ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Articles - Year1998 - Volume13 - Issue 3

RESUMO

Neste trabalho, avaliam-se os últimos achados sobre as caraterísticas anatômicas e funcionais do "órgão vômero nasal" humano. A freqüente incidência da identificação do "órgão vômero nasal" em pessoas normais indica que o sistema vômeronasal é uma estrutura anatômica constante da cavidade nasal. A avaliação de conexões neuronais entre este órgão e o sistema nervoso central mostra que o "órgão vômero nasal" é um sistema quimio-sensorial funcional com habilidade de modular alguns parâmetros autonômicos. A presença do "órgão vômero nasal" e seu significado clínico devem ser considerados pelos cirurgiões nas rinoseptoplastias.

Palavras-chave: rinoseptoplastia; órgão vômero nasal; feromônios

ABSTRACT

On this report the latest findings about the anatomical and funtional characteristics of the "vomeronasal organ" are evaluated. The high incidence of identification of the "vomeronasal organ" in nornal iudividuals indicates that the vomeronasal system is a universal feature of the adult human nasal cavity. Evaluation of the neuronal connections between this organ and the central nervous system shows that the "vomeronasal organ" is a functional chemosensory system with the ability to transduce signals that modulate certain autonomic parameters. Surgeons during nasal operations must consider the presence of the "vomeronasal organ" and its clinical significance.

Keywords: rhinoseptoplasty; vomeronasal organ; pheromones.


INTRODUÇÃO

A cirurgia nasal é procedimento freqüente na prática da cirurgia plástica, cujo resultado final deve apresentar um nariz com aparência agradável e função preservada(1,5). Estudos detalhados sobre a neurofisiologia nasal mostraram a importância do "órgão vômero nasal" para o ser humano. Este órgão olfativo foi descrito pela primeira vez em animais(6) e posteriormente em seres humanos(11). Anatomicamente, o "órgão vômero nasal" está descrito como um tubo em fundo cego, com 2 a 7 mm de comprimento, localizado na porção póstero-inferior do septo nasal cartilaginoso, próximo à união com o vômer(13). Sua abertura está voltada para a cavidade nasal e localizada a cerca de 2 cm da extremidade caudal do septo. Johnson e cols.(7) encontraram o "órgão vômero nasal" em 39 % dos cadáveres examinados. Garcia-Velasco e Mondragon(4) observaram a presença do "órgão vômero nasal" em ambas as fossas nasais em 91% dos casos, em 1000 pacientes analizados. Na análise histológica do "órgão vômero nasal", encontraram que o mesmo está constituído por um tecido pseudoestratificado, contendo 3 tipos de células morfologicamente diferentes, não apresentando similaridade com qualquer outro tecido do organismo (lO). Estudos realizados em fetos humanos revelaram a presênça de proeminentes "órgãos vómero nasais", em conexão direta com o sistema nervoso central(22). As suas análises histológicas mostraram um sistema quimio-sensorial para detecção de feromônios. Monti-Bloch e cols.(9), em um estudo duplo cego, compararam o potencial receptor do "órgão vômero nasal" com aquele do epitélio olfativo, estimulado-os com diferentes substâncias semelhantes aos feromônios humanos, chamados de vomeroferinas. Estudos mais recentes demonstraram que picodoses(10,11,12) de vomeroferinas aplicadas diretamente sobre o "órgão vômero nasal" são efetivas, com uma ação rápida e específica no sistema nervoso central (2).

O objetivo do presente trabalho é determinar a exata posição do "órgão vómero nasal" junto ao septo cartilaginoso do nariz, para a sua preservação nas septoplastias.


MATERIAL E MÉTODO

Foram realizadas dissecções nasais em 15 cadáveres, sendo 9 do sexo masculino e 6 do sexo feminino, com idade variando entre 23 e 57 anos, com média de 41,8 anos, para determinar-se a localização do "órgão vômero nasal". A Tabela I apresenta o demonstrativo geral do material utilizado nas dissecções anatômicas para determinar a localização do "órgão vômero nasal". Durante as mesmas empregou-se como via de aceso uma incisão transfixante cutâneo-mucosa sobre a linha média do dorso nasal prolongada até o lábio superior, no sentido crânio-caudal (Fig. 1). As paredes laterais da pirâmide nasal foram afastadas lateralmente, deixando exposto o septo cartilaginoso (Fig. 2), permitindo a identificação da abertura do "órgão vômero nasal" na mucosa septal (Fig. 3). Foram realizadas medições para definir a localização exata do "órgão vômero nasal" no septo nasal cartilaginoso, utilizando-se uma régua milimetrada. Determinou-se, através de uma linha reta, a distância da porção caudal do septo cartilaginoso até a margem anterior do orifício do "órgão vómero nasal", denominando-o de CS (Fig. 4). Outra medida para determinar a posição do "órgão vômero nasal" foi a distância, em linha reta e perpendicular à CS, entre o vómer e a margem inferior do orifício do "órgão vómero nasal", denominado de V (Fig. 4). O diâmetro do orifício do "órgão vômero nasal" também foi usado como parâmetro de avaliação, medido em milímetros e identificado por D (Fig. 5). Em dois dos cadáveres dissecados, o septo cartilaginoso, com seu revestimento mucoso, foi totalmente retirado, com o "órgão vómero nasal" identificado por transparência luminosa. (Fig. 6a). Após a demarcação da localização do "órgão vómero nasal", o mesmo foi retirado da mucosa do septo nasal cartilaginoso (Fig. 6b), seccionado longitudinalmente, o seu orifício identificado internamente (Fig. 6c) e enviado para análise histológica.




