ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1999 - Volume14 - Issue 1

RESUMO

As deformidades congênitas da orelha, exceto as microtias, de causa genética ou mecânica, podem ser tratadas conservadoramente nas primeiras 72 horas de vida, por meio de modelagem anatômica, com material moldável de baixo custo (algodão hidrófilo) e fixação por fita adesiva tipo micro pore, que deve permanecer por um período de 10 a 21 dias. Nesta fase, os níveis de estrogênio materno circulante no recém-nascido diminuem rapidamente, permitindo que as cartilagens adquiram seu enrijecimento natural. Assim, a nova arma auricular obtida por modelagem tende a permanecer em caráter definitivo.

Palavras-chave: Deformidades; moldagem; estrogênio; recém-nascido (R.N.)

ABSTRACT

Genetic or mechanical ear deformities - except microtias - can be treated by a conservative approach in the first 72 hours of life by means of the ear's anatomical modeling with hydrophilic cotton (a low cost material) and fixation with micropore adhesive tape for 10 to 21 days. In this stage the level of maternal estrogen in the neonate circulation reduces quickly, allowing a natural hardening of the cartilage to its permanent shape.

Keywords: Deformity; molding; estrogen; neonate.


INTRODUÇÃO

No período pré-natal, o estrogênio relaxa ligamentos, cartilagens e tecido conectivo do feto, facilitando, assim, sua passagem pelo canal do parto. Nesse período, as deformidades congênitas da orelha podem resultar de anormalidades na morfogênese ou serem conseqüentes a pressões externas ou mal posicionamento fetal, fatores estes capazes de interferir na ação dos músculos extrínsecos e intrínsecos da orelha. Esses defeitos serão permanentes, à medida que o nível de estrogênio circulante diminua, levando ao enrijecimento das cartilagens, segundo os trabalhos de Matsuo 1982 (Tabela 1)(1) e Forst 1986(2).




Caso possamos intervir conservadoramente nos primeiros 3 dias de vida, através da confecção de um curativo modelador, as deformidades auriculares poderão ser corrigidas de modo permanente. Evitaremos assim a necessidade de correção cirúrgica no futuro.


MATERIAL E MÉTODO

Iniciamos nosso trabalho em 1984, no berçário do Hospital Felício Rocho em Belo Horizonte, onde tratamos 31 crianças. Em 1986, no berçário da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, acompanhamos e tratamos outras 31 crianças.

Esses 62 recém - nascidos foram examinados pelo pediatra e não apresentavam nenhum outro defeito congênito. Examinamos as orelhas dessas crianças e identificamos seis tipos de deformidades que se apresentavam de forma isolada em alguns casos e associadas em outros, unilateral em certas crianças e bilateral em outras, totalizando 133 deformidades tratadas.

Retornaram para controle com 2 meses de idade, 39 crianças com 97 deformidades e, nesse "follow-up", embora de curta duração, pudemos observar uma evolução favorável quanto à manutenção da forma anatômica das orelhas (Tabela II).




Numa revisão tardia, localizamos 20 crianças com 46 deformidades, entre 1990 e 1993, na faixa etária de 4 a 9 anos, que mantiveram correção favorável.


MÉTODO UTILIZADO

Identificada a deformidade da orelha, comunicamos à família a indicação do tratamento conservador. Obtida a autorização, fotografamos o recém-nascido e partimos para a moldagem das orelhas, utilizando solução de Hoffmann (álcool e éter em partes iguais) para desengordurar a pele e tintura de Benjoin para auxiliar na fixação da fita adesiva (Fig. 1).


Fig. 1 - Materiais utilizados



a) Preparamos pequenos rolinhos com algodão hidrófilo umedecido em água ou soro fisiológico.

b) Moldamos os sulcos anteriores (externos) e posteriores (internos), por aposição do algodão comprimido, conferindo, assim, uma conformação mais anatômica à orelha (Fig.2).


Fig 2 - Modelagem da orelha.



c) Fixamos a moldagem com pequenas tiras de micropore (Fig. 3).


