INTRODUÇÃO
O retalho de peitoral maior é um dos retalhos miocutâneos mais usados na reconstrução
após ressecção tumoral em cabeça e pescoço. A primeira descrição foi de Ariyan et
al., em 19791.
Na literatura, não há muitas descrições quanto à utilização desse retalho na
reconstrução acima das órbitas por conta do risco de necrose, dificuldade de
mobilização, rotação e alcance do retalho.
Os defeitos no couro cabeludo e terço superior da face permanecem um desafio para
os
cirurgiões. Com o avanço na cirurgia de perfurantes e aprimoramento das técnicas de
dissecção do pedículo peitoral, consegue-se liberar e alongar mais o músculo
peitoral maior e aumentar o seu arco de rotação e ganho na extensão do retalho (ilha
cutânea) para obter coberturas mais distais da cabeça com o terço superior da
face.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho é relatar a aplicabilidade do retalho do músculo peitoral
maior pediculado estendido para cobertura de defeitos na região
órbito-fronto-parietal direita após exérese de carcinoma espinocelular invasivo.
RELATO DE CASO
Paciente masculino, de 63 anos, acometido por carcinoma espinocelular invasivo
ulcerado pouco diferenciado, grau III. Tumor recidivado na região parietal direita
após exérese de lesão inicial e enxertia em junho de 2017 (6 meses de
pós-operatório). Na avaliação e estudo pré-operatório apresentou lesão ulcerada
parietal direita de 5,0cm com componente osteolítico adjacente, outra lesão
expansiva frontal superior de 3,0cm e outra lesão na região frontal inferior direita
de 4,0cm, com sinais de acometimento ósseo adjacente e invasão do respectivo seio
paranasal e da porção supero medial da órbita direita (Figura 1).
Figura 1 - Carcinoma espinocelular invasivo, vista lateral.
Figura 1 - Carcinoma espinocelular invasivo, vista lateral.
O caso foi avaliado pela equipe de cirurgia oncológica e neurocirurgia do Hospital
Guilherme Álvaro, Santos, SP, para cirurgia e exérese tumoral com intenção curativa,
em conjunto com a equipe de cirurgia plástica para reconstrução imediata. A lesão
foi ressecada com margens laterais de 15mm, com exérese de osso acometido na região
parietal, frontal superior e parede anterior e posterior do seio frontal direito
deixando dura-máter exposta.
Foi ressecada a porção óssea superomedial da órbita direita com comunicação do seio
frontal direito na cavidade nasal direita mantendo o globo ocular, músculos oculares
e 1,0cm da pálpebra superior. O defeito final media 12,0 x 18,0cm na região
órbito-fronto-parietal direita com exposição de dura-máter, seio frontal e órbita
superior direita (Figura 2).
Figura 2 - Resseção parcial do osso frontoparietal, órbita superomedial e
exposição da dura-máter.
Figura 2 - Resseção parcial do osso frontoparietal, órbita superomedial e
exposição da dura-máter.
Para reconstrução, foi marcado retalho de peitoral maior de 12,0 x 18,0cm,
paraesternal direito, desde o quarto espaço intercostal até a região subcostal
(estendido) para poder dar cobertura do defeito sem tração lateral da cabeça (Figura 3).
Figura 3 - Marcação do retalho peitoral e área da perfurante (área
azul).
Figura 3 - Marcação do retalho peitoral e área da perfurante (área
azul).
O descolamento do músculo peitoral foi feito preservando o pedículo toracoacromial,
deixando só uma cinta muscular comprida no eixo do pedículo vascular e com secção
total do músculo na base do retalho; uma cinta cutânea sobre o pedículo foi deixada
para proteção e manutenção da perfurante cutânea do pedículo toracoacromial.
Foi realizada secção total do nervo peitoral superior, secção parcial da inserção
do
músculo deltoide na clavícula para diminuir a tensão na rotação do pedículo externo,
liberação do pedículo vascular até o tronco toracoacromial no nascimento da artéria
axilar. O fechamento da área doadora foi feito com retalhos de avanço sem tensão
(Figura 4).
