INTRODUÇÃO
O Brasil deve registrar entre o biênio de 2018-2019 a ocorrência de 600 mil novos
casos de câncer1. A formação do câncer é
resultado do processo de carcinogênese, ou também conhecido como oncogênese,
responsável pela proliferação celular descontrolada. Um tumor só se torna visível
após ocorrer diversos estágios, dentre eles a quebra da integridade cutânea, e
infiltração de células malignas nas estruturas da pele, dando origem às feridas
neoplásicas2. Dos prováveis 600 mil novos
casos de câncer, estima-se que de 5% a 10% dos pacientes apresentarão feridas
tumorais. Apesar de ser uma condição mais comum em pacientes que estão em regime de
cuidados paliativos, surgem também em decorrências de tumores primários, secundários
ou doença recidivada3,4.
Portanto, a equipe tem o papel de tratar estas lesões de maneira a contribuir para
a
manutenção do conforto do paciente ou, ao menos, minimizar o desconforto decorrente
deste tipo de lesão. Para tal, os profissionais envolvidos buscam traçar estratégias
que permitam a construção de um histórico mais preciso do paciente, auxiliando na
elaboração de um plano de tratamento efetivo5,6.
Nesse sentido, é comum se incorporar tecnologias na assistência ao paciente, entre
estas, o uso da fotografia digital para documentação e para facilitar os registros
da evolução cicatricial de feridas, interferindo positivamente na comunicação da
equipe, e refletindo na qualidade da assistência, proporcionando subsídios para a
tomada de decisão dos profissionais, minimizando o tempo, os custos de tratamento
e
o sofrimento do paciente7,8.
Na revisão sistemática quanto aos métodos utilizados para avaliar feridas realizada
por Jørgensen et al.9 concluiu-se que a
planimetria digital e a imagem digital foram considerados os métodos mais precisos
e
confiáveis para medição de área, sobretudo em feridas maiores e irregulares. As
tecnologias tridimensionais até agora ainda não conseguiram superar esse método,
devido a sua baixa precisão, alto custo, complexidade do manuseio e interpretação
do
sistema.
OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo relatar o caso em que se utilizou a fotografia digital
como facilitador no processo de avaliação e tratamento de ferida oncológica
complexa.
MÉTODOS
Trata-se de relato de caso, realizado por meio da avaliação de dados extraídos do
prontuário eletrônico. Foram analisados os registros fotográficos realizados durante
o tratamento da ferida tumoral que se deu entre o período de novembro de 2017 a
março de 2018. O trabalho científico foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
Associação das Pioneiras Sociais, com o Certificado de Apresentação para Apreciação
Ética 90589618.6.0000.0022.
Os registros fotográficos foram capturados pelas câmeras digitais dos celulares da
equipe de Enfermagem. A captura das imagens deu-se durante a realização dos
curativos, com o paciente em decúbito dorsal, acomodado na enfermaria e com luz
ambiente. Os dados foram analisados e correlacionados com o número de mídias
anexadas ao prontuário eletrônico do paciente; condição clínica, fotográfica e de
exames de imagem; cenário e material utilizado para a aferição e análise. Foram
obtidos dados qualitativos e quantitativos a partir da imagem quanto à região
acometida, dimensões, aspecto, solução de continuidade, volume tridimensional,
presença de necrose e de tecido de granulação.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, admitida aos 31 anos com história de surgimento de lesão
na coxa esquerda há nove anos, submeteu-se a dois procedimentos cirúrgicos para
exérese, sem confirmação do diagnóstico, realizado em outro serviço médico.
Apresentou recidiva, foi admitida em nosso hospital ao exame físico apresentava
lesão expansiva, infiltrativa, medindo 20,0 x 18,3cm nos seus maiores eixos (Figura 1).
Figura 1 - Admissão apresentando tumor medindo 20 x18,3 x13,7cm, infiltrativo,
mal delimitado, ulcerado, infectado, protrusão tumoral heterogênea com
área de necrose e descontinuidade cutânea. RMN revelando lesão expansiva
com características agressivas e aspecto infiltrativo, comprometendo a
musculatura do compartimento anterior da coxa esquerda, com ulceração da
pele e volumoso componente tumoral protruso através da área de
descontinuidade cutânea; tem sinal heterogêneo, sendo possível delimitar
áreas com hipersinal, provavelmente secundárias à necrose.
Figura 1 - Admissão apresentando tumor medindo 20 x18,3 x13,7cm, infiltrativo,
mal delimitado, ulcerado, infectado, protrusão tumoral heterogênea com
área de necrose e descontinuidade cutânea. RMN revelando lesão expansiva
com características agressivas e aspecto infiltrativo, comprometendo a
musculatura do compartimento anterior da coxa esquerda, com ulceração da
pele e volumoso componente tumoral protruso através da área de
descontinuidade cutânea; tem sinal heterogêneo, sendo possível delimitar
áreas com hipersinal, provavelmente secundárias à necrose.
