ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Report - Year2018 - Volume33 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0185

RESUMO

A lesão fechada simultânea por avulsão do tendão flexor profundo e do tendão flexor superficial dos dedos é rara, tendo sido relatados somente nove casos na literatura desde 1984. Foram descritas diversas técnicas para o reparo cirúrgico da lesão dos tendões flexores, todavia, sem um consenso sobre a melhor forma de reinserção do tendão. Relatamos o caso de um paciente que sofreu avulsão traumática do tendão flexor superficial e do tendão flexor profundo do 5º dedo, que foi tratado cirurgicamente pela técnica de Pull-Out.

Palavras-chave: Ferimentos e lesões; Tendões; Ruptura; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Mãos

ABSTRACT

Simultaneous closed traumatic avulsion of both the deep flexor tendon and the superficial flexor tendon of the fingers is rare, and only nine cases have been reported in the literature since 1984. Several surgical procedures for repairing flexor tendon lesions have been described, but there is no consensus on the best approach to reinsert the tendon. We report the case of a patient who suffered a traumatic avulsion of the superficial flexor tendon and the deep flexor tendon of the fifth finger, which was surgically treated using the pull-out technique.

Keywords: Wounds and injuries; Tendons; Rupture; Reconstructive surgical procedures; Hands


INTRODUÇÃO

O trajeto dos tendões flexores é dividido em cinco zonas, conforme proposto por Verdan. A zona I se estende imediatamente após a inserção do flexor superficial (FSD), até a inserção do flexor profundo, incluindo as polias C3 e A51. As lesões na zona I afetam somente o tendão flexor profundo do dedo (FPD), sendo relativamente comuns e prevalentes em jovens e atletas. O mecanismo de trauma geralmente é devido a lacerações ou avulsões fechadas, ocorrendo com maior frequência no quarto e quinto dedos da mão1,2.

A zona II é compreendida pela região entre a polia A1 e o início da zona I. Nela se localizam o túnel osteofibroso e o quiasma de Camper, sendo conhecida como Bunnell’s “no man’s land”, devido ao elevado risco de complicações após lesões tendinosas, como aderências e re-rupturas1.

O objetivo deste trabalho é descrever o caso raro de paciente que sofreu avulsão traumática do tendão flexor superficial e profundo do 5º dedo, nas zonas 1 e 2 de Verdan, respectivamente, e foi tratado cirurgicamente pela técnica de Pull-Out, descrita por Bunnell3.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 25 anos, procurou a emergência com relato de trauma no 5º dedo da mão esquerda, durante partida de futebol, ao tentar segurar a camisa de outro jogador, do dia anterior. Ao exame físico, apresentava dor na região palmar, edema e incapacidade de fletir as articulações interfalangianas proximal e distal do quinto quirodáctilo, sem alterações do status neurovascular.

Foram realizadas radiografias de urgência que confirmaram a integridade óssea. A ecografia do dedo evidenciava ruptura total dos tendões flexores superficial e profundo do 5º dedo com retração tendínea (Figura 1).

Figura 1 - Imagens ecográficas da ruptura total dos tendões flexores do 5º dedo.

A cirurgia foi realizada com paciente sob sedação, com bloqueio dos nervos do plexo braquial e isquemia do membro superior esquerdo. Foi realizado acesso palmar em “Z” de “Brunner” no 5º dedo e observada desinserção completa dos tendões flexores superficial e profundo (Figura 2). Após reparo dos cotos tendíneos com sutura tipo Krackow com Nylon 4-0, foram confeccionados túneis ósseos nas falanges média e distal com fio K 1.0mm.

Figura 2 - Ruptura completa e simultânea dos tendões flexores do 5º dedo.

Com auxílio de uma agulha hipodérmica n° 40 x 12 foram atravessados os fios de reparo dos cotos tendíneos para a região dorsal das falanges, os quais foram fixados às suas respectivas regiões de inserção pela técnica de Pull Out com auxílio de “botões” confeccionados com a base de uma seringa de 10 ml (Figura 3). Por fim, foi realizado o reparo das polias A3 e A5. Após sutura, foi realizado curativo e imobilização com tala dorsal com 10º de extensão do punho e flexão de 90º das articulações metacarpofalangianas (Figura 4).

