinar.

Palavras-chave: Óleos de silicone; Mama; Mastectomia; Reconstrução da mama


INTRODUÇÃO

A aplicação de silicone líquido como preenchedor de partes moles foi, inicialmente, relatada na literatura científica por Wegener, em 1957. Em 1965, Winer et al. caracterizaram um tipo de reação de corpo estranho no tecido mamário e na face de pacientes que receberam silicone injetável, e denominou “siliconoma”1. Após evidências de complicações locais e sistêmicas advindas da injeção de silicone em humanos, a partir estudos da década de 1970, seu uso foi suspenso pelo FDA, nos Estados Unidos, e pela DIMED, no Brasil2.

Atualmente, o silicone líquido industrial ainda é frequentemente utilizado, de forma ilícita, por indivíduos que se anunciam na mídia virtual como profissionais especialistas em estética, os quais realizam procedimentos em locais clandestinos sem qualquer medida de cuidado com a segurança do paciente. As manifestações clínicas decorrentes da administração subcutânea, intramuscular ou intravascular inadvertida do silicone líquido, incluem: nódulos dolorosos, reação granulomatosa, discromias, fibrose com calcificação, retrações cicatriciais, abscesso, fístula, migração à distância, assimetrias corporais, necrose, ulceração, resposta inflamatória sistêmica (associada ou não a infecção), pneumonite aguda e crônica, linfadenopatia, embolização e óbito3.

Embora não exista um protocolo de abordagem sistematizada de tratamento do siliconoma, recomenda-se sua ressecção cirúrgica, sendo, muitas vezes, necessários procedimentos secundários para exérese ampla, além de prevenção e tratamento de possíveis complicações associadas3-5.

O presente relato de caso estabelece uma discussão sobre a evolução clínica, tratamentos realizados e sequelas decorrentes da aplicação de silicone líquido industrial nas mamas realizada por esteticista.

RELATO DO CASO

Paciente 37 anos, sexo feminino, sem relato de morbidades prévias, comparece ao serviço de mastologia do Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, apresentando nódulos dolorosos palpáveis em ambas as mamas, principalmente nos polos inferiores, e alteração do contorno das mamas após interrupção da amamentação do filho de 11 meses. Relata piora progressiva do quadro álgico e história de injeção de silicone líquido industrial nas mamas, por esteticista, no interior da Bahia há cerca de 5 anos.

Foram realizadas mamografia e estudo de ressonância nuclear magnética (RNM) das mamas (Figura 1), as quais evidenciaram: presença de múltiplos nódulos de densidades heterogêneas, tamanhos variados e distribuídos com padrão difuso bilateralmente, compatíveis com silicone intramamário.

Figura 1 - Mamografia e ressonância nuclear magnética das mamas, evidenciando silicone intramamário.

Equipes da mastologia e da cirurgia plástica optaram pela mastectomia bilateral simples seguida de reconstrução imediata com uso de implantes mamários texturizados (400 cc), redondos e perfil alto, posicionados em plano submuscular por meio de incisão em sulco inframamário (Figura 2). Realizada desepidermização de pequena área peri e infra-areolar para ressecção do excedente cutâneo e promover melhor acomodação tecidual. Durante acompanhamento pós-operatório, evoluiu com necrose bilateral do complexo areolopapilar (CAP), sendo necessário desbridamento cirúrgico e reconstrução com enxerto dermocutâneo extraído da raiz da coxa perivulvar (Figura 3).

Figura 2 - Mastectomia bilateral seguido de reconstrução imediata.

Figura 3 - Necrose bilateral do complexo aréolo-papilar e reconstrução com enxerto dermo-cutâneo da raiz da coxa peri vulvar.

A paciente apresentou integração completa dos enxertos e evolução satisfatória (Figura 4). Foi mantido acompanhamento e discutida possibilidade de cuidados adicionais para tratamento de cicatrizes alargadas e áreas de discromia em ambos os CAP com objetivo de melhorar resultado estético.

Figura 4 - Pós-operatório de reconstrução do complexo aréolo-papilar.

DISCUSSÃO

A utilização clandestina de silicone líquido industrial (polidimetilsiloxano) em humanos para mudança do contorno corporal ainda é frequente nos dias atuais, sendo as principais vítimas mulheres e indivíduos transgêneros6. O quadro clínico pode se manifestar em fase aguda ou anos após a realização do procedimento, sendo registrado período de latência de até 25 anos. Embora, no respectivo caso, a paciente tenha notado presença de nódulos dolorosos nas mamas sem manifestações sistêmicas de maior gravidade após período prolongado de latência, estudos prévios demonstraram que o tempo não caracteriza fator que diminui o risco de complicações mais severas7.

