INTRODUÇÃO
Úlceras de pressão são alterações da integridade da pele e tecidos subjacentes,
causadas por pressão, mais usualmente nas proeminências ósseas e especialmente em
áreas desprovidas de sensibilidade local, levando à necrose e ulceração.
Dados da literatura internacional estimam que entre 3% e 14% de todos os pacientes
hospitalizados desenvolvem úlceras de pressão1, fato que ressalta a importância das medidas preventivas nos pacientes com
risco aumentado. O tratamento cirúrgico das úlceras de pressão remonta a 1947, com
Croce & Beakes2 utilizando retalhos
cutâneos.
A utilização de retalhos musculares e musculocutâneos (proposta por Ger3, Minami et al.4, e Nahai et al.5) e também a
utilização de retalhos fasciocutâneo (propostos por Hurwitz et al.6, Alonso et al.7, Ramirez8, Calil et al.9 e Paletta et al.10) constituiu grande implemento ao arsenal cirúrgico para o
tratamento destas afecções. Dentro da grande variedade de situações que surgem na
clínica diária, necessitam-se de soluções cirúrgicas com características peculiares
às necessidades locais do paciente.
OBJETIVO
Descrevemos a correção simultânea de úlceras de pressão sacral e isquiática extensas
com retalho único em paciente paraplégico com 21 anos de idade. Internou com anemia,
infecção urinária, necrose nas úlceras, além de contratura espástica em membros
inferiores. Após tratamento clínico, foi submetido à correção das úlceras pela
rotação de um retalho fasciomiocutâneo de glúteo máximo e face posterior da coxa,
pediculado pelas artérias glúteas superior e inferior e seu ramo fasciocutâneo
posterior da coxa.
Apesar das dimensões, o retalho utilizado apresentou boa perfusão sanguínea,
evoluindo sem necrose ou deiscência. O retalho mostrou ser uma opção válida em
pacientes jovens e sem afecções que levem a comprometimento circulatório.
RELATO DO CASO
Paciente de 21 anos de idade, masculino, paraplégico há um ano. Cuidados inadequados
levaram ao desenvolvimento de múltiplas úlceras de pressão, dentre elas, sacral e
isquiática direita extensas. O paciente internou febril, desnutrido, anêmico, com
infecção urinária, necrose nas úlceras, além de contratura espástica em membros
inferiores.
Após preparo clínico, realizou-se a correção simultânea da úlcera sacral e isquiática
direita por meio da rotação de retalho fasciomiocutâneo único.
Técnica cirúrgica
Paciente posicionado em decúbito ventral, demarcado o retalho e as bordas das
ulceras (Figura 1), dissecção do retalho
partir da extremidade distal fixando a fáscia ao tecido celular subcutâneo
(TCSC), elevação do músculo grande glúteo e porção cutânea (Figura 2), rotação e sutura do retalho fechando as duas
ulceras (Figura 3) e fechamento da área
doadora da coxa borda a borda; o retalho e área doadora evoluiu com boa
cicatrização (Figuras 4 e 5).
Figura 1 - Demarcação do retalho e bordas das úlceras.
Figura 1 - Demarcação do retalho e bordas das úlceras.
Figura 2 - Intraoperatório - retalho já elevado.
Figura 2 - Intraoperatório - retalho já elevado.
Figura 3 - Retalho posicionado e área doadora com suturas
temporárias.
Figura 3 - Retalho posicionado e área doadora com suturas
temporárias.
Figura 4 - Pós-operatório - úlcera sacral tratada.
Figura 4 - Pós-operatório - úlcera sacral tratada.
Figura 5 - Pós-operatório - úlcera isquiática tratada; mostra também úlcera
trocantérica tratada.
Figura 5 - Pós-operatório - úlcera isquiática tratada; mostra também úlcera
trocantérica tratada.
RESULTADOS
O retalho utilizado para a correção simultânea das úlceras sacral e isquiática
direita apresentou boa perfusão sanguínea e evoluiu sem necrose ou hematoma.
Apresentou pequeno sofrimento superficial na extremidade proximal da área doadora
posterior da coxa por tensão na linha de sutura, que cicatrizou espontaneamente, e
apresentou drenagem de secreção sero-hemática em sua extremidade distal, o que não
impediu uma cicatrização adequada. Ressaltamos que a tensão não comprometeu o
retorno venoso do membro inferior direito.