Figura 3 - Botões confeccionados com seringa e agulha hipodérmica.

Figura 4 - Resultado intra-operatório após a reinserção dos tendões pela técnica de Pull-Out.

Foi instituído o protocolo descrito por Duran e mantivemos a imobilização dorsal por seis semanas, com troca a cada 15 dias e extensão progressiva da tala. Na 6ª semana foi retirada a imobilização e iniciada fisioterapia com terapeuta da mão.

Após 12 meses da cirurgia, o paciente se encontrava assintomático, cicatrizes com bom aspecto e sem aderências tendíneas. A sensibilidade permanecia sem alterações e o arco de movimento das articulações do dedo eram articulação interfalangiana proximal (AIFP) 10-90º, articulação interfalangiana distal (AIFD) 10-85º, articulação metacarpofalangiana (AMF) 0-90º (Figura 5). Este resultado é considerado bom pela escala da Sociedade Americana de Cirurgia da Mão (ADM > 75%) e excelente pela escala ajustada de Strickland4.

Figura 5 - Avaliação clínica pós-operatória.

DISCUSSÃO

A lesão por avulsão do tendão flexor profundo de sua inserção na base da falange distal do dedo é comum, principalmente em atletas e homens, com prevalência no dedo anular de 75% dessas lesões5. Já as injúrias no tendão flexor superficial dos dedos são incomuns, mais frequentemente afetando o dedo anelar ou médio5. A lesão fechada de ambos os tendões é rara, tendo sido descritos somente nove casos na literatura desde 19846.

Desses casos, todos os pacientes eram homens, com idades variando entre 16-49 anos (média de 26,9 anos). Em sete casos, houve o acometimento de um dedo (anular em quatros casos, dedo médio um caso, dedo mínimo em dois), um caso com dois dedos afetados (anular e mínimo) e um caso envolvendo três dedos (indicador, médio e anular)6. Em nosso caso, concordando com a pequena epidemiologia disponível na literatura mundial, o paciente era do sexo masculino, jovem (25 anos) e somente o dedo mínimo foi acometido.

Com relação ao mecanismo de trauma, o mais comum, ocorrido em três dos nove pacientes com a lesão de ambos os tendões, foi o Jersey finger (termo criado para designar a lesão fechada do tendão flexor profundo de sua inserção na falange distal do dedo, por ser comum entre jogadores de futebol americano e rúgbi ao tentar segurar a camisa ou jersey do adversário)6, assim como relatou nosso paciente, durante uma partida de futebol.

O trauma direto ocorreu em um caso, assim como o microtrauma repetitivo. Tração hiperextensão foi responsável por dois casos. Em todos os casos, exceto um, a lesão do FSD ocorreu na zona 26. No trabalho de Soro et al.6 a ruptura ocorreu na zona 3. Já em relação ao FPD, em dois casos o tendão foi acometido na zona 2, no restante, ocorreu na zona 1.

As radiografias do dedo acometido devem ser sempre solicitadas para avaliar a presença de fraturas nas falanges. Exames de imagem como ecografia e ressonância magnética (RM) auxiliam no diagnóstico do local onde o tendão foi lesado, facilitando a abordagem cirúrgica e evitando a exploração para localizar o coto do tendão rompido1,2,5.

No presente caso, as radiografias do dedo mínimo descartaram fraturas e a ecografia realizada nos auxiliou no diagnóstico da ruptura simultânea dos tendões, e ainda permitiu o planejamento adequado da operação. Dos relatos anteriores, somente Toussaint et al.7 utilizaram a ecografia pré-operatória como ferramenta para o diagnóstico, facilitando o procedimento cirúrgico realizado.

Foram descritas na literatura diversas técnicas para o reparo dos tendões flexores, todavia, sem um consenso sobre a melhor forma de reinserção do tendão. Alguns estudos relataram que a técnica de Pull Out está associada a um grande número de complicações. Kang et al.8 relataram uma taxa de infecção de 22%, e crescimento anormal da unha em 35% dos pacientes.

De fato, a presença do botão pode dificultar a higiene e prender nas roupas, pode provocar dor e necrose na pele pela pressão e lesão do leito ungueal se fixado muito proximalmente na reinserção do FPD. Em nosso caso, operado após dois dias da lesão, a técnica foi realizada conforme a descrição de Bunnell3 em ambos os tendões flexores do 5º dedo, e o paciente evoluiu sem complicações até a retirada dos botões.

