INTRODUÇÃO
A reconstrução craniofacial pode envolver muitas vezes áreas extensas de defeitos
ósseos em regiões mal vascularizadas, especialmente depois de operações ou
radioterapia. Em tais casos, a sobrevida dos enxertos ósseos poderá estar
comprometida mesmo em curto prazo. Nos casos de reconstrução mandibular, temos
observado que a utilização de tecido ósseo vascularizado tem oferecido resultados
muito superiores. O suprimento vascular intrínseco assegura sobrevida do enxerto
ósseo e pronta cicatrização11-13. Uma vez que as
células permanecem viáveis, o osso cicatriza da mesma forma que uma fratura, ao
invés de passar por um processo tênue e lento de substituição14. No presente caso, descrevemos a reconstrução mandibular
utilizando enxerto de fíbula.
OBJETIVO
Demonstrar a ténica de reconstrução de mandíbula com retalho microcirúrgico de fíbula
por abordagem lateral e discutir outras alternativas de tratamento.
MÉTODO
EVS, masculino, 58 anos, portador de ameloblastoma de mandíbula. Após avalição
pré-operatória; foi submetido a ressecção de cerca de 13 cm do segmento mandibular,
preservando a região do côndilo. Como medida de segurança oncológica, submeteu-se
à
reconstrução tardiamente, tendo permanecido por um tempo superior a 6 meses com
placa de reconstrução para estabilização da mandíbula e preservação do contorno da
face.
A técnica de reconstrução foi realizada como se segue: após a incisão cutânea na face
lateral da perna e confecção de dois retalhos dermocutâneos que permitam a exposição
da região lateral da perna – loja fibular, foram identificados pequenos ramos
cutâneos que foram cauterizados. Ramos perfurantes fasciocutâneos foram ligados e
o
septo foi separado da borda posterior da fíbula. A dissecção continua separando os
músculos peroneiros, deixando uma porção de 1-3 mm de músculo e o músculo sóleo. A
dissecção então seguiu em direção ao septo intermuscular anterior, separando os
músculos peroneiros dos músculos extensores, e separando os extensores da membrana
interóssea. A dissecção então foi realizada posteriormente em direção à fíbula,
deixando outra porção de 1 cm do músculo flexor do hálux com os vasos peroneiros
associados. A quantidade de osso requerida é calculada por meio do molde
tridimensional obtido por computação gráfica pela equipe da bucomaxilofacial
responsável pelo acompanhamento do caso. A osteotomia foi então executada subtraindo
o segmento fibular (Figura 1). A fim de
proteger os vasos peroneiros durante as osteotomias, afastadores maleáveis foram
posicionados adjacentes à fíbula na sua superfície medial. Cortes proximal e distal
foram feitos. Os vasos peroneiros foram identificados e ligados ao nível da
osteotomia distal. A extremidade distal da fíbula foi tracionada lateralmente e
posteriormente e a membrana interóssea incisada medialmente aos vasos peroneiros
iniciando no ponto distal. Conexões adicionais com o flexor longo do hálux e os
músculos tibiais posteriores na superfície posteromedial da fíbula foram
seccionados, deixando uma porção de 1 cm. Os vasos peroneiros foram então seguidos
até sua origem junto aos vasos tibiais posteriores. É recomendado que se observe a
perfusão do segmento ósseo, desinflando o torniquete, antes da ligadura do
pedículo9. O paciente permaneceu 7 dias
internado, sob contínuas monitoração e hidratação, a fim de prevenir trombose e
infecção. O follow-up do segmento transplantado foi realizado por
meio de eco-Doppler e tomografias de face, até a liberação para a equipe da
bucomaxilofacial; responsável pela colocação dos enxertos osseointegrados (Figura 2).
Figura 1 - Transoperatório da dissecção do retalho microcirúrgico de
fíbula.
Figura 1 - Transoperatório da dissecção do retalho microcirúrgico de
fíbula.
