INTRODUÇÃO
Grandes perdas cutâneas em membros inferiores trazem um grande desafio para o
tratamento. São lesões decorrentes de traumas extensos, fraturas expostas,
vasculopatias, neoplasias, etc, e se caracterizam pela dificuldade em aproximar suas
bordas, podendo acarretar danos estéticos e funcionais1.
As opções de tratamento variam desde o fechamento primário até um retalho de longa
distância seguindo a escala de reconstrução. Alguns cirurgiões plásticos estão se
aperfeiçoando e realizando diferentes técnicas de fechamento das lesões, dependendo
da sua extensão. Diante disso, foi associada ao arsenal terapêutico da reconstrução
de membro inferior a sutura elástica, uma técnica dividida em dois tempos cirúrgicos
- o primeiro: com o auxílio de um elástico suturado na pele aproximando os bordos
da
ferida; e o segundo, com a retirada desse elástico e a pele já aproximada o
suficiente para que apenas uma sutura simples feche a ferida. Esse mecanismo utiliza
as propriedades biomecânicas da pele, com o auxílio apenas de um elástico estéril.
A
sutura elástica foi aplicada em dois pacientes do Hospital Independência de Porto
Alegre, RS.
O objetivo do presente trabalho visa descrever o método de sutura elástica
confirmando a sua aplicabilidade com segurança em casos de perdas cutâneas de membro
inferior, utilizando como base a descrição de dois casos cirúrgicos e a revisão de
literatura.
MÉTODOS
O presente trabalho é uma união de dois relatos de caso no qual os pacientes foram
atendidos no Hospital Independência - Rede Divina Providência em Porto Alegre, RS,
no ano de 2017. A partir do método cirúrgico utilizado, foi realizada uma revisão
de
literatura a partir de artigos nas bases de dado Schoolar Google, PubMed e Lilacs.
Foram identificados os resumos coerentes com os temas e selecionados e,
posteriormente, os artigos de leitura livre que abordavam de forma clara o
tratamento utilizado para sutura elástica.
Dois pacientes foram selecionados para as duas etapas do procedimento, a primeira
com
a sutura elástica propriamente dita: essa etapa consiste no debridamento das bordas
e sutura do elástico estéril na camada cutânea da pele. O elástico é fixado na pele
com fio mononylon, depois entrelaça-se o elástico e o sutura novamente na pele,
repetindo esse processo até que toda a área cruenta seja aproximada. Uma semana após
o primeiro passo de aproximação de bordos, retira-se o elástico e é realizado o
fechamento completo da ferida com fio mononylon 3.0.
RELATOS DE CASO
G.L.S.N., 24 anos, masculino. O paciente em outubro de 2014 sofreu um
acidente de moto e necessitou de um tratamento cirúrgico de fratura da
diáfise da tíbia direita. O pós-operatório foi bem sucedido e o paciente
recebeu alta hospitalar. Em julho de 2017, o paciente retornou ao
hospital com a queixa de exposição progressiva do material de síntese,
com sinais de infecção do sítio. Assim sendo, foi realizada a retirada
da placa em julho de 2017. Contudo, a ferida operatória estava muito
extensa e foi indicado ao paciente debridamento e a avaliação pelo
cirurgião plástico. A lesão na região anterior da perna direita media 15
X 4,3cm (Figura 1). Foi então
indicada ao paciente a sutura elástica, para cobertura da lesão. A
primeira etapa do procedimento foi realizada em agosto de 2017, fazendo
com que na segunda etapa, uma semana após, a ferida já medisse 15 X
1,1cm, o que possibilitou a sutura primária, recebendo alta 4 dias após
a última cirurgia. O paciente evoluiu bem, a ferida operatória
cicatrizou por completo e em fevereiro de 2018 recebeu alta ambulatorial
da equipe de cirurgia plástica.
Figura 1 - A: Lesão cutânea – Pré-operatório;
B: Sutura elástica – Pós-operatório
imediato; C: Primeira semana de pós-operatório;
D: 2 meses de pós-operatório.
Figura 1 - A: Lesão cutânea – Pré-operatório;
B: Sutura elástica – Pós-operatório
imediato; C: Primeira semana de pós-operatório;
D: 2 meses de pós-operatório.
N.D.S., 45 anos, feminino. Paciente em plano de suicídio em outubro de
2017, acidentalmente feriu a perna esquerda com um tiro de espingarda.
Desta forma, houve fratura exposta à esquerda de tíbia e fíbula, com
lesão em região anterior da perna de tamanho 17 X 4,5cm (Figura 2). Foi realizado o
procedimento ortopédico de tratamento de fratura de ambos os ossos da
perna com fixador externo e solicitada a avaliação do cirurgião
plástico. A sutura elástica foi então indicada e realizada em dezembro
de 2017, em duas etapas, com a diminuição da largura da ferida para
1,2cm uma semana após. A paciente evoluiu de forma adequada após a
cirurgia plástica e continua em acompanhamento no ambulatório do
hospital.
Figura 2 - A: Lesão cutânea – Pré-operatório;
B: Sutura elástica – Pós-operatório
imediato; C: Primeira semana de pós-operatório;
D: 1 mês de pós-operatório.