Dos casos descritos com a lesão simultânea, a reconstrução com Pull-Out foi realizada em cinco dos seis casos operados agudamente, contudo, em dois casos o FSD foi ressecado. Em um caso agudo foi realizado o reparo em dois estágios, com excisão dos tendões no primeiro tempo e a utilização do enxerto do palmar longo como enxerto para reconstrução após nove semanas.

Todos os pacientes tratados agudamente, a cirurgia foi realizada entre 0-4 dias. Em dois casos, a reconstrução foi realizada subaguda, com a cirurgia ocorrendo com 14 e 20 dias após a lesão. No primeiro, foi feito o reparo termino-terminal do FPD e ressecção do FSD, e no outro, o reparo em dois tempos com o enxerto do palmar longo. No único caso tratado cronicamente, já com quatro semanas da lesão, foi utilizado enxerto do palmar longo para reconstrução6.

Em sete dos nove casos descritos, os autores afirmaram que seus pacientes retornaram ao trabalho, com boa função dos dedos lesionados, mesmo nas reconstruções tendíneas tardias, em dois estágios. Em oito casos, os autores citaram alguma rigidez ou limitação da mobilidade da articulação interfalangiana distal, sem comprometimento significativo da função do dedo.

O resultado foi descrito como bom ou excelente em cinco dos casos. Em quatro casos os autores acreditam que o resultado final não foi bom devido a lesão do FPD ter ocorrido na zona 2 ou devido à dilaceração na zona 16. Nosso paciente, apesar da perda parcial da flexão da AIFD, evoluiu com retorno completo às suas atividades militares, sem limitações.

As diversas técnicas cirúrgicas empregadas nos casos previamente descritos não permitem um consenso para o tratamento da lesão. Acreditamos que a reconstrução mais anatômica possível, com o reparo dos dois tendões lesados, permite um melhor resultado funcional. Concordando com nossa opinião, em três dos casos publicados foi realizada a reinserção do FSD e FPD com ótimos resultados funcionais e com mínima perda de movimentos6.

Avaliando os três casos em que o FSD foi ressecado, nossa opção de tratamento se ratifica. Um deles evoluiu com rigidez da articulação interfalangiana distal (AIFD) e flexão residual da interfalangiana proximal (AIFP); outro permaneceu com limitação do arco de movimento em todas as articulações do dedo operado (AMF, AIFP e AIFD); e o terceiro caso, que teve dois dedos lesados, evoluiu com limitação de movimentos e flexão residual nas AIF dos dois dedos (IFD 15º, IFP 10º dedo anular e IFD 10º e IFP 40º dedo mínimo)6. Assim, defendemos que o tratamento com poucos dias da lesão, ausência de fraturas, técnica de Pull Out e programa fisioterápico coadjuvante favoreceram o resultado, mesmo na zona 2.

A lesão do tendão flexor profundo do dedo foi primeiramente classificada por Leddy e Packer em três tipos baseada no nível de retração do coto proximal, na presença e no tamanho de fragmento ósseo avulsionado9. Posteriormente, novos subtipos foram adicionados a classificação original (tipos 4, 5A, 5B e 5C). Recentemente, Azeem et al.10 criaram uma nova classificação (Quadro 1) mais abrangente, para facilitar o entendimento do padrão da lesão e, assim, proporcionar o tratamento mais adequado para um melhor desfecho.

Quadro 1 - Classificação de Azeem10.
Tipo I Avulsão isolada do tendão FPD, sem fratura da falange distal
Tipo Ia Avulsão do tendão e retração até o nível da AIFP
Tipo Ib Avulsão do tendão com um mínimo fragmento ósseo que previne a retração do tendão até a palma da mão
Tipo Ic Avulsão do tendão e retração até a palma da mão
Tipos II e III Avulsão associada a fratura da falange distal
Tipo IIa Tendão avulsionado aderido a um fragmento ósseo único da falange distal, extra- articular
Tipo IIb Tendão avulsionado aderido a um fragmento ósseo único da falange distal, intra- articular
Tipo IIc Tendão avulsionado está aderido a um fragmento ósseo da falange distal, intra ou extra-articular, com fratura da cortical dorsal
Tipo III Similar ao tipo II, mas com retração secundária do tendão do fragmento ósseo avulsionado, estando ou não aderido a outro fragmento ósseo
Tipo IIIa Tendão encarcerado na polia A4
Tipo IIIb Tendão retraído até a palma da mão
Tipo IIIc Fratura da falange distal envolvimento articular
Tipo IIId Fratura da falange distal com acometimento da cortical dorsal

FPD: Flexor Profundo do Dedo; AIFP: Articulação Interfalangiana Proximal.