Figura 4 - Dissecção do retalho e sutura da área doadora.
Figura 4 - Dissecção do retalho e sutura da área doadora.
Para a obliteração da comunicação fronto-órbito-nasal, foi feito um retalho do
músculo frontal contralateral e suturado na área.
O paciente evoluiu com pequena área de necrose de 3,0cm na borda distal do retalho,
que foi ressecada junto com o pedículo 4 semanas depois. A área de necrose ressecada
recebeu curativo úmido até a obtenção de tecido granulatório e foi enxertada. A
cobertura foi efetiva, sem complicações maiores, sem hematomas e com resultado
estético satisfatório para uma cirurgia oncológica extensa. Atualmente em
acompanhamento ambulatorial e radioterapia por alto risco de recidiva e infiltração
da dura-máter e da mucosa do seio frontal (Figura 5).
Figura 5 - Pós-operatório 10 dias após ressecção do pedículo e 40 dias da
cirurgia oncológica.
Figura 5 - Pós-operatório 10 dias após ressecção do pedículo e 40 dias da
cirurgia oncológica.
DISCUSSÃO
O retalho de peitoral maior é um dos retalhos mais usados na reconstrução de cabeça
e
pescoço, mas sua aplicabilidade para áreas supraorbitárias representa um risco de
insucesso e necrose pela tensão. Sua aplicabilidade depende muito da anatomia do
paciente; geralmente, o tamanho da ilha cutânea é de 6,0 x 12,0cm, sobre o músculo
peitoral, sendo uma recomendação não estender o retalho cutâneo mais de 20% além da
borda do músculo2. É um retalho tipo IV com
pedículo dominante toracoacromial de fácil observação e dissecção.
A maioria das publicações desse retalho são feitas como de tipo musculocutâneo ou
muscular com uma taxa de complicações de 33%, a maioria menores, e risco de necrose
de 2%3.
Os estudos anatômicos de Rikimaru et al.4,5 mostraram as
perfurantes da área do peitoral com angiografia microvascular em cadáver, sendo as
principais perfurantes cutâneas da área a segunda e terceira intercostais. Nishi et
al.6, no ano de 2013, descreveram o
retalho de perfurantes peitoral e o retalho de perfurantes deltopeitoral com base
nessas perfurantes.
Nesse mesmo ano, Zhang et al.7 descreveram o
retalho de perfurantes da região peitoral com um estudo anatômico das perfurantes
da
artéria toracoacromial, descrevendo a existência de uma ou duas perfurantes
principais que se achavam numa área de 4,0cm no ponto de união das linhas
acrômio-xifoidiana e médio clavicular, permitindo a realização do retalho pediculado
de perfurantes de artéria toracoacromial. Esse retalho pode ser feito microcirúrgico
para defeitos superiores8-10.
Com este conhecimento anatômico das perfurantes do pedículo vascular toracoacromial,
pode-se manter uma ilha cutânea grande e o músculo pode ser ressecado parcial ou
totalmente. O arco de rotação do retalho pode melhorar com a desinserção do músculo,
uma dissecação cuidadosa do pedículo, secção de bandas musculares do musculo
deltoide e tem sido descrito a tunelização infraclavicular. O ideal é uma cirurgia
em um tempo cirúrgico, mas para obter uma cobertura tão longe do leito doador como
neste caso, um pedículo externo foi necessário. Não foi encontrado na literatura um
retalho de peitoral maior pediculado estendido que tenha alcançado áreas tão
distantes e que permanecesse viável.
O retalho de peitoral maior pediculado estendido se mostrou uma excelente opção
cirúrgica para reconstrução do terço superior da cabeça após extensa ressecção
tumoral onde existam limitações para a realização de microcirurgia, mas com
conhecimento anatômico e cuidados na dissecção pudemos obter um resultado
satisfatório.
