INTRODUÇÃO
O lentigo maligno (LM) é um melanoma in situ que se apresenta
comumente como uma mácula de crescimento progressivo e irregularmente pigmentada,
principalmente na face de idosos com pele danificada pelo sol1. O risco de progressão para lentigo maligno melanoma varia de
30% a 50% neste tipo de lesão2.
As opções de tratamento para o LM incluem a excisão cirúrgica com margens oncológicas
ou tratamentos não cirúrgicos como crioterapia, eletrocauterização, curetagem,
laser, radioterapia e fluorouracil, imiquimod. No entanto, estes métodos não
cirúrgicos apresentam altas taxas de recidiva (20% a 100%)3.
A excisão cirúrgica completa do melanoma in situ requer margens
circunferenciais de pelo menos 5mm4. Em casos
de LM em áreas com grandes implicações estéticas ou funcionais (face, pescoço,
planta dos pés), as margens cirúrgicas são habitualmente reduzidas para preservar
estruturas anatômicas importantes. Além disso, as margens clínicas do LM podem ser
mal definidas, sendo nem sempre pigmentadas, com extensão subestimada, aumentando
o
risco de ressecção insuficiente5 e o desafio
do tratamento adequado.
A “técnica de spaghetti”, descrita por Gaudy Marqueste, é uma cirurgia baseada na
amostragem de uma faixa de tecido circunferencial externamente à lesão com o
objetivo de determinar as margens cirúrgicas antes da ressecção da lesão tumoral.
Esta faixa de tecido é encaminhada para exame histopatológico convencional e, se as
margens estiverem livres, a lesão central é então ressecada, minimizando ao máximo
a
perda tecidual, sendo assim uma alternativa à cirurgia micrográfica de Mohs5.
RELATO DE CASO
Foi realizada revisão do prontuário do paciente M.B.M.C., 54 anos, sexo masculino,
fototipo III na Escala de Fitzpatrick, que apresentava uma lesão pigmentada de
bordas e coloração irregulares, crescimento progressivo, localizada em ponta nasal,
de aproximadamente 1,5cm no seu maior diâmetro (Figura 1).
Figura 1 - Lentigo maligno em ponta nasal.
Figura 1 - Lentigo maligno em ponta nasal.
O paciente foi submetido à biópsia incisional da lesão em abril de 2018 com
diagnóstico de melanoma in situ tipo lentigo maligno.
Optou-se então pela utilização da técnica em “spaghetti” para determinação das
margens cirúrgicas antes da completa ressecção da lesão (Figura 2). Os limites tumorais foram definidos com o auxílio da
dermatoscopia confocal e posteriormente ressecada uma faixa de pele circunferencial
ao tumor com margem de 1mm (Figuras 3 e 4).
Figura 2 - Marcação pré-operatória das margens da lesão.
Figura 2 - Marcação pré-operatória das margens da lesão.
Figura 3 - Primeira etapa cirúrgica com ressecção da faixa de pele em
"spaghetti", circunferencial ao tumor.
Figura 3 - Primeira etapa cirúrgica com ressecção da faixa de pele em
"spaghetti", circunferencial ao tumor.
Figura 4 - Sutura da pele após a ressecção da margem circunferencial.
Figura 4 - Sutura da pele após a ressecção da margem circunferencial.
A peça cirúrgica foi marcada com um ponto de nylon 5.0 às 12 horas para orientação
do
exame histopatológico que a subdividiu em 4 partes (12 – 3 horas, 3 – 6 horas, 6 –
9
horas, 9 – 12 horas).
O resultado do exame evidenciou comprometimento neoplásico na margens das 3 às 6
horas. Foi realizada ampliação destas margens e encaminhado o material novamente
para análise (Figura 5).
Figura 5 - Ampliação de margens das 3 às 6 horas.
Figura 5 - Ampliação de margens das 3 às 6 horas.
A ressecção da lesão central foi realizada após 15 dias da ampliação de margens que
se mostrou livre de comprometimento neoplásico pelo exame histopatológico. Durante
a
ressecção, foi englobado o tecido cicatricial periférico à lesão central e no mesmo
tempo cirúrgico realizada a reconstrução local com retalho de Rintala (Figuras 6 a 8).
Figura 6 - Marcação pré-operatória da ressecção da lesão central com
reconstrução imediata com retalho de Rintala.
Figura 6 - Marcação pré-operatória da ressecção da lesão central com
reconstrução imediata com retalho de Rintala.
Figura 7 - Segunda etapa cirúrgica com a ressecção da lesão central e
reconstrução no mesmo procedimento.
Figura 7 - Segunda etapa cirúrgica com a ressecção da lesão central e
reconstrução no mesmo procedimento.
Figura 8 - Aspecto final no pós-operatório imediato.
Figura 8 - Aspecto final no pós-operatório imediato.
O paciente apresentou boa evolução, sem sinais de recidiva durante o acompanhamento
de 6 meses.