Quadro 1 - Classificação de Azeem10.

Esses autores defendem que sua classificação é mais compreensiva e inclui todas os padrões de lesão dos tendões flexores. Todavia, a lesão descrita em nosso caso, com a avulsão do FPD associada ao FSD não está presente na classificação de Azeem10. Acreditamos que a lesão combinada dos flexores poderia ser incluída como um novo subtipo dessa classificação.

CONCLUSÃO

A avulsão por trauma fechado, simultânea, dos tendões flexores superficial e profundo dos dedos é uma lesão rara, tendo sido descritos somente nove casos na literatura mundial. Apesar dos bons resultados apresentados previamente, as diferentes técnicas empregadas por cada autor não permitem definir a melhor forma de tratar essa lesão. Neste relato de caso, a técnica de Pull-Out, originalmente descrita por Bunnell, associada a protocolo específico, proporcionou a fixação adequada de ambos os tendões, com baixo custo, e um ótimo resultado funcional.

COLABORAÇÕES

HM

Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e desenho do estudo; gerenciamento do projeto; investigação; metodologia; realização das operações e/ ou experimentos; redação - preparação do original; redação - revisão e edição.

CG

Aprovação final do manuscrito.

IC

Aprovação final do manuscrito.

JLD

Aprovação final do manuscrito.

REFERÊNCIAS

1. Azar FM, Canale ST, Beaty JH. Campbell's Operative Orthopaedics. 13th ed. Philadelphia: Elsevier/Mosby; 2016.

2. Green DP, Hotchkiss R, Pederson W, eds. Green's Operative Hand Surgery. 7th ed. New York: Churchill Livingstone; 1999. p. 1877, 81.

3. Bunnell S. Primary repair of severed tendons: the use of stainless steel wire. Am J Surg. 1940;47(2):502-16.

4. Libberecht K, Lafaire C, Van Hee R. Evaluation and functional assessment of flexor tendon repair in the hand. Acta Chir Belg. 2006;106(5):560-5.

5. Netscher DT, Badal JJ. Closed flexor tendon ruptures. J Hand Surg Am. 2014;39(11):2315-23.

6. Soro MA, Christen T, Durand S. Unusual Closed Traumatic Avulsion of Both Flexor Tendons in Zones 1 and 3 of the Little Finger. Case Rep Orthop. 2016;2016:6837298. DOI: http://dx.doi.org/10.1155/2016/6837298

7. Toussaint B, Lenoble E, Roche O, Iskandar C, Dossa J, Allieu Y. Subcutaneous avulsion of the flexor digitorum profundus and flexor digitorum superficialis tendons of the ring and little fingers caused by blast injury. Ann Chir Main Memb Super. 1990;9(3):232-5.

8. Kang N, Pratt A, Burr N. Miniplate fixation for avulsion injuries of the flexor digitorum profundus insertion. J Hand Surg Br. 2003;28(4):363-8.

9. Leddy JP. Avulsions of the flexor digitorum profundus. Hand Clin. 1985;1(1):77-83.

10. Azeem MA, Marwan Y, Morshidy AE, Esmaeel A, Zakaria Y. A New Classification Scheme for Closed Avulsion Injuries of the Flexor Digitorum Profundus Tendon. J Hand Surg Asian Pac Vol. 2017;22(1):46-52.











1. Hospital da Força Aérea de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
2. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
3. Hospital Naval Marcílio Dias, Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Instituição: Hospital da Força Aérea de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

Autor correspondente: Henrique Mansur, Área Militar do Aeroporto Internacional de Brasília - Lago Sul - Brasília, DF, Brasil, CEP 71607-900. E-mail: henrimansur@globo.com

Artigo submetido: 3/4/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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