Figura 2 - A: Lesão cutânea – Pré-operatório;
B: Sutura elástica – Pós-operatório
imediato; C: Primeira semana de pós-operatório;
D: 1 mês de pós-operatório.
DISCUSSÃO
Após a aplicabilidade da técnica, percebeu-se que a cicatrização da lesão foi tão
favorável quanto o uso de enxertos e retalhos, e isso se deve ao fato de que o
processo de cicatrização tem como estrutura principal o colágeno, uma vez que este
exerce a força tênsil e a sustentação do tecido, sendo constantemente produzido e
degradado pelos fibroblastos. Ao longo das etapas básicas, o colágeno produzido é
substituído pela formação de ligações cruzadas entre as fibras2. A sutura elástica, portanto, trabalha nessa fase da
cicatrização, facilitando e acelerando esse processo tênsil do ferimento.
Ademais, durante as primeiras 24 a 36 horas, há a produção de células epiteliais que
migram para a área central da lesão e induzem mais uma força a favor do fechamento
dos bordos da ferida. Entretanto, é durante a fase de maturação do processo
cicatricial que a sutura elástica permite maior eficácia na sua utilidade, pelo fato
de a ferida sofrer uma constante contração devido ao movimento de toda a espessura
de pele ao redor, reduzindo a área da cicatriz desordenada2.
O método de sutura tênsil é importante para a prevenção de produção exagerada de
colágeno e epitélio, causadores de defeitos cicatriciais, devido à diferenciação dos
fibroblastos em miofibroblastos. Além disso, a utilização da sutura elástica em
pacientes idosos pode suprir a carência de flexibilidade do tecido e a progressiva
diminuição do colágeno também pode ser um facilitador na etapa de maturação
cicatricial em pacientes diabéticos, já que a maioria das etapas cicatriciais se
encontram prejudicadas pelos altos níveis de glicose sanguínea3.
O princípio da biomecânica da tensão tecidual é o principal mecanismo explorado pela
técnica de sutura elástica. Com a distribuição tensional na pele, há o aumento da
atividade metabólica, o que permite o desenvolvimento de vasos e a proliferação de
novas fibras colágenas para a cicatrização tecidual. Além disso, as propriedades
visco-elásticas da pele permitem extensão gradativa por tração contínua –
creep phenomenon
3. Pelo fato de o fechamento primário das
lesões ser a primeira escolha, sempre que possível, o processo de cicatrização
proporcionado pela sutura elástica permite este fechamento primário no final do
procedimento.
A comparação entre duas técnicas de sutura elástica demonstrou que a fixação do
elástico no subcutâneo e na fáscia superficial poupou o tecido de necrose. A técnica
de Raskin, em 19934, propôs a fixação do
elástico entrelaçado diretamente nos bordos da ferida, já a técnica de Leite et al.,
em 19965, propõe a fixação do elástico no
subcutâneo e na fáscia superficial3,6. Os autores
utilizaram a técnica de Raskin nos dois casos apresentados.
CONCLUSÃO
A evolução dos dois paciente apresentou um padrão muito positivo, comprovando o que
já havia sido descrito em outras literaturas. Esse método se demonstrou eficaz, com
baixo custo, rápido, seguro e com boa cicatrização. Além disso, não deixa uma
segunda cicatriz da área doadora, como ocorre em enxertos.
COLABORAÇÕES
DSF
|
Aprovação final do manuscrito, gerenciamento do projeto, realização das
operações e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação -
revisão e edição, supervisão.
|
ALP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, concepção e desenho do estudo, realização das operações
e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação - revisão e
edição.
|
YPS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação
final do manuscrito, coleta de dados, concepção e desenho do estudo,
metodologia, redação - revisão e edição a de dados, realização das
operações e/ou experimentos, redação - revisão e edição.
|
REFERÊNCIAS
1. Magalhães MAB, Petroianu A, Martins SGO, Resende V, Alberti LR,
Barbosa AJA, et al. Fechamento de grandes feridas com fita elástica de borracha
em coelhos. Rev Col Bras Cir. 2015;42(1):56-61.
2. Tazima MFGS, Vicente YAMVA, Moriya T. Biologia da ferida e
cicatrização. Medicina (Ribeirão Preto). 2008;41(3):259-64. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v41i3p259-264
3. Vidal MA, Mendes Junior CES, Sanches JA. Sutura elástica - uma
alternativa para grandes perdas cutâneas. Rev Bras Cir Plást.
2014;29(1):146-50.
4. Raskin KB. Acute vascular injuries of the upper extremity. Hand
Clin. 1993;9(1):115-30.
5. Leite NM, Reis FB, Cristian RW. Rev Bras Ortop. Tratamento de
ferimentos deixados abertos com o método de sutura elástica.
1996;31(8):687-9.
6. Santos ELN, Oliveira RA. Sutura elástica para tratamento de grandes
feridas. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(3):475-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000300026
1. Hospital Independência, Porto Alegre, RS,
Brasil
2. ULBRA, Canoas, RS, Brasil.
Autor correspondente: Douglas Severo
Fraga Av. Andarai, nº 566, apto 1110 - Passo D’ areia, Porto Alegre,
RS, Brasil CEP 91350-110 E-mail: fragadp@ig.com.br /
drdouglasfraga@gmail.com
Artigo submetido: 15/5/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.