INTRODUÇÃO
As neoplasias malignas representam a principal causa de reconstrução plástica na
região orbital da face humana1. Aproximadamente 5-10% dos cânceres de pele ocorrem na região da
pálpebra2. Dentro das neoplasias malignas,
o carcinoma basocelular (CBC) é o tumor mais comum nessa topografia3. Em 59% dos pacientes a lesão afeta
a pálpebra inferior, em 22% o canto medial, 14% pálpebra superior e 5% canto
externo4.
A excisão cirúrgica completa com margem de 3-4 mm é o tratamento base da doença3,5. A recorrência pode chegar a 7-14% dos casos, aumentando assim o risco
oncológico do paciente5.
Reconstrução ocular da pálpebra após excisão tumoral é um procedimento complexo por
causa de sua função primordial e papel central na aparência3. O cirurgião deve escolher entre diversas técnicas para
corrigir o déficit, dependendo da sua localização, profundidade e tamanho. Busca-se
na reconstrução de pálpebra, após a excisão do carcinoma, a proteção da córnea, a
integridade de estruturas, preservação da função motora e resultado estético
apropriado3.
OBJETIVO
Relatar um caso clínico exuberante e atípico que foi resultado de uma ressecção
extensa e delicada de lesão e, após reconstrução palpebral com retalho
temporofrontal, resultou na manutenção da estética e função motora.
MÉTODO
Descrição do caso por meio de revisão de prontuário, registros fotográficos e revisão
da literatura.
RESULTADOS
O procedimento ocorreu sem intercorrências, sem complicações e foi bem tolerado pelo
paciente durante o pós-operatório. Não foram observados sofrimentos do retalho nem
hematomas; retirou-se o curativo de Brown em 5 dias após cirurgia, com boa
integração do enxerto (Figura 5). O paciente,
durante as duas primeiras semanas de pós-operatório, passou a deambular com auxílio
de muletas. O anatomopatológico evidenciou CEC invasivo com comprometimento profundo
e com margens livres periféricas na mostra.
Figura 1 - Paciente com lesão suspeita em canto lateral de olho esquedo,
acometendo pálpebra superior e inferior. Área de comprometimento
aproximado de 50% na pálpebra superior e 70% na inferior. A: vista
frontal; B: vista 45º; C: vista aproximada com pálpebras fechadas; D:
vista aproximada pálpebras abertas.
Figura 1 - Paciente com lesão suspeita em canto lateral de olho esquedo,
acometendo pálpebra superior e inferior. Área de comprometimento
aproximado de 50% na pálpebra superior e 70% na inferior. A: vista
frontal; B: vista 45º; C: vista aproximada com pálpebras fechadas; D:
vista aproximada pálpebras abertas.
Figura 2 - Período intraoperatório. A: ressecção da lesão de pálpebra superior e
inferior, com retirada de lamela anterior e posterior; B: Em destaque,
glândula lacrimal, macroscopicamente livre de comprometimento
neoplásico; C: Avanço de retalho de conjuntiva, para reconstrução de
lamela posterior de pálpebra superior; D: reconstrução da lamela
posterior da pálpebra superior com retalho de conjuntiva e da lamela
inferior com cartilagem de tarso de pálpebra superior
contralateral.
Figura 2 - Período intraoperatório. A: ressecção da lesão de pálpebra superior e
inferior, com retirada de lamela anterior e posterior; B: Em destaque,
glândula lacrimal, macroscopicamente livre de comprometimento
neoplásico; C: Avanço de retalho de conjuntiva, para reconstrução de
lamela posterior de pálpebra superior; D: reconstrução da lamela
posterior da pálpebra superior com retalho de conjuntiva e da lamela
inferior com cartilagem de tarso de pálpebra superior
contralateral.
Figura 3 - Confecção de retalho cutâneo de rotação baseado na vascularização da
artéria temporal superficial esquerda.
Figura 3 - Confecção de retalho cutâneo de rotação baseado na vascularização da
artéria temporal superficial esquerda.
Figura 4 - 1º dia pós-operatório. Discreto edema na região do retalho. Área
secundária com enxerto de pele coberta com curativo de Brown.
Figura 4 - 1º dia pós-operatório. Discreto edema na região do retalho. Área
secundária com enxerto de pele coberta com curativo de Brown.
Figura 5 - A: 7º dia pós-operatório; B: 40º dia pós-operatório; C: 100º dia
pósoperatório.