Figura 2 - Impressão tridimensional, reconstrução de mandíbula com retalho
microcirúrgico de fíbula customizado.
Figura 2 - Impressão tridimensional, reconstrução de mandíbula com retalho
microcirúrgico de fíbula customizado.
RESULTADOS
Não foi observada necrose ou infecção do retalho microcirúrgico transplantado,
monitorado por meio de eco-Doppler durante os dias de internação. Houve edema
importante na face, que começou a regredir após cerca de 7 dias. O acompanhamento
do
segmento ósseo transplantado por meio de estudos seriados topográficos identificou
boa coartação óssea, sem evidência de reabsorção. O tempo de seguimento foi de 6
meses.
DISCUSSÃO
Várias regiões têm sido utilizadas como zonas doadoras para reconstrução mandibular,
incluindo a crista ilíaca, o arcabouço costal, a espinha da escápula, o segundo
metatarsiano, o rádio e a fíbula.
A abordagem lateral com a criança em posição supina é mais apropriada, permitindo
a
dissecção de uma elipse de pele quando necessário. A elipse de pele pre ser
utilizada para preenchimento do assoalho da língua. Outras vantagens são rápida
dissecção e menor probabilidade de lesão do nervo peroneiro superficial como na
abordagem anterior. A principal desvantagem é a necessidade de iniciar a dissecção
proximal, na qual os vasos peroneiros estão localizados profundamente no septo
intermuscular. É importante em crianças preservar ao menos os 4 cm distais da fíbula
e executar uma sinostose tíbia-fíbula a fim de prevenir deformidade em valgo.
A reconstrução anatômica da mandíbula representa um desafio para o cirurgião devido
à
sua complexidade da função da mandíbula e as peculiaridades do tratamento das lesões
cérvico-fasciais10. Os retalhos de crista
íliaca e fíbula proporcionam maior quantidade óssea10. Normalmente, são os escolhidos no tratamento quando se encontra
lesões de mandíbula extensa, como no caso apresentado.
A fíbula é considerada versátil, preferida por alguns autores se houver reconstrução
anterior de mandíbula. O seu rico cumprimento ósseo e vascularização permitem
remodelamento por meio de múltiplas osteotomias11. Proporciona até 25 cm de osso bicortical uniforme; já o pedículo, em
geral, 8 cm. Apresenta a vantagem de permitir atuação simultânea de duas equipes,
dissecção do retalho e a ressecção oncólogica10. Desde que se preserve a continuidade da porção cortical interna, a
fíbula por ser moldável; a fim de trazer o pedículo vascular13. Os implantes osteointegrados tendem a permanecer mais
firmes, uma vez que o tecido ósseo é mais rígido13.
Nesse contexto, a abordagem lateral utiliza o septo intermuscular posterior entre
os
músculos peroneiros anteriormente e o músculo sóleo posteriormente, como plano de
secção da fíbula. Para demarcar o retalho, uma linha é desenhada desde a porção
cefálica da tíbia até o maléolo lateral, indicando o curso submuscular subcutâneo
da
fíbula. O ponto médio dessa linha é demarcado, indicando a posição aproximada dos
vaso nutridor15. Esse vaso é considerado como
o ponto central do segmento ósseo doador. Outra linha é desenhada ao longo da borda
lateral dos músculos peroneiros – septo intermuscular posterior.
CONCLUSÃO
O principal objetivo da reconstrução mandibular é a reparação da dentição e função
mastigatória. Os resultados podem ser avaliados segundo aspectos estéticos como
simetria facial, assim como funcional, mastigação, fala e deglutição11. Nesse contexto, o resultado desse caso
corroborou com o demonstrado em evidências, uma vez que evidenciou a reconstrução
de
mandíbula com enxerto ósseo de fíbula como uma boa técnica operatória.
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Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias
Kolling Avenida Alberto Bins, nº 456 - Centro Histórico, Porto
Alegre, RS, Brasil CEP 90030-140 E-mail:
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