INTRODUÇÃO
As deiscências são complicações frequentes nas abordagens de contorno abdominal1. Quando maiores, podem resultar de tensão ou
necrose marginal da lesão, ocorrendo principalmente na parte distal dos retalhos,
próximos a linha média1. Os pacientes
pós-cirurgias bariátricas possuem um risco ainda maior de complicações2. Na literatura, a grande maioria das
deiscências tem conduta conservadora, aguardando uma cicatrização por segunda
intenção1,2. Quando esta não é possível, uma enxertia cutânea pode ser
necessária1,2. O avanço adicional do retalho é pouco
indicado e raramente possível1.
A terapia de pressão negativa já é consagrada para tratamento de feridas
complexas3. Seu mecanismo de ação envolve
um ambiente ideal para a ferida com aumento do fluxo sanguíneo no leito, melhora da
angiogênese com aumento do tecido de granulação, redução de edema, estímulo à
contração da ferida, e diminuição de diâmetro além da redução da colonização
bacteriana3,4. Suas propriedades podem trazer benefícios e
tornarem-se alternativas nos tratamentos de deiscências em abdominoplastia de
pacientes após perda ponderal.
OBJETIVO
Este trabalho objetiva demonstrar o uso de terapia de pressão negativa com fechamento
primário retardado como uma alternativa à cicatrização por segunda intenção na
abordagem de deiscências pós-dermolipectomia abdominal.
RELATO DE CASO
Paciente, gênero feminino, 53 anos, submetida à cirurgia bariátrica com perda
ponderal de 30 kg em 2016. Apresentava peso inicial de 100 kg, IMC de 37,18. Após
dois anos, procurou a equipe de cirurgia plástica para tratamento da deformidade de
contorno abdominal já com peso estabilizado de 70 kg e IMC de 26,02.
Paciente diabética, insulinodependente, hipertensa e dislipidêmica. Negava alergias.
Tabagista há 19 anos/maço. Ao exame, apresentava-se corada, hidratada, em bom estado
geral, sendo observada lipodistrofia abdominal com abdome em avental, múltiplas
estrias, diástase abdominal e hérnia em região umbilical de médio volume. Presença
de cicatriz
supraumbilical mediana de colecistectomia e cicatrizes da abordagem
videolaparoscópica da bariátrica (Figuras 1 e
2).
Figura 1 - Pré-operatório – visão frontal e oblíqua.
Figura 1 - Pré-operatório – visão frontal e oblíqua.
Figura 2 - Pré-operatório – visão frontal e oblíqua.
Figura 2 - Pré-operatório – visão frontal e oblíqua.
Foi proposta, pela equipe de cirurgia geral, a dermolipectomia abdominal em âncora
para tratamento da deformidade circunferencial do contorno abdominal, com tratamento
da diástase abdominal e neo-onfaloplastia em abordagem simultânea à hernioplastia.
A
paciente foi liberada com as orientações pré-operatórias que incluíram a abstinência
do tabagismo por, pelo menos, 30 dias antes da cirurgia.
Em 25/01/2019, a paciente foi submetida ao tratamento proposto com realização de
dermolipectomia abdominal em âncora com a neo-onfaloplastia proposta por
Donnabella5. Foram realizados pontos de
Baroudi em toda a extensão da ferida cirúrgica fixando os retalhos à aponeurose
abdominal, e não foram utilizados drenos. Os procedimentos tiveram duração total de
150 minutos, sendo 40 destes correspondentes à abordagem da hérnia pela cirurgia
geral. Realizou-se antibioticoprofilaxia peroperatória, e para prevenção de
fenômenos tromboembólicos foram utilizadas meias elásticas e compressor pneumático
intermitente durante todo o ato cirúrgico, além de quimioprofilaxia com enoxaparina
40 mg, por 7 dias, iniciada 9 horas após o procedimento.
A paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta no primeiro dia de
pós-operatório, após ser submetida à drenagem linfática e colocação da malha de
compressão cirúrgica. Foi orientada a não molhar o local da incisão por 48 horas,
período a partir do qual foi liberado o banho.