Fig. 1- Incisão realizada na linha média do dorso nasal e lábio superior.


Fig. 2 - Afastamento das paredes laterais expondo o septo cartilaginoso.


Fig. 3 - A imagem mostra a localização do "órgão vômero nasal". A seta indica o orifício do mesmo.


Fig. 4 - Representação esquemática do septo nasal, mostrando os parâmetros para determinar a posição do "órgão vômero nasal".


Fig. 5 - Imagem da mucosa do septo cartilaginoso mostrando o orifício do "orgão vômero nasal".


Fig. 6a - Mucosa do septo nasal dissecada e analizada por transparência luminosa, evidenciando o "órgão vômero nasal" na peça.


Fig. 6b - "Órgão vômero nasal" dissecado da mucosa do septo, seccionado ao meio. 'O' corresponde ao orifício do "órgão vômero nasal".


Fig. 6c - Septo cartilaginoso dissecado, a seta indica a localização do "orgão vômero nasal".



RESULTADOS

Dos 15 cadáveres analisados, 2 apresentaram perfuração traumática do septo cartilaginoso de etiologia desconhecida, em sua porção póstero-inferior, próximo à união com vômer, não permitindo a identificação do "órgão vómero nasal". Dos 13 cadáveres restantes, 7 do sexo masculino e 6 do sexo feminino, o "órgão vômero nasal" foi identificado por visão direta em 7 casos, correspondendo a 53,84% dos cadáveres analizados conforme apresentado na Tabela II. Nestes cadáveres foram realizadas as medidas para determinar a posição exata do "órgão vómero nasal", obtendo-se o valor médio de 17,5 mm para a distância da porção caudal do septo cartilaginoso até a margem anterior do orifício do "órgão vômero nasal" (CS), de 0,95 mm para a distância entre o vômer e a margem inferior do orifício do "órgão vômero nasal" (V) e 1,3 mm para o diâmetro do orifício do "órgão vômero nasal" (D), conforme apresentado na Tabela III. A análise histológica das 2 peças dissecadas mostrou, em corte transversal, uma estrutura glandular, sustentada por tecido conjuntivo frouxo, revestida por epitélio pseudoestratificado colunar, contendo três diferentes tipos de células: células claras que se estendem desde a membrana basal até a superfície livre do epitélio; células colunares de citoplasma escuro; e pequenas células localizadas na membrana basal por baixo das anteriores (Fig. 7). A localização do "órgão vômero nasal" não sofreu variação com a idade, sexo ou cor da pele dos cadáveres analizados.






Fig. 7 - No corte histológico do "orgão vômero nasal", observa-se o tecido pseudoestratificado formado por células claras (cc), células escuras (co) e células basais (cb), rodeado por tecido conetivo de sustentação (tc).



