INTRODUÇÃO
A reconstrução de defeitos da pálpebra visa dois pilares maiores: restaurar a
anatomia e a função palpebrais. Essa pode ser uma tarefa desafiadora, especialmente
em defeitos maiores como os que podem ocorrer nos procedimentos oncológicos em
jovens, com mínima frouxidão tecidual, e em idosos com pele escleroatrófica; além
dos casos de traumas ou queimaduras em que se tem uma perda tecidual
significativa.
Várias técnicas reconstrutivas têm sido desenvolvidas e a escolha cirúrgica,
habitualmente, dependerá das porções acometidas da pálpebra e da extensão do
defeito. Procedimentos reconstrutivos devem manter a função e integridade das
estruturas periorbitais, além de tentar uma reparação estética adequada. Os
objetivos da reconstrução da pálpebra devem incluir os seguintes aspectos:
Mucosa conjuntival interna lisa e macia – lubrificação ocular;
Margem palpebral estável com suporte rígido como o tarso para assegurar
forma e estabilidade;
Rigidez palpebral nas áreas dos ligamentos cantais;
Musculatura funcionalmente ativa para permitir tônus;
Oclusão palpebral adequada para manter a proteção ocular;
Resultado estético aceitável visando simetria facial.
Neste trabalho, os autores apresentam a utilização do retalho zigomático-palpebral,
uma técnica inicialmente descrita por Hermann Eduard Fritze, em 1845, que, apesar
da
longiquidade, demonstra ser uma opção cirúrgica segura, versátil e com boa
resolubilidade na reconstrução da pálpebra inferior.
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é apresentar uma técnica opcional para a reconstrução de
defeitos da lamela anterior da pálpebra inferior com retalho cutâneo
zigomático-palpebral. Esta técnica mostra-se como uma alternativa excelente nos
casos de pele escleroatrófica de pessoas idosas, bem como para pessoas jovens, que
não apresentam redundância da pele palpebral superior, impossibilitando, por
exemplo, o uso de enxertos de pálpebra superior ou retalhos como o de Fricke ou
Tripier, além de indicações em retrações por queimaduras, traumas ou em associação
com outras técnicas.
MÉTODO
Os autores mostram a indicação do retalho em casos de ectrópio, reconstrução após
ressecção de neoplasias, associação com outros retalhos como de Hughes, para
cobertura de enxertos cartilaginosos e retrações por queimaduras. É um retalho de
transposição composto por pele e subcutâneo, randomizado. A técnica baseia-se no uso
de retalhos locais, de características muito semelhantes à área do defeito, o que
permite mimetização, segurança e exequibilidade.
O princípio técnico para confecção do retalho é o mesmo em todos os casos. A área
receptora tem os seus limites avaliados (Figura 1A) e baseado na extensão do defeito delimita-se a área doadora na região
malar ipsilateral. Então, o retalho é marcado na região zigomática (Figura 1B) a partir do canto lateral da pálpebra,
descendo no sentido perpendicular à 90º em relação à margem ciliar inferior. O
retalho cutâneo é elevado com um tecido subcutâneo de espessura suficiente para
preencher o defeito (Figuras 1C, 1D). Depois disso, o processo de transposição é
realizado, seguido por sutura, tanto da área doadora quanto da região receptora do
retalho, com pontos subdérmicos profundos com polidioxanona 4-0 e superficialmente
com pontos simples separados com náilon monofilamentado 6-0 (Figura 1E).
Figura 1 - Sequência técnica do retalho zigomático-palpebral para correção de
ectrópio senil. A: Ectrópio; B: Desenho do
retalho; C: Incisão e dissecção; D:
Transposição do retalho; E: Pós-operatório imediato;
F: Segundo dia de pós-operatório.
Figura 1 - Sequência técnica do retalho zigomático-palpebral para correção de
ectrópio senil. A: Ectrópio; B: Desenho do
retalho; C: Incisão e dissecção; D:
Transposição do retalho; E: Pós-operatório imediato;
F: Segundo dia de pós-operatório.
