INTRODUÇÃO
A síndrome de Moebius caracteriza-se pela paralisia congênita e não progressiva da
face, que afeta sobretudo os pares cranianos VI e VII1. Na maioria das vezes bilateral, acarreta a aparência facial pouco
expressiva e um estrabismo convergente1. A
alteração na face é percebida ainda na infância, observando o fechamento incompleto
da pálpebra quando o indivíduo está dormindo, falta de sorriso e mímica facial, e
dificuldade de sucção2,8. No presente relato, demonstramos de que forma
a transferência ortodrômico do músculo temporal realizada pela técnica de Labbé, que
utiliza a moiplastia do músculo temporal, pode ser associada ao enxerto de tendão
do
músculo palmar longo com o objetivo de restabelecer a continência oral.
OBJETIVO
Demonstrar uma variação da técnica de mioplastia do músculo temporal associada com
enxerto de tendão do músculo palmar longo bilateral em um paciente com síndrome de
Moebius que apresentava excessiva perda de saliva.
MÉTODO
HFS, 16 anos, masculino, natural de Porto Alegre, portador de paralisia facial
congênita bilateral e síndrome de Moebius, sem outras comorbidades, procurou auxílio
por queixa de excessiva perda de saliva. No exame físico apresentava hipomimia
facial com a perda de movimentos da região perioral e queda do lábio inferior, com
excessiva perda de saliva devido à incontinência oral (Figura 1). De forma interessante, não se queixava da falta de sorriso na
face. A avaliação cognitiva demonstrou-se dentro da normalidade. O paciente não
desejava a abordagem na face para o transplante microcirúrgico do músculo grácil –
técnica inicialmente sugerida – porque tinha receio do aspecto da cicatriz. Foram
claramente explicados os limites de incursão do sorriso com cada tipo de
procedimento que poderia ser realizado. Após obtenção do consentimento informado,
foi proposta a melhoria da continência oral e mimetização do sorriso por meio da
transferência muscular ortodrômica do músculo temporal (Figura 3), pela técnica de Labbé e Huault, associada a enxertia
de tendão do músculo palmar longo, bilateral (Figura 2). O tempo cirúrgico foi de aproximadamente três horas. O procedimento
cirúrgico consistiu de abordagem na região temporal bilateral, com dissecção ao
nível do músculo temporal, liberando do ângulo do zigoma, sem realização de fratura.
No momento da liberação muscular, grande atenção deve ser tomada a fim de evitar
lesão da artéria temporal profunda a esse nível. O músculo temporal liberado cerca
de 3 cm foi alongado com o auxílio de enxerto de 20 cm de tendão do músculo palmar
longo, de cada lado, para cada hemiface, que cuidadosamente foi suturado ao modíolo
da boca. Ao final do procedimento, o ângulo da boca esboçava um sorriso em repouso,
com uma incursão de cerca de 4 cm. Após três semanas, foi iniciada a fisioterapia,
com movimentos ativos e passivos, para aumento da incursão do sorriso. O resultado
obtido foi comparado com as fotografias e vídeos obtidos antes do procedimento, após
um mês, após oito meses do procedimento e comparado com o de outras técnicas
utilizadas atualmente no tratamento da paralisia facial da síndrome de Moebius e
excesso de perda de saliva (Figura 4).
Figura 1 - Paciente em avaliação pré-operatória. Exame físico evidenciando
hipomimia facial com a perda de movimentos da região perioral.
Figura 1 - Paciente em avaliação pré-operatória. Exame físico evidenciando
hipomimia facial com a perda de movimentos da região perioral.
Figura 2 - Enxerto de tendão do músculo palmar longo suturado ao modíolo da
boca.
Figura 2 - Enxerto de tendão do músculo palmar longo suturado ao modíolo da
boca.
Figura 3 - Transferência muscular ortodrômica do músculo temporal, pela técnica
de Labbé.
Figura 3 - Transferência muscular ortodrômica do músculo temporal, pela técnica
de Labbé.
Figura 4 - Paciente pós-operatório – Incursão de sorriso simétrico e
univetorial.
Figura 4 - Paciente pós-operatório – Incursão de sorriso simétrico e
univetorial.
