INTRODUÇÃO
O carcinoma de células escamosas é a neoplasia maligna mais frequente dos lábios,
localizando-se no lábio inferior, em cerca de 90% dos casos, em virtude da maior
exposição cumulativa à radiação ultravioleta, o principal fator etiopatogênico1,2. Outros possíveis fatores favorecedores são os hábitos de tabagismo e
álcool, a imunossupressão e a infecção crônica pelo papilomavírus humano. O
tratamento de primeira linha é a excisão cirúrgica, com margem livre adequada. Tendo
em conta a importância funcional e estética dos lábios, a reconstrução dos defeitos
resultantes constitui um desafio, estando descritos vários procedimentos
reconstrutivos, sendo necessário selecionar de acordo com a dimensão e localização
do defeito, com as características específicas do doente (comorbidades) e com a
experiência do cirurgião3-5.
Para pequenos tumores, a abordagem cirúrgica é a preferida, já que permite bons
resultados estéticos e funcionais, assim como a análise histológica da peça
operatória, permitindo assim verificar se a exérese tumoral foi completa, ao
contrário do tratamento com radioterapia. Frequentemente, a técnica mais realizada
é
a excisão em cunha, com fechamento do defeito de forma direta. No caso de tumores
que, após a excisão cirúrgica, originam defeitos superiores a 50% do comprimento
labial, outras técnicas são utilizadas, como os retalhos de Karapandzic6-8 e de Bernard-Webster9,10.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo é apresentar um caso clínico de carcinoma escamoso em lábio
inferior, com reconstrução após ressecção oncológica, sendo realizada por meio da
técnica de Bernard-Webster.
MÉTODO
Apresentado um caso clínico de paciente atendido no ambulatório de cirurgia plástica
do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre – UFSCPA no ano de 2018.
Revisão da literatura no PubMed e Scielo, utilizando as palavres-chave: “retalho de
Bernard-Webster”, “carcinoma epidermoide” e “lábio inferior”.
RESULTADOS
CS, 45 anos, sem comorbidades, encaminhado para o Serviço de Cirurgia Plástica da
Santa Casa de Porto Alegre por lesão ulcerada em lábio inferior à direita de
aproximadamente 3 × 2 cm . Relatou queimadura no local há 18 anos, com
surgimento e progressão da lesão há cerca de 6 anos. Realizou biópsia com resultado
de material ceratótico e paraceratótico – cauterização da lesão na época. Foi
realizada nova biópsia no ano de 2018, tendo como resultado do exame o diagnóstico
de carcinoma epidermoide bem diferenciado.
Após discussão em equipe, foi indicada ressecção da lesão em bloco do lábio inferior,
com margem cirúrgica oncológica de 1 cm, resultando em defeito de 4,5 × 2,6
cm. Reconstrução do lábio inferior com retalho de Bernard-Webster foi efetuada sem
complicações. Anatomopatológico confirmou o diagnóstico de carcinoma epidermoide,
com limites cirúrgicos livres de neoplasia (Figuras 1-3).
Figura 1 - Pré-operatório.
Figura 1 - Pré-operatório.
Figura 2 - Transoperatório.
Figura 2 - Transoperatório.
Figura 3 - Resultado final.
Figura 3 - Resultado final.
No acompanhamento realizado pela equipe, no momento de 2 meses de pós-operatório,
paciente apresenta mobilidade oral, sensibilidade no pós-operatório, cicatrização
e
sem alterações para continência bucal.
DISCUSSÃO
A excisão cirúrgica com margens livres de neoplasia é o tratamento e escolha para
o
CEC de lábio inferior, pois essa modalidade terapêutica está associada a uma livre
de doença9.
O retalho de Bernard-Webster, é um retalho regional que pode tanto ser aplicado em
defeitos de espessura total extensos (comprometimento > um terço do lábio
inferior)1-3, incluindo defeitos com lábio residual
limitado, pois não depende do tecido labial remanescente para a reconstrução de um
novo lábio inferior, quanto para defeitos em que apenas a pele foi excisada3. Ademais, o avanço do retalho malar reduz
consideravelmente o risco de microstomia1,2,6 e tal retalho tem sido
considerado como ideal para idosos, devido à flacidez da pele e também para aqueles
pacientes que utilizam próteses dentárias.
As desvantagens do retalho de Bernard-Webster incluem o detalhe da incisão na região
do lábio inferior e o apagamento do sulco alveolobucal. Além disso, de acordo com
as
manobras cirúrgicas detalhadas no manuscrito seminal de Webster12, os músculos orbicular e bucinador devem ser incisados
lateralmente à comissura bucal e, portanto, poucas fibras musculares permanecem
inervadas. Logo, o período pós-operatório dos pacientes reconstruídos com tal
abordagem pode ser acompanhado por déficits funcionais, tais como lábios
incontinentes para líquidos. Como a continência oral é determinada pela contração
do
músculo orbicular oral e pela função de outros músculos inseridos no modíolo, foram
propostas modificações técnicas (preservar os músculos que constituem o modíolo,
especialmente o músculo orbicular oral) para o retalho detalhado por Webster13, afirmando que assim a inervação do lábio
inferior seria completamente preservada.
CONCLUSÃO
O presente relato de caso demonstrou que o retalho de Bernard-Webster representa uma
excelente alternativa para a reconstrução de defeitos de espessura total maiores que
um terço do comprimento do lábio inferior após excisão cirúrgica de CEC, pois pode
ser realizado em tempo único, utiliza tecidos vizinhos semelhantes e foi
funcionalmente eficaz.
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13. Neligan P. Plastic Surgery. Craniofacial, Head and neck Surgery. 3
ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2015. p. 260-80.
1. Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil.
2. Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS,
Brasil.
Endereço Autor: Thiago Melo de Souza Avenida Chuí,
nº 254 - Cristal, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90820-080 E-mail:
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