Figura 5 - A: 7º dia pós-operatório; B: 40º dia pós-operatório; C: 100º dia
pósoperatório.
O paciente manteve acompanhamento no ambulatório de cirurgia plástica por 45 dias,
sendo orientado a fazer hidratação da pele com AGE (óleo de girassol) três vezes ao
dia e evitar exposição solar. Devido ao resultado anatomopatológico, o paciente foi
encaminhado para radioterapia. Em torno de 3 meses de pós-operatório, o paciente
veio a óbito devido às suas comorbidades sistêmicas prévias, sem relação com o
procedimento cirúrgico realizado.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 64 anos, veio ao serviço de cirurgia plástica encaminhado
pela equipe da dermatologia, referindo ressurgimento de lesão em canto externo de
olho direito. Refere cirurgia prévia no local, há 11 anos, apresentando lesão com
margens livres e diagnóstico histológico de carcinoma basocelular. Ao exame físico,
paciente apresentava lesão infiltrativa, ulcerada e com bordas peroláceas, com
tamanho aproximado de 2,5 cm de diâmetro, acometendo 90% da pálpebra inferior
esquerda, 50% da pálpebra superior esquerda, ambas poupando canto medial, com
discreto lagoftalmo (Figura 1). A lesão
acometia a margem palpebral e conjuntiva tarsal em topografia de glândula lacrimal
e
região lateral. Movimentação palpebral e ocular sem prejuízos. Realizada a biópsia
por punch da lesão, o exame anatomopatológico evidenciou carcinoma
basocelular em pálpebra superior e carcinoma basoescamoso nas outras duas amostras
de pálpebra inferior esquerda e rafe palpebral lateral esquerda. Todas as amostras
foram classificadas como alto risco histopatológico. A tomografia de crânio
descartou comprometimento de globo ocular ou de glândula lacrimal. A avaliação da
córnea descartou acometimento neoplásico da mesma. O mesmo apresentava exame de
acuidade visual 25/20, considerada normal para idade.
Paciente apresenta pele de fototipo II de Fitzpatrick, histórico de mais de 50 anos
com fotoexposição solar contínua, fotodano solar em toda face e cicatrizes
cirúrgicas na face prevenientes de ressecções locais prévias devido a outros tumores
de pele. Ex-tabagista pesado e hipertenso. Após discussão multidisciplinar com
equipe da oftalmologia, optou-se pela ressecção da lesão, preservando globo ocular
e
glândula lacrimal.
Paciente foi submetido a anestesia geral e realizou-se ressecção em bloco da lesão,
incluindo retirada de tarso, lamela anterior e posterior das pálpebras (Figura 2). Podemos verificar a glândula lacrimal
livre de neoplasia. Depois de findada essa etapa, foi realizado um retalho de
conjuntiva com fixação em ligamento cantal esquerdo para reconstruir lamela
posterior de pálpebra superior esquerda. Para a lamela posterior da pálpebra
inferior esquerda, foi utilizado um enxerto composto, com cartilagem e mucosa,
retirado de tarso de pálpebra superior direita. Já para a reconstrução da lamela
posterior da pálpebra superior esquerda, foi utilizado retalho de conjuntiva e da
lamela inferior com cartilagem de tarso de pálpebra superior contralateral.
Para cobertura cutânea foi confeccionado retalho de rotação baseado na vascularização
da artéria temporal superficial esquerda (Figura 3). Na Figura 4, podemos evidenciar
o 1º dia pós-operatório, sem complicações locais. Durante 3 semanas o olho esquerdo
ficou ocluído com retalho e, após autonomização, foi refeita a fenda palpebral
(Figuras 5 e 6).
Figura 6 - Quinto mês pós-operatório, evidenciando bom fechamento e abertura
palpebral.
Figura 6 - Quinto mês pós-operatório, evidenciando bom fechamento e abertura
palpebral.
Para melhor delimitação cirúrgica, utilizou-se o método patológico de congelação em
período transoperatório. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica evidenciou um
carcinoma basocelular infiltrativo com componentes superficial e nodular, que
invadia a pálpebra e o tecido muscular esquelético subjacente, sendo as margens
livres de malignidade.
Após reconstrução, paciente manteve os movimentos oculares e palpebrais, apresentando
leve retração palpebral, mas sem presença de lagoftalmo. O aspecto estético ficou
agradável e o paciente satisfeito com o resultado.