RESULTADOS
O paciente referiu suspensão da perda de saliva que se acumulava no vestíbulo da boca
imediatamente após o procedimento, e esse grau de continência oral se manteve
durante todo o período de acompanhamento do caso. Não foi observado sangramento,
seroma ou infecção no presente caso. Com o advento da fisioterapia iniciada, a
incursão do sorriso de ambos os lados foi melhorando, passando de 4 cm no
pós-operatório imediato para 6 cm após cerca de 45 dias. Houve bastante dificuldade
em estimular o paciente a realizar os exercícios diários para estimular o sorriso,
que precisava ser comandado de forma voluntária pela contração do músculo temporal
bilateral. Após cerca de 8 meses, o sorriso obtido foi de cerca de 8 cm de cada
lado, simétrico, univetorial, voluntário e não espontâneo. O paciente demostrou
satisfação em relação à queixa inicial de perda de saliva. O regime de fisioterapia
foi mantido, sobretudo com vistas à melhoria da incursão do ângulo da boca.
DISCUSSÃO
Os primeiros casos de síndrome de Moebius foram descritos por Von Graeef em 1880,
Harlan em 1881 e Chisolm em 18824. De 1888 a
1892, Moebius descreveu 43 casos que apresentavam paralisia dos nervos cranianos,
identificando um subgrupo de seis pacientes com alterações dos nervos facial e
abducente5. Desde então, Moebius ficou
associado a essa condição5.
Condição rara, caracterizada por paralisia do VI e VII pares cranianos, na maioria
dos casos bilateral, resultando em uma mímica facial inexpressiva e estrabismo
convergente. Além disso, há outras manifestações de nervos cranianos como ptose
palpebral, disfonia, disfagia, atrofia da língua e até deficiência mental6. Apresenta espectros de sintomatologia: desde
alterações já descritas, como acometimento de malformações esqueléticas –
migrognatia a aplasia de peitoral; defeitos de dentes, cardíacos, pulmonares e
renais7. Paciente apresentava o quadro
clássico de paralisia facial, no entanto sem repercussão de outros nervos cranianos
ou alterações cognitivas; sem acometimento de músculo esquelético.
As manifestações orofaciais decorrentes da síndrome de Moebius são várias como
hipoplasia dentária, cárie, doença periodontal, úvula bífida, dificuldade no momento
de execução de movimentos excursivos das maxilas, ausência de tônus dos músculos da
face e também da língua, entre outros9. Nesse
contexto, a indicação da cirurgia proposta por Labbé, a fim de restabelecer a
continência da região perioral; uma vez que o paciente apresentou a queixa de
sialorreia associada à queda do lábio inferior quando compareceu a consulta.
Gillies, na década de 30, descreveu a técnica de alongar o terço médio do músculo
temporal e rodar sobre o arco zigomático, usando um fragmento de fáscia lata10. Em 1949, McLaughlin, utilizou todo o
músculo após secção do processo coronoide por meio de um acesso intraoral, também
com a fáscia lata11. Nos anos 2000, Labbé e
Huault realizaram uma técnica visando a reanimação dos lábios, a qual consistia em
osteotomia do arco zigomático, mioplastia e a transferência da extremidade fixada
do
processo coronoide para o lábio12. No caso
apresentado, utilizou-se a técnica de Labbé para mioplastia. E diferente da fixação
proposta por Gillies e McLaughlin com fáscia lata, realizou-se a utilização de
enxerto do tendão palmar longo.
O tendão do músculo palmar longo é o enxerto mais popular para a continência oral,
devido à facilidade do acesso e posição superficial. Possui o comprimento médio de
16 cm – e pode ser alongado retirando também parte do próprio ventre muscular. Está
presente em 75% a 85% da população13.
Apresenta ainda comprimento e espessura adequados para a utilização na técnica de
Labbé para reanimação da região perioral. No presente relato, após discussão das
vantagens e desvantagens de cada método com o paciente e familiares, foi optado pela
transferência ortodrômica do músculo temporal, que foi alongado como demonstrado sem
necessidade de fratura do ângulo zigomático, o que acarretou um tempo cirúrgico de
três horas, menor se comparado ao tempo necessário para a execução do transplante
microcirúrgico do músculo grácil. Outra vantagem foi a de evitar a incisão na face
necessária para o acoplamento do microscópio óptico. Cabe ressaltar que uma consulta
elucidativa, explicando as vantagens e desvantagens de cada tipo de tratamento
empregado, deve preceder qualquer tipo de procedimento a ser realizado.
CONCLUSÃO
O uso da técnica de Labbé associada a enxertia de tendão palmar longo no caso de
síndrome Moebius com excessiva perda de saliva apresentou-se como boa opção no caso
demonstrado.
REFERÊNCIAS
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https://doi.org/10.1136/jmg.27.2.122
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1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Complexo Hospitalar da Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
Endereço Autor: Marcelo Lopes Dias Kolling Avenida
Alberto Bins, nº 456 Apto. 21 - Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90030140 E-mail:
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