O laudo de biópsia e exame histopatológico de sarcoma sinovial bifásico grau 3 pela
Federation Nationale de Centres de Lutte Contre le Cancer
(FNCLCC), associado a estudo imuno-histoquímico e citogenético. O exame de
ressonância magnética nuclear da coxa esquerda na admissão (Figura 1) revelou lesão expansiva com características agressivas
e aspecto infiltrativo, comprometendo a musculatura do compartimento anterior da
coxa esquerda, com ulceração da pele e volumoso componente tumoral protruso através
da área de descontinuidade cutânea; tem sinal heterogêneo, sendo possível delimitar
áreas com hipersinal, provavelmente secundárias à necrose.
Não havia sinais de comprometimento ósseo, destacando-se parte da musculatura não
comprometida interposta entre a cortical do fêmur e lesão tumoral. Destacou-se a
presença de duas lesões nodulares satélites junto à margem superior da lesão, com
características de sinal semelhantes. Media nos seus maiores diâmetros cerca de 20,0
x 18,3 x 13,7cm, e as lesões satélites 3,6 x 3,4 x 2,4cm e 4,3 x 3,3 x 2,9cm,
presença de pequenos linfonodos na região inguinal esquerda, parcialmente avaliados
no exame.
A tomografia computadorizada do tórax era normal. Submeteu-se a procedimento para
ampla exérese de tumor da coxa esquerda, acompanhamento com curativos diários e
reconstrução com enxerto de pele parcial no segundo tempo.
A fotografia digital foi tirada na admissão da paciente e forneceu o registro da
imagem, aspectos específicos da ferida oncológica, tal como a região acometida,
dimensões, aspecto, solução de continuidade, volume tridimensional, presença de
necrose e de tecido de granulação (Quadro 1).
Ainda proporcionou a correlação entre exame clínico, de ressonância nuclear
magnética e de exame histopatológico, fornecendo a todos os membros da equipe a
avaliação da imagem a qualquer tempo para análise descritiva e comparativa. Foi
importante para mudança de condutas ao longo do acompanhamento dos curativos (Figuras 2 a 4).
Quadro 1 - Avaliação da fotografia nos aspectos quantitativos e
qualitativos.
Aspectos quantitativos |
Dimensão |
Continuidade |
Circunferência |
Aspecto Coloração |
Aspectos qualitativos |
Melhora |
Piora |
Estável |
Quadro 1 - Avaliação da fotografia nos aspectos quantitativos e
qualitativos.
Figura 2 - Acompanhamento evolutivo de curativos até o 6º dia pós-operatório
(PO) e com a mudança de tratamento com a introdução de curativos com
Aquacel® estéril do 6º ao 8° PO.
Figura 2 - Acompanhamento evolutivo de curativos até o 6º dia pós-operatório
(PO) e com a mudança de tratamento com a introdução de curativos com
Aquacel® estéril do 6º ao 8° PO.
Figura 3 - Acompanhamento evolutivo de curativos até o 12° dia pós-operatório
(PO) com Aquacel®, com melhora progressiva, e registro após mudança
terapêutica com Hidrogel® do 17 ao 26° PO. Enxertia realizada no 42°
PO.
Figura 3 - Acompanhamento evolutivo de curativos até o 12° dia pós-operatório
(PO) com Aquacel®, com melhora progressiva, e registro após mudança
terapêutica com Hidrogel® do 17 ao 26° PO. Enxertia realizada no 42°
PO.
Figura 4 - Acompanhamento evolutivo da primeira semana após a enxertia de pele
parcial, com integração de cerca de 90% do enxerto ao leito receptor e o
resultado no segundo mês de pós-operatório.
Figura 4 - Acompanhamento evolutivo da primeira semana após a enxertia de pele
parcial, com integração de cerca de 90% do enxerto ao leito receptor e o
resultado no segundo mês de pós-operatório.
DISCUSSÃO
A comunicação visual é uma importante ferramenta, desde os primórdios da história
da
humanidade, antes mesmo da escrita. Temos tentado aprimorar a forma de se comunicar
pela imagem, permitindo ao observador entender o que vê, absorvendo a imagem,
associando aos seus conhecimentos prévios e processando-a de forma a tirar suas
próprias conclusões7-10.
A fotointerpretação consistiu na análise dos dados qualitativos e quantitativos a
partir da imagem obtida por meio fotográfico utilizando os critérios apresentados
no
Quadro 18. A importância na análise de registros fotográficos foi a facilidade
da obtenção e da avaliação da imagem, principalmente porque o objeto não podia ser
tocado e a ferida era complexa. A obtenção de imagens por fotografias vem sendo
utilizada por cirurgiões plásticos desde longa data, para o registro do pré, trans
e
pós-operatório10.