O aumento na incidência de câncer de mama secundário à mastopatia pelo silicone industrial permanece como tema controverso na literatura. Independentemente da respectiva hipótese, em função da dificuldade de investigação diagnóstica por métodos de imagem ou por meio de estudo histopatológico pós-biópsia aspirativa, estudos sugerem a ocorrência de considerável proporção de resultados falso-negativos8. Diante da incerteza da neoplasia, além do risco potencial de piora do prognóstico ao se postergar o tratamento, recomenda-se a abordagem cirúrgica precoce, sendo a mastectomia simples seguida de reconstrução imediata considerada uma boa estratégia3,8.

A mastectomia subcutânea simples permite a remoção máxima de tecido mamário sobre o CAP, mantendo um retalho fino e com risco de comprometimento da vascularização regional, isquemia e consequente necrose9. É provável que a evolução do caso analisado para necrose total do CAP bilateralmente tenha, também, como fatores contribuintes: o processo fibrótico desenvolvido nas mamas e a mudança da arquitetura vascular secundários à mamoplastia redutora prévia e ao próprio siliconoma, a necessidade de desepidermização e ressecção do excedente cutâneo e o efeito compressivo dos implantes mamários sobre um retalho tecidual fino.

A necrose total do CAP pode ser um evento catastrófico para a paciente e para o cirurgião, necessitando muitas vezes de múltiplos procedimentos para se obter um resultado satisfatório. Além do desbridamento do material necrótico e enxertia de pele total, foi discutido com a paciente sobre a possibilidade de tatuagem para correção das áreas de hipocromias. Embora não tenha sido verificada a presença excessiva de pelos sobre a área enxertada durante o acompanhamento, é comum a ocorrência desse tipo de alteração em enxertos colhidos da face interna da coxa, podendo necessitar de depilação manual ou com auxílio de laser10.

O risco potencial de complicações severas pelo siliconoma proporciona aumento importante do estresse psicológico da paciente, desde o diagnóstico até acompanhamento pós-operatório. Foi necessária, no presente caso, uma abordagem multidisciplinar pela mastologia, cirurgia plástica, enfermagem e psicologia para oferecer uma terapêutica ampla, o que contribuiu para uma boa relação com a equipe, uma boa adesão ao tratamento proposto e um resultado satisfatório.

CONCLUSÃO

A injeção de silicone líquido industrial nas mamas é um procedimento ilícito e com risco potencial de complicações locais e sistêmicas graves. O tratamento envolve múltiplas abordagens cirúrgicas e acompanhamento multidisciplinar.

REFERÊNCIAS

1. Winer L, Sternberg T, Lehman R, Ashley F. Tissue reactions to injected silicone liquids. Arch Dermatol. 1964; 90:588-93.

2. Freitas RJ, Cammarosano MA, Rossi RHP, Bozola AR. Injeção ilícita de silicone líquido: revisão de literatura a propósito de dois casos de necrose de mamas. Rev Bras Cir Plást. 2008; 23(1):53-7.

3. Mello DF, Gonçalves KC, Fraga MF, Perin LF, Júnior AH. Local complications after industrial liquid silicone injection - case series. Rev Col Bras Cir. 2013; 40(1):37-42.

4. Carson B, Cox S, Ismael H. Giant siliconoma mimicking locally advanced breast cancer: a case report and review of literature. Int J Surg Case Rep. 2018; 48:54-60.

5. Chen TH. Silicone injection granulomas of the breast: treatment by subcutaneous mastectomy and immediate subpectoral breast implant. Br J Plast Surg. 1995; 48(2):71-6.

6. Chasan PE. The history of injectable silicone fluids for soft-tissue augmentation. Plast Reconstr Surg. 2007; 120(7):2034-40; discussion 2041-3.

7. Camacho JP, Quiroz M, Subiabre R, Clderón W. Injerto dermo-epidérmico como tratamiento del siliconoma de extremidad inferior. Rev Chil Cir. 2018; 70(1):70-4.

8. Frisina AA, Pedrosa CF, Gomes KS. Paciente com siliconomas e sua associação com tumores nas mamas. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005; 20(2):117-9.

9. Ahn SJ, Woo TY, Lee DW, Lew DH, Song SY. Nipple-areolar complex ischemia and necrosis in nipple-sparing mastectomy. Eur J Surg Onc; 2018. doi: 10.1016/j.ejso.2018.05.006.

10. Bodin F, Bruant-Rodier C, Ruffenach L, Dissaux C. La reconstruction de l'aréole et du mamelon. Chir Plast Esth. Forthcoming; 2018.











1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Minas Gerais, MG, Brasil.
2. Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3. Sociedade Brasileira de Mastologia, São Paulo, SP, Brasil.

Endereço Autor: Alexandre Alcides Mattos de Meira Rua Aimorés, nº 2480 - 10º andar – Santo Agostinho – Belo Horizonte, MG, Brasil CEP: 30140-072 E-mail: alexandremeira@gmail.com

 

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