RESULTADOS
O retalho zigomático-palpebral para reconstrução da pálpebra inferior permite a
restauração da altura e comprimento vertical palpebral, prevenindo e corrigindo o
ectrópio. Os resultados imediatos (Figura 1F) e
tardios são satisfatórios e bem aceitos pelos pacientes e pela equipe cirúrgica em
termos de estética, qualidade da cicatriz e em termos funcionais, com oclusão
palpebral adequada e lubrificação ocular preservada.
O edema linfático do retalho tem sido a maior queixa nos casos operados, mas
apresenta resolução espontânea com tempo médio de 6 meses. Infecção, deiscência
cirúrgica, hematomas e demais intercorrências ainda não foram registrados pela
equipe. São apresentados a seguir, a fim de exemplificar, casos de reconstrução da
pálpebra inferior decorrente de câncer de pele em paciente jovem (Figura 2), em idoso (Figura 3) e de correção de ectrópio cicatricial em vítima de
queimadura térmica (Figura 4).
Figura 2 - Carcinoma basocelular em pálpebra inferior. A: Marcação
da lesão; B: Defeito maior que 50 % da lamela anterior em
paciente jovem, sem excedente de pele; C: Pós-operatório
imediato; D: Pós-operatório de 6 meses.
Figura 2 - Carcinoma basocelular em pálpebra inferior. A: Marcação
da lesão; B: Defeito maior que 50 % da lamela anterior em
paciente jovem, sem excedente de pele; C: Pós-operatório
imediato; D: Pós-operatório de 6 meses.
Figura 3 - Carcinoma espinocelular em pálpebra inferior. A:
Marcação da lesão e margem cirúrgica da resseção em plano total;
B: Reconstrução da lamela posterior e média com retalho
de Hughes; C: Posicionamento do retalho
zigomático-palpebral para reconstrução do defeito e fechamento da área
doadora; D: Pós-operatório de 6 meses.
Figura 3 - Carcinoma espinocelular em pálpebra inferior. A:
Marcação da lesão e margem cirúrgica da resseção em plano total;
B: Reconstrução da lamela posterior e média com retalho
de Hughes; C: Posicionamento do retalho
zigomático-palpebral para reconstrução do defeito e fechamento da área
doadora; D: Pós-operatório de 6 meses.
Figura 4 - Sequela de queimadura térmica. A: Ectrópio cicatricial;
B: Marcação do retalho e da extensão da área receptora;
C: Pós-operatório imediato; D:
Pós-operatório de 6 meses.
Figura 4 - Sequela de queimadura térmica. A: Ectrópio cicatricial;
B: Marcação do retalho e da extensão da área receptora;
C: Pós-operatório imediato; D:
Pós-operatório de 6 meses.
DISCUSSÃO
As pálpebras cobrem e protegem os olhos. Têm por função a proteção contra a luz
excessiva, traumas ou ressecamentos. Contêm glândulas que produzem muco,
lubrificantes e lipídeos que compõem o filme lacrimal. As pálpebras são divididas
em
três lamelas. A lamela anterior contém pele e músculo, a lamela média contém o septo
orbital e a lamela posterior contém tarso, placas tarsais e os músculos retratores
da pálpebra e conjuntiva. A pele das pálpebras é extremamente fina, sendo a pele da
pálpebra superior mais fina do que a da pálpebra inferior. Há muito pouca gordura
subcutânea na base da pele da pálpebra.
Técnicas de reconstrução da pálpebra envolvem a restauração de todas as lamelas, e
pelo menos uma destas camadas tem de ser bem vascularizada. Retalhos são preferíveis
quando comparados aos enxertos devido ao fenômeno like-to-like -
semelhança com a pele adjacente em textura, cor, espessura, elasticidade, além do
fornecimento de sangue intrínseco, a manutenção da sensação tátil, mesmo campo
cirúrgico, e durabilidade. Para os defeitos de espessura parcial, no entanto,
enxertos de pele podem ser bem adequados. A reconstrução satisfatória da pálpebra
inferior deve resultar em pálpebra justaposta ao globo ocular para prevenir o
ectrópio.