COLABORAÇÕES
AOE
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Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Metodologia, Realização
das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original
|
DCL
|
Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação -
Revisão e Edição
|
AFC
|
Coleta de Dados, Realização das operações e/ ou experimentos, Redação -
Revisão e Edição
|
CFG
|
Coleta de Dados, Realização das operações e/ ou experimentos, Redação -
Revisão e Edição
|
LG
|
Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e
Edição
|
RGN
|
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
ORS
|
Aprovação final do manuscrito, Metodologia, Redação - Revisão e
Edição
|
REFERÊNCIAS
1. Ariyan S. The pectoralis major myocutaneous flap. A versatile flap
for reconstruction in the head and neck. Plast Reconstr Surg. 1979;63(1):73-81.
PMID: 372988
2. Part II Regional Flaps: Anatomy and Basic Techniques, section 6E:
Pectoralis Major Flap. In: Zenn MR, Jones G. Reconstructive Surgery: Anatomy,
Technique, and Clinical Applications. St. Louis: Quality Medical Publishing;
2012. p. 520-41.
3. Milenović A, Virag M, Uglesić V, Aljinović-Ratković N. The
pectoralis major flap in head and neck reconstruction: first 500 patients. J
Craniomaxillofac Surg. 2006;34(6):340-3. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jcms.2006.04.001
4. Rikimaru H, Kiyokawa K, Inoue Y, Tai Y. Three-dimensional anatomical
vascular distribution in the pectoralis major myocutaneous flap. Plast Reconstr
Surg. 2005;115(5):1342-52. DOI:
http://dx.doi.org/10.1097/01.PRS.0000156972.66044.5C
5. Rikimaru H, Kiyokawa K, Watanabe K, Koga N, Nishi Y, Sakamoto A. New
method of preparing a pectoralis major myocutaneous flap with a skin paddle that
includes the third intercostal perforating branch of the internal thoracic
artery. Plast Reconstr Surg. 2009;123(4):1220-8. PMID: 19337090 DOI:
http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e31819f2967
6. Nishi Y, Rikimaru H, Kiyokawa K, Watanabe K, Koga N, Sakamoto A.
Development of the pectoral perforator flap and the deltopectoral perforator
flap pedicled with the pectoralis major muscle flap. Ann Plast Surg.
2013;71(4):365-71. DOI:
http://dx.doi.org/10.1097/SAP.0b013e3182503c5d
7. Zhang YX, Yongjie H, Messmer C, Ong YS, Li Z, Zhou X, et al.
Thoracoacromial artery perforator flap: anatomical basis and clinical
applications. Plast Reconstr Surg. 2013;131(5):759e-70e. PMID:
23629115
8. Li Z, Cui J, Zhang YX, Levin LS, Zhou X, Spinelli G, et al.
Versatility of the thoracoacromial artery perforator flap in head and neck
reconstruction. J Reconstr Microsurg. 2014;30(7):497-503. DOI:
http://dx.doi.org/10.1055/s-0034-1370359
9. Zhang YX, Li Z, Grassetti L, Lazzeri D, Nicoli F, Zenn MR, et al. A
new option with the pedicle thoracoacromial artery perforator flap for
hypopharyngeal reconstructions. Laryngoscope. 2016;126(6):1315-20. DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/lary.25675
10. Song D, Pafitanis G, Pont LEP, Yang P, Koshima I, Zhang Y, et al.
Chimeric thoracoacromial artery perforator flap for one-staged reconstruction of
complex pharyngoesophageal defects: A single unit experience. Head Neck.
2018;40(2):302-11. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/hed.24962
1. Serviço de Cirurgia Plástica Osvaldo Saldanha,
Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética, Santos, SP, Brasil
2. Hospital Santa Casa, Serviço de Cirurgia
Plástica, Santos, SP, Brasil.
Autor correspondente: Andres Ordenes
Evensen Av. Ana Costa, nº 146, conjunto 1201 - Santos, SP, Brasil CEP
11060-000 E-mail: aordenese@gmail.com /
carlosgoye.m@gmail.com
Artigo submetido: 8/4/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.