DISCUSSÃO
O CBC é o tumor mais frequentemente encontrado em humanos e tem como tratamento base
a sua excisão cirúrgica. Nesse caso relatado, para reconstrução da lesão após
ressecção do tumor, foi planejada a utilização de um retalho temporofrontal com ato
cirúrgico em dois tempos, sendo o primeiro para confecção e rotação do retalho,
resultando na oclusão do olho, e o segundo tempo cirúrgico para confecção da
abertura da fenda palpebral. O retalho temporofrontal ou retalho frontal com base
temporal é um retalho miocutâneo pediculado irrigado pela artéria temporal
superficial, ramo da artéria carótida externa ipsilateral. O retalho é composto pelo
músculo frontal subjacente e pela pele da região frontal, sendo sua viabilidade
mantida por uma conexão vascular temporária ou definitiva. Pode-se utilizar desse
tipo de retalho para um grande número de reconstruções no segmento da cabeça e
pescoço, como cavidade orbitária, região geniana, mucosa jugal e assoalho da
boca9.
Para ressecção tumoral com margens livres foi necessária a retirada de parte da
cartilagem tarsal da pálpebra inferior esquerda, reconstruída utilizando enxerto de
cartilagem do tarso superior direito. Além disso, foi ressecada lamela posterior com
reconstrução por meio de um enxerto de mucosa. Ainda, para fechamento da região
doadora do retalho frontal, foi utilizado enxerto de pele total proveniente da
região supraclavicular esquerda.
CONCLUSÃO
Paciente foi submetido à ressecção de lesão tumoral cutânea de pálpebras superior
e
inferior esquerda, com posterior reconstrução baseada em retalho temporofrontal e
abertura da fenda palpebral em um segundo tempo cirúrgico. A técnica escolhida
mostrou-se reprodutível e versátil, apresentando resultado estético e funcional
agradável.
REFERÊNCIAS
1. Actis AG, Actis G. Reconstruction of the upper eyelid with flaps and
free grafts after excision of basal cell carcinoma. Case Rep Ophthalmol. 2011;
2(3):347-53. DOI: https://doi.org/10.1159/000334674
2. Cook B. Epidemiologic characteristics and clinical course of
patients with malignant eyelid tumors in an incidence cohort in Olmsted county,
Minnesota. Ophthalmology. 1990; 106(4):746-50. DOI: https://doi.org/10.1016/S0161-6420(99)90161-6
3. Zlatarova ZI, Zenkova BN, Softova EB. Eyelid reconstruction with
full thickness skin grafts after carcinoma excision. Folia Med. 2016;
58(1):42-9. DOI: https://doi.org/10.1515/folmed-2016-0006
4. Loeffler M, Hornbass A. Characteristics and behavior of eyelid
carcinoma (basal cell, squamous cell sebaceous gland, and malignant melanoma).
Ophthalmic Surg. 1990; 21:513-8.
5. Wójcicki P, Zachara M. Surgical treatment of eyelid tumors. Journal
of Craniofacial Surgery. 2010:21(2):520-5. PMID: 20216443
6. Leffell DJ. Transposition Flaps. In: Baker SR, Swanson NA. Local
flaps in facial reconstruction. St. Louis: Mosby Elsevier; 1995.
109.
7. Härmä M, Asko-Seljavaara S. Temporal artery island flap in
reconstruction of the eyelid. Scan J Plast Reconstr Hand Surg. 1995;
29(3):239-44. DOI: https://doi.org/10.3109/02844319509050133
8. Stock AL, Collins HP, Davidson TM. Anatomy of the superficial
temporal artery. Head Neck Surg. 1980; 2(6):466-9. DOI: https://doi.org/10.1002/hed.2890020604
9. Vanni CMRS, Pinto FR, Castro R, Kanda JL. Retalho pediculado
temporofrontal para reconstrução de defeitos em cabeça e pescoço. Arq Bras Ciên
Saúde. 2010; 35(2):99-102.
1. Hospital Universitário, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
Santa Catarina, SC, Brasil.
3. Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
Endereço Autor: Guilherme Luiz Pacher Schmitz Rua
Professora Maria Flora Pausewang, s/nº, Trindade, Florianópolis, SC, Brasil CEP
88036-800. E-mail: guilhermelpschmitz@icloud.com