O tipo de reconstrução da pálpebra a ser realizada pode ser definida baseada em
termos de espessura e extensão do defeito. Técnicas de fechamento direto podem ser
usadas em defeitos de até 30% em pacientes jovens e até 45% no paciente idoso. Em
casos-limite, uma cantólise lateral pode proporcionar um relaxamento adicional do
fechamento da ferida.
Os retalhos locais e de vizinhança são úteis para reconstrução da lamela anterior.
Retalhos, como descrito por Tenzel, Hughes, Mustardé e Cutler são bem conhecidos
pelos cirurgiões plásticos e úteis em grandes defeitos, assim como enxertos de
cartilagem1-6. Tarso livre pode ser usado para reconstrução
da lamela posterior associado a retalho miocutâneo.
Na revisão da literatura, observa-se que a escolha do tipo de reconstrução da
pálpebra inferior varia de acordo com a textura da pele, as cicatrizes adjacentes
à
área receptora, a idade do paciente, provável resultado estético, o tamanho do
defeito e alternativas já utilizadas. O retalho zigomático-palpebral apresenta
algumas vantagens, dentre elas a simplicidade de execução, sangramento mínimo, baixa
morbidade de área doadora e pode ser feito sob anestesia local. Embora alguns
autores questionem o fato de o desenho do retalho não levar em conta qualquer das
subunidades estéticas da face, sendo este a maior ressalva encontrada na literatura,
as cicatrizes ao longo da região malar são esteticamente aceitáveis pelo paciente
e
considerada de bom aspecto pela equipe cirúrgica.
CONCLUSÃO
Retalho zigomático-palpebral é uma técnica alternativa que pode ser lembrada em casos
de pele escleroatrófica em pacientes idosos e para os jovens sem tecido suficiente
para reconstruir grandes defeitos.
COLABORAÇÕES
AGM
|
Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e
desenho do estudo; gerenciamento do projeto; redação - preparação do
original; redação - revisão e edição.
|
MPSN
|
Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; gerenciamento do
projeto.
|
LRCCT
|
Coleta de dados; redação - preparação do original.
|
MTRC
|
Coleta de dados.
|
CRRC
|
Coleta de dados.
|
VAP
|
Coleta de dados.
|
JPRP
|
Coleta de dados.
|
REFERÊNCIAS
1. Alghoul M, Pacella SJ, McClellan WT, Codner MA. Eyelid
reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2013;132(2):288e-302e. PMID:
23897357
2. Putterman AM. Deep and superficial eyelid fascia. Plast Reconstr
Surg. 2012;129(4):721e-3e.
3. Fezza JP, Massry G. Lower Eyelid Length. Plast Reconstr Surg.
2015;136(2):152e-9e.
4. Jindal K, Sarcia M, Codner MA. Functional considerations in
aesthetic eyelid surgery. Plast Reconstr Surg. 2014;134(6):1154-70. DOI:
http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0000000000000748
5. Orgill DP, Ogawa R. Current methods of burn reconstruction. Plast
Reconstr Surg. 2013;131(5):827e-36e. PMID: 23629122
6. Alves JCRR, Liu RP, Silva Filho AF, Pereira NA, Carvalho EES.
Reconstrução palpebral com enxerto de cartilagem autóloga de concha de orelha.
Rev Bras Cir Plast. 2012;27(2):243-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000200013
1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
Uberaba, MG, Brasil.
Autor correspondente: Aluísio Gonçalves
Medeiros Rua José de Alencar, nº 904, apto 203 - Abadia, Uberaba, MG,
Brasil CEP 38025-120 E-mail: aluisiogm@hotmail.com
Artigo submetido: 20/6/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.