DISCUSSÃO
A técnica em “spaghetti” é um método fácil e seguro para controle de margens no caso
de lentigo maligno, principalmente quando a lesão se encontra em áreas onde há maior
risco de comprometimento de estruturas nobres.
Um dos cuidados que se deve ter durante a ressecção da lesão tumoral é o englobamento
da área cicatricial de cirurgias prévias para evitar a recidiva local.
A sutura da pele com o tumor após a ressecção da margem circunferencial em
“spaghetti” deve ser feita de forma cuidadosa com a mínima passagem da agulha no
tecido sadio.
Outras técnicas, como a “técnica do quadrado” e a “técnica de perímetro”, têm usado
o
conceito de controle patológico das margens antes da ressecção total do LM. Nestas,
uma forma geométrica de ressecção (quadrado, triângulo, pentágono) é determinada
para facilitar a análise das margens mantendo a lesão central intacta. O objetivo
é
verificar a periferia dessa figura geométrica antes da ressecção6,7.
A vantagem da técnica em “spaghetti” é a maior preservação de tecidos adjacentes
quando comparada às outras técnicas citadas.
A cirurgia micrográfica de Mohs também se mostra uma opção nestes casos, porém requer
uma equipe treinada para realizá-la. Além disso, por usar blocos de parafina, a
técnica em “spaghetti” se mostra mais confiável em comparação à congelação5.
As desvantagens da técnica descrita se deve ao fato de ser realizada em no mínimo
dois tempos cirúrgicos, podendo aumentar o risco de complicações da ferida
operatória. Por outro lado, ela pode ser mais confortável para o paciente, pois
evita a permanência de feridas abertas e permite a retirada do tumor central com
reconstrução imediata. A dermatoscopia confocal é uma ferramenta que pode ser usada
para auxiliar a delimitação das margens tumorais, porém pode ser pouco
acessível.
A técnica em “spaghetti” neste caso se mostrou uma boa opção no tratamento do LM por
ser um método simples e reprodutível, garantindo o controle de margens e menor
morbidade para o paciente.
COLABORAÇÕES
GSS
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Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de dados, concepção e
desenho do estudo, redação - preparação do original, redação - revisão e
edição.
|
FBH
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Redação - revisão e edição.
|
CHSTS
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Redação - revisão e edição.
|
LADS
|
Redação - revisão e edição.
|
FHSP
|
Redação - revisão e edição, supervisão.
|
IDAOSF
|
Redação - revisão e edição, supervisão.
|
CSS
|
Redação - revisão e edição, supervisão.
|
ERB
|
Aprovação final do manuscrito, concepção e desenho do estudo, redação -
revisão e edição, supervisão.
|
REFERÊNCIAS
1. Huilgol SC, Selva D, Chen C, Hill DC, James CL, Gramp A, et al.
Surgical margins for lentigo maligna and lentigo maligna melanoma: the technique
of mapped serial excision. Arch Dermatol. 2004;140(9):1087-92. PMID: 15381549
DOI: https://doi.org/10.1001/archderm.140.9.1087
2. Weinstock MA, Sober AJ. The risk of progression of lentigo maligna
to lentigo maligna melanoma. Br J Dermatol. 1987;116(3):303-10. PMID: 3567069
DOI: https://doi.org/10.1111/j.1365-2133.1987.tb05843.x
3. Cohen LM. Lentigo maligna and lentigo maligna melanoma. J Am Acad
Dermatol. 1997;36(6 Pt 1):913.
4. Zitelli JA, Brown CD, Hanusa BH. Surgical margins for excision of
primary cutaneous melanoma. J Am Acad Dermatol. 1997;37(3 Pt 1):422-9. PMID:
9308558
5. Gaudy-Marqueste C, Perchenet AS, Taséi AM, Madjlessi N, Magalon G,
Richard MA, et al. The "spaghetti technique": an alternative to Mohs surgery or
staged surgery for problematic lentiginous melanoma (lentigo maligna and acral
lentiginous melanoma). J Am Acad Dermatol. 2011;64(1):113-8. PMID: 21167406 DOI:
https://doi.org/10.1016/j.jaad.2010.03.014
6. Johnson TM, Headington JT, Baker SR, Lowe L. Usefulness of the
staged excision for lentigo maligna and lentigo maligna melanoma: the "square"
procedure. J Am Acad Dermatol. 1997;37(5 Pt 1):758-64.
7. Mahoney MH, Joseph M, Temple CL. The perimeter technique for lentigo
maligna: an alternative to Mohs micrographic surgery. J Surg Oncol.
2005;91(2):120-5. PMID: 16028282 DOI: https://doi.org/10.1002/jso.20284
1. Hospital dos Defeitos da Face, Cruz Vermelha de
São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2. A.C. Camargo - Cancer Center, São Paulo, SP,
Brasil.
Autor correspondente: Gabriela Suemi
Shimizu Rua Sabará, nº 210 - Higienópolis - São Paulo, SP, Brasil CEP
01239-010 E-mail: gabrielashimizu@gmail.com
Artigo submetido: 6/8/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.