Muitos autores propõem a padronização da fotografia para realização das imagens na
tentativa de melhorar a avaliação dos resultados11. Tavares et al.12 descreveram
a necessidade de realização de fotografias e registro no prontuário médico de
pacientes para o registro de seus diagnósticos, tratamentos e evoluções;
considerando essa ferramenta, além de um dever, uma fonte de informações científicas
e uma grande aliada nas potenciais lides jurídicas; ainda, descreveram técnica para
realização de fotografias transoperatórias.
A aquisição das imagens apresentadas nesta pesquisa foi rápida, realizada pelo
profissional no momento da realização do curativo, e pode ser transmitida a toda a
equipe que acompanhava o paciente. Ademais, foi uma importante ferramenta para a
avaliação de mudança de condutas, no caso dos produtos empregados durante os
curativos, na avaliação do momento para realização da enxertia de pele e no registro
das condições da ferida após a enxertia de pele. Além disso, funcionou para o ensino
e como documento legal no momento da sua tomada.
CONCLUSÃO
O uso da fotografia foi importante no acompanhamento da cicatrização de ferida
complexa, permitiu a obtenção da imagem para facilitar o diagnóstico, suas medidas
e
programação cirúrgica, auxiliou toda equipe no acompanhamento evolutivo e
intervenção na ferida. Ademais, a aquisição dos dados foi rápida, pôde ser
transmitida e facilitou a comunicação interdisciplinar, permitiu traçar planos
estratégicos de tratamento e são consideradas ferramentas para documentos legais e
para o ensino.
COLABORAÇÕES
BBC
|
Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e
desenho do estudo; metodologia; validação.
|
KTB
|
Análise e/ou interpretação dos dados; metodologia; redação - preparação
do original.
|
HJA
|
Redação - revisão e edição; supervisão.
|
MIZG
|
Supervisão.
|
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2018: Incidência de Câncer no Brasil.
Rio de Janeiro: INCA; 2017. [acesso 2018 Mar 23]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2018/estimativa-2018.pdf
2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Tratamento e controle de feridas tumorais e
úlceras por pressão no câncer avançado. Rio de Janeiro: INCA;
2009.
3. Silva KRM, Bontempo PSM, Reis PED, Vasques CI, Gomes IP, Simino GPR.
Intervenções Terapêuticas em Feridas Tumorais: Relato de Casos. Rev Bras
Cancerol. 2015;61(4):373-9.
4. Agra G, Fernandes MA, Platel ICS, Freire MEM. Cuidados Paliativos ao
Paciente Portador de Ferida Neoplásica: uma Revisão Integrativa da Literatura.
Rev Bras Cancerol. 2013;59(1):95-104.
5. Sacramento CJ, Reis PED, Simino GPR, Vasques CI. Manejo de Sinais e
Sintomas em Feridas Tumorais: Revisão Integrativa. R Enferm Cent O Min.
2015;5(1):1514-27.
6. Adderley U, Smith R. Topical agents and dressings for fungating
wounds. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(2):CD003948.
7. Gardona RGB, Ferracioli MM, Salomé GM, Pereira MTDJ. Avaliação da
qualidade dos registros dos curativos em prontuários realizados pela enfermagem.
Rev Bras Cir Plást. 2013;28(4):686-92.
8. Faria NGF, Peres HHC. Análise da produção científica sobre
documentações fotográficas de feridas em enfermagem. Rev Eletr Enferm.
2009;11(3):704-11.
9. Jørgensen LB, Sørensen JA, Jemec GB, Yderstraede KB.
Methods to assess area and volume of wounds - a systematic review. Int Wound J.
2016;13(4):540-53.
10. Stocchero IN, Torres FC. Fotografia digital em cirurgia plástica.
São Paulo: LMP Editora; 2005.
11. Coombes AG, Sethi CS, Kirkpatrick WN, Waterhouse N, Kelly MH, Joshi
N. A standardized digital photography system with computerized eyelid
measurement analysis. Plast Reconstr Surg. 2007;120(3):647-56.
12. Tavares MV, Cotta FB, Corrêa AG, Gomes RCB, Barros VM, Maia MR, et
al. Documentação fotográfica intra-operatória. Rev Bras Cir Plást.
2010;25(4):705-7.
1. Rede Sarah de Hospitais de reabilitação,
Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente:, Barbara Braga Cavalcante, SMHS, 501 Bloco A
- Brasília, DF, Brasil, CEP 70335-901. E-mail:
13516@sarah.br
Artigo submetido: 21/9/2018.
Artigo aceito: 4/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.