Fig. 3 - Fixação do molde com micropore.



d) Reforçamos com tiras mais largas, à pele adjacente, mantendo a orelha imobilizada em sua nova posição (Fig. 4).


Fig. 4 - Reforço do molde com tiras largas de micropore.



Esses curativos foram realizados nas primeiras 72 horas de vida. Foram mantidos por um período de 10 dias em defeitos mais leves e por 21 dias em deformidades mais graves.


CLASSIFICAÇÃO DE DEFORMIDADES

As deformidades encontradas foram classificadas em 6 tipos:

a) Orelha dobrada no pólo superior ou "Lop ear",

b) Hélice lisa,

c) Irregularidade no pólo superior,

d) Orelha em xícara ou "Cup ear",

e) Orelha em abano,

f) Orelha com deformidade da anti-hélice ou "Stahl's ear".


AVALIAÇÃO ESTATÍSTICA

Em um "follow-up" recente (2 meses), observamos que, das 62 crianças com 133 deformidades tratadas de forma conservadora, pudemos acompanhar 39 casos e 97 defeitos. Esse número elevado de deformidades - 97 - é explicado pela bilateralidade, em alguns casos, e pela existência de mais de um tipo de deformidade na mesma orelha, em outros casos.

Para melhor avaliação dos resultados, consideramos 4 grupos assim denominados - excelente, bom, regular e fraco, segundo o tipo de deformidade apresentado (Tabela III).




Observamos, assim, que houve um expressivo grupo de 72,18% das deformidades que obteve um grau excelente de correção.

No "follow-up" tardio (mais de 4 anos), constatamos que das 39 crianças examinadas aos 2 meses, 20 delas foram reavaliadas e, de acordo com a Tabela IV, pudemos observar que se manteve o grau "Excelente" de correção em 73,91% dos casos.




Fig. 5 - R. N. de V. G., d.n.: 31/8/84, com antecedente familiar apresentando orelha em abano à esquerda. Curativo com 63 horas de vida, mantido por 21 dias, com excelente grau de correção.


Fig. 6 - R. N. de M. C. S. P. S., d.n.: 9/9/1984, sem antecedente familiar apresentando orelha dobrada ou "Lop ear" à direita. Curativo com 28 horas de vida, mantido por 21 dias, apresentando excelente grau de correção.


Fig. 7 - R. N. de J. N. M., d.n.: 21/7/86, sem antecedente familiar, apresentando Stahl's ear unilateral. Curativo com 48 horas de nascido e mantido por 10 dias, com excelente grau de correção.


Fig. 8 - R.N. de C.I.A, d.n.: 15/7/1986. Orelha em xícara (Cup ear) e em abano à esquerda, orelha em abano à direita. Curativo com 72 horas de vida, mantido por 21 dias. Pós-tratamento de 4 anos.



CONCLUSÃO

O método da modelagem anatômica das deformidades congênitas da orelha revelou simplicidade na execução e eficiência nos resultados, desde que possamos aplicálo nas primeiras 72 horas de vida do recém-nascido.

Foram tratadas 62 crianças com um total de 133 deformidades congênitas auriculares.

Em follow-up de 2 meses, 39 casos e 97 defeitos foram revistos e 72,18% dos resultados classificados como "excelentes". Destes 39 casos, pudemos avaliar tardiamente entre 4 e 9 anos após a moldagem, 20 crianças com 46 defeitos. O índice de resultados "excelentes" manteve-se inalterado em 73,91% dos casos, indicando que a correção é duradoura e definitiva.

Devido à facilidade e eficiência do método, que evita a correção cirúrgica futura da deformidade, sugerimos que ele deve ser divulgado entre os profissionais dos berçários em geral, para que a solução preventiva dessas alterações torne-se realidade em nosso meio.


BIBLIOGRAFIA

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I - Membro Titular da SBCP.

Endereço para correspondência:
Édina Márcia Zinato Respeita
R. Dom Viçoso, 20
Juiz de Fora - MG 36026-390

 

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