No primeiro retorno, com 5 dias de pós-operatório, apresentava boa evolução das
feridas operatórias, sem secreções, sem áreas de sofrimento cutâneo e sem sinais de
coleções. Porém, iniciou com pápulas pruriginosas e hiperemiadas em toda a extensão
de contato da malha cirúrgica, quadro sugestivo de dermatite de contato. Foi
orientada para uso de uma blusa de algodão sob a malha e observação da evolução por
48 horas. Como não houve resolução do quadro, com 7 dias de pós-operatório, a
paciente cessou o uso de malha cirúrgica e foi orientada para uso de peça íntima
maior e mais justa no local.
Três dias após, com dez dias de pós-operatório, a paciente entrou em contato
informando que ocorrera drenagem de secreção serosa pela cicatriz umbilical e região
infraumbilical, em moderada quantidade, de forma espontânea. Ao exame, foi
identificada pequena deiscência de sutura infraumbilical com drenagem de secreção
serosa.
Evoluiu com hiperemia perilesional e espessamento da secreção, sendo iniciada
antibioticoterapia oral com amoxicilina+clavulanato. Houve melhora progressiva do
volume da drenagem, mas apresentou aumento da área de deiscência para cerca de 5 cm
em região infraumbilical, sendo orientada a realizar curativo local com hidrogel,
duas vezes ao dia.
Em 15/02/19, com 21 dias de pós-operatório, apresentou dor abdominal recorrente e
ao
exame verificamos persistência de secreção purulenta na ferida, apesar da
antibioticoterapia. Além da deiscência, era possível verificar pouca cicatrização
da
área profunda dos retalhos, com grande área de solapamento. Devido ao quadro
clínico, comorbidades da paciente e ausência de resolução completa com
antibioticoterapia oral, optamos por internação hospitalar para antibioticoterapia
venosa. Na admissão, já foi realizada limpeza da parede com solução fisiológica
através da área de deiscência e mantido curativo com hidrogel. A revisão
laboratorial mostrava aumento no número de bastonetes e elevação da proteína C
reativa.
Diante das comorbidades da paciente, da cicatrização profunda encontrar-se
insatisfatória e da declaração que, ao invés de cessar o tabagismo, a paciente havia
apenas reduzido o número de cigarros por dia, os autores sentiram necessidade de
associar tratamento que estimulasse melhora local da ferida. A opção de aguardar a
cicatrização por segunda intenção aparentou ser mais mórbida, assim como a enxertia
com necessidade de área doadora. Portanto, foi solicitada terapia por pressão
negativa para cobertura da ferida visando à melhora da vascularização, diminuição
do
edema e mobilização dos retalhos locais.
Após cinco dias de internação, já com melhora laboratorial e sem secreção purulenta
ao exame, a paciente foi submetida à abordagem cirúrgica do ferimento. Realizou-se
limpeza com soro fisiológico a 0,9%, de forma repetida, e desbridamento das bordas
da área de deiscência. Algumas regiões receberam sutura simples para reforçar a
proteção das áreas com perideiscência. Mantinha um descolamento profundo (Figura 3) no qual foi posicionado curativo com
espuma hidrofóbica de poliuretano, seguido de película adesiva e instalação do
sistema de terapia negativa contínua, 125 mmHg, com reservatório
(Renasys®, Smith e Nephew). Manteve-se com o mesmo curativo
por sete dias, quando foi levada novamente ao bloco cirúrgico.
Figura 3 - Intraoperatório demonstrando que, apesar da deiscência relativamente
simples na superfície, a pinça cirúrgica foi introduzida em metade de
seu comprimento na parte profunda da ferida, demonstrando a pouca
cicatrização profunda do retalho.
Figura 3 - Intraoperatório demonstrando que, apesar da deiscência relativamente
simples na superfície, a pinça cirúrgica foi introduzida em metade de
seu comprimento na parte profunda da ferida, demonstrando a pouca
cicatrização profunda do retalho.
Na primeira troca do curativo, apresentava melhora significativa da granulação da
ferida, melhor aderência do retalhos ao plano profundo, sem drenagem significativa
de secreções, e melhora do edema perilesional, sendo possível, portanto, avanço
bilateral dos retalhos e fechamento primário retardado de toda a área de deiscência
de forma segura e sem tensão (Figura 4). Os
autores optaram pela colocação do dispositivo de pressão negativa sobre a ferida
suturada e o mantiveram por mais sete dias.
Figura 4 - Resultado imediato intraoperatório após fechamento de toda área de
deiscência inicial. Em região de cicatriz umbilical foi posionado
curativo de gaze com petrolato.