COMENTÁRIOS

No estudo realizado por García-Velasco e Mondragon(4), a presença do "órgão vômero nasal" foi constatada, sob visão direta, em 91 % dos seres humanos vivos examinados. Johnson e cols.(7) encontraram o "órgão vômero nasal" em apenas 39% das amostras analizadas, sendo que esta pesquisa foi realizada em cadáveres. Esta diferença na identificação do "órgão vômero nasal" é explicada pela retração da mucosa que ocorre rotineiramente no post-mortem. Esta retração da mucosa levaria à oclusão do orifício do "órgão vômero nasal", dificultando a sua identificação sob visão direta. Outro fator que dificulta a identificação do "órgão vômero nasal" é a variação do diâmetro do seu orifício desde 0,2 mm até 2 mm. Os orifícios de menor diâmetro somente seriam identificados através da microscopia comum, como relatado por Moran e cols.(10). No presente trabalho, a identificação do "órgão vômero nasal" ocorreu em 53,84% dos cadáveres analisados. Este resultado é discordante dos descritos por García-Velasco e Mondragon(4), pois estes autores analisaram o "órgão vômero nasal" em seres humanos vivos, enquanto no presente trabalho a pesquisa foi realizada em cadáveres. A funcionabilidade e a atividade do "órgão vômero nasal" em seres humanos, bem como a sua conexão com o sistema nervoso central, está amplamente reconhecida na literatura(9). O sistema quimio-sensorial do "órgão vômero nasal" é caracterizado pela presença de um epitélio pseudoestratificado colunar confirmado pelos achados histológicos das peças enviadas para análise. A importância clínica desta propriedade do "órgão vômero nasal" torna necessária a sua preservação nas rinoseptoplastias. Portanto, é de grande importância a sua precisa localização junto à mucosa do septo nasal cartilaginoso, pois com esta informação pode-se evitar o seu traumatismo, durante as cirurgias funcionais do nariz. As deformidades septais decorrentes de traumas ou as distorções secundárias do septo nasal promovem alterações nasais, tornando necessária a associação da septoplastia durante a cirurgia estética do nariz. Nas diversas técnicas para correção do septo nasal, como as descritas por Freer(3) e Killian(8), a incisão da mucosa é realizada na porção anterior do septo cartilaginoso, porém, sem determinar a localização exata da mesma, o que aumenta a possibilidade de lesar o "órgão vômero nasal" durante a sua realização. Com este conhecimento obtido no presente estudo, é possível realizar a septoplastia posicionando a incisão fora do perímetro ocupado pelo "órgão vômero nasal", preservando-o durante a sua realização.


CONCLUSÃO

Apesar da importância do "órgão vômero nasal" como sistema quimio-sensorial diretamente ligado ao sistema nervoso central, sua localização é pouco conhecida, não sendo levada em consideração nas rinoseptoplastias. Neste trabalho, determinou-se a exata localização do "órgão vômero nasal" na mucosa do septo cartilaginoso, com o objetivo de preservá-lo nas rinoseptoplastias.


BIBLIOGRAFIA

1. ABRAMO AC, ABDO FILHO D, GARCÍACASAS S. Extramucosal Rhinoplasty with Videoscopic Assistance. Aesth. Plast. Surg. 1998; 22:25-28.

2. BERLINER DL. Steroidal Substances Active in the Human Vomeronasal Organ Affect Hypothalamic Funtion.J. Steroid Biochem. Molec. Biol. 1996; 58:1.

3. FREER O. The Correction of Deflections of Nasal Septum with a Minimum of Traumatism. J. Amer. Med. Ass. 1992;38:636.

4. GARCÍA-VELASCO J, MONDRAGON M. The Incidence of the Vomeronasal Organ in 1000 Human Subjects and Its Possible Clinical Signifcance.J. Steroid. Biochm.Molec. Biol. 1991; 39:561- 563.

5. GARCÍA-VELASCO J, GARCÍA-CASAS S. Nose Surgery and the Vomeronasal Organ.Aesth. Plast. Surg. 1995; 19:451-454.

6. JACOBSON L. Description Anatomique d'un Organe Observe Dans les Mammiferes. Ann. Mus. Hist. Nat. 1811; 412-424.

7. JOHNSON A, JOSEPHSON R, HAWKE M. Clinical and Histological Evidence for the Presence of the Vomeronasal (Jacobson's) Organ in Adult Hurnans.J. Otolar. 1985; 14:71-79.

8. KILLIAN G. Submucose Fensterresektion der nasenscheidewand. Arch. Laryngol. Rhinol. 1904; 16:362.

9. MONTI-BLOCH L, JENNINGS-WHITE C, DOLBERG DS, BERLINER DL. The Human Vomeronasal System. Psychoneuroendocrinology. 1994; 19:673-686.

10. MORAN DT, JAFEK BW, ROWLEY JC III. The Vomeronasal (Jacobson's) Organ in Man: Ultraestructure and Frequency of occurrence. J. Steroid Biochem. Molec. 1991; 39:545-552.

11. POTIQUET M. Le Canal de Jacobson. Rev. Laryng. 1891; 737-753.

12. STENSAAS LJ, LAVKER RM, MONTIBLOCH L, GROSSER BI, BERLINER DL. Ultrastructure of the Human Vomeronasal Organ. J. Steroid Biochem. Mol. Biol. 1991; 39:553-560.

13. TESTUT L. Tratado de Anatomia Humana, Barcelona. Salvat Ed. 1912; 3:469.








I - Estagiários do ACA-Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.
II - Regente do ACA-Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.

R. Afonso de Freitas, 641 Paraíso - São Paulo - SP 04006-052

ACA-Grupo Integrado de Assistência em Cirurgia Plástica.

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license