Figura 4 - Resultado imediato intraoperatório após fechamento de toda área de
deiscência inicial. Em região de cicatriz umbilical foi posionado
curativo de gaze com petrolato.
A paciente apresentou boa evolução clínica, sem intercorrências, com normalização
dos
exames laboratoriais e completou 14 dias de antibioticoterapia guiada por cultura.
Recebeu alta hospitalar após retirada da terapia de pressão negativa, com orientação
de uso de óleo de girassol, duas vezes ao dia, nas cicatrizes.
Nos retornos pós-operatórios até 30 dias da última abordagem, a paciente apresentou
boa evolução clínica, sem novas intercorrências e exibindo cicatrizes cirúrgicas em
bom aspecto, lineares e sem alargamentos significativos (Figuras 5 e 6).
Figura 5 - Pós-operatório de 30 dias – visão frontal e oblíqua.
Figura 5 - Pós-operatório de 30 dias – visão frontal e oblíqua.
Figura 6 - Pós-operatório de 30 dias – visão frontal e oblíqua.
Figura 6 - Pós-operatório de 30 dias – visão frontal e oblíqua.
DISCUSSÃO
Seroma, infecção e deiscência são complicações frequentes em procedimentos
cirúrgicos, com índices particularmente elevados em paciente obesos e
diabéticos4. O tabagismo também aparece
como fator de risco para complicações1. A
paciente do caso apresentado, além do diabetes, não seguiu as orientações
pré-operatórias e manteve o tabagismo.
Os autores acreditam que sem a compressão da malha a paciente desenvolveu um seroma,
com drenagem espontânea, que evoluiu com deiscência e infecção local,
desenvolvimento facilitado pelas comorbidades da paciente.
O uso da terapia de pressão negativa já é descrita pela literatura como opção em
feridas complexas, e se encaixou com uma boa opção do caso relatado. Como não houve
instalação de necrose e as complicações não sugeriam uma etiologia de tensão em
excesso, o fechamento primário retardado era desejado.
Portanto, o avanço adicional que tem seu processo dificultado na maior parte dos
casos1, era uma possibilidade, caso a
terapia de pressão negativa trouxesse boa reposta.
Clinicamente, a melhora observada na primeira troca da paciente reflete os benefícios
da terapia, já descritos na literatura, como a melhora de fluxo sanguíneo local, a
melhora do edema e desenvolvimento do tecido de granulação3,4.
A decisão de manter a terapia de pressão negativa após o fechamento da ferida, com
avanço dos retalhos, é respaldada na literatura, e mostra que, se utilizada de forma
profilática, pode diminuir o risco de infecção e seroma4.
A sua utilização, inclusive, traz menor tensão na linha de sutura e menores taxas
de
deiscências em feridas operatórias4,6.
CONCLUSÃO
O caso relatado demonstra que a terapia de pressão negativa pode ser uma alternativa
segura para o tratamento de deiscências pós-dermolipectomias abdominais,
principalmente quando uma mobilização adicional do retalho é desejada para um
fechamento mais precoce e seguro.
REFERÊNCIAS
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(ed.). Plastic Surgery: Aesthetic. Elsevier; 2013; 530-58.
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20:1-3.
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management of diabetic foot wounds: a review of the mechanism of action,
clinical applications, and recent developments. Diabet Foot Ankle. 2015 Jul;
6:27618. doi: 10.3402/dfa.v6.27618. eCollection 2015.
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Sorensen JA, Mogensen O, Lamont RF, Bille C. Meta-analysis of negative-pressure
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doi: 10.1002/bjs.10084.
5. Donnabella A. Reconstrução anatômica da cicatriz umbilical. Rev Bras
Cir Plast. 2013; 28(1):119-23.
6. Strugala V, Martin R. Meta-analysis of comparative trials evaluating
a prophylactic single-use negative pressure wound therapy system for the
prevention of surgical site complications. Surg Infect. 2017 Oct;
18(7):810-9.
1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
2. BIOCOR Instituto, Nova Lima, MG,
Brasil.
Endereço Autor: Lívia Neffa Alameda da
Serra, nº891, Sala 810 - Nova Lima, MG, Brasil CEP: 34000-000 E-mail:
dralivianeffa@gmail.com