DISCUSSÃO
A circulação da porção fasciocutânea posterior da coxa do retalho utilizado foi
programada para ter sua nutrição a partir do ramo fasciocutâneo da artéria glútea
inferior conforme Alonso et al.7 e Paleta et
al.10. Os estudos anatômicos de Calil et
al.9 mostram intersecção com as artérias
primeira e segunda perfurantes ramos da artéria femoral profunda, levando a uma
extensa área de perfusão cutânea na face posterior da coxa, o que permite a
confecção de retalhos de grandes dimensões.
Os estudos de Hurwitz et al.6 mostraram
anastomoses da artéria glútea inferior com ramos da artéria circunflexa femoral
medial. Quando estes e outros vasos anastomóticos foram seccionados, a artéria
glútea inferior poderia suprir a circulação da região posterior da coxa.
Ramirez8 citou a importância da artéria
primeira perfurante para a perfusão do retalho fasciocutâneo posterior da coxa.
Entretanto, em dois terços dos retalhos de seu trabalho esta artéria foi ligada sem
prejuízo para o retalho. Citou também a importância dos ramos da artéria circunflexa
femoral medial com sua localização mais superior e medial que a primeira
perfurante.
Devido ao arco de rotação do retalho utilizado neste trabalho e à inclusão do músculo
glúteo máximo, houve a necessidade de se ligar as artérias primeira e segunda
perfurantes, mantendo a perfusão da porção fasciocutânea posterior da coxa através
do ramo fasciocutâneo da artéria glútea inferior. A inclusão do músculo glúteo
máximo no retalho possibilitou um melhor preenchimento da úlcera sacral extensa.
Na eventualidade de necrose da porção fasciocutânea, teríamos como opção o uso do
retalho miocutâneo do grácil ou fasciocutâneo locais. Numa recidiva da úlcera
sacral, um retalho fasciocutâneo pode ser confeccionado para o fechamento
isoladamente ou associado a retalho musculocutâneo ou fasciocutâneo de região glútea
contralateral.
CONCLUSÕES
A utilização do retalho fasciomiocutâneo do glúteo máximo e da face posterior da coxa
para correção simultânea de úlcera sacral e isquiática direita neste caso descrito,
em um paciente jovem, sem afecções que levem a comprometimento circulatório e
clinicamente equilibrado, mostrou-se uma boa opção cirúrgica.
COLABORAÇÕES
ACJ
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Concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos; redação - preparação do original.
|
RSF
|
Aprovação final do manuscrito; redação - revisão e edição.
|
REFERÊNCIAS
1. Bergstrom N, Allman RM, Alvarez OM, Carlsson CE, Eaglesetein W,
Frantz RA, et al. Pressure ulcer in adults: prediction and prevention.
Rockville: Agency for Health Care Policy and Research; 1992.
2. Croce EJ, Beakes HC. The operative treatment of decubitus ulcer. N
Engl J Med. 1947;237(5):141-9.
3. Ger R. The surgical management of decubitus ulcers by muscle
transposition. Surgery. 1977;69(1);106-10.
4. Minami RT, Mills R, Pardoe R. Gluteus maximus myocutaneous flaps for
repair of pressure sores. Plast Reconstr Surg.
1977;60(2):242-9.
5. Nahai F, Silverton JS, Hill HL, Vasconez LO. The tensor fascia lata
musculocutaneous flap. Ann Plast Surg. 1978;1(4):372-9.
6. Hurwitz DJ, Swartz WM, Mathes SJ. The gluteal thigh flap: a
reliable, sensate flap for the closure of buttock and perineal wounds. Plast
Reconstr Surg. 1981;68(4):521-32.
7. Alonso N, Carramaschi F, Calonge HCF, Gemperli R, Monteiro Júnior
AA, Ferreira MC. Retalho fasciocutâneo posterior da coxa no tratamento de
úlceras de pressão. Rev Bras Ortop. 1986;21(1):13-5.
8. Ramirez OM. The distal gluteus maximus advancement musculocutaneous
flap for coverage of trochanteric pressure sores. Ann Plast Surg.
1987;18(4):295-302.
9. Calil JA, Ferreira LM, Neto MS, Castilho HT, Garcia EB. Aplicação
clínica do retalho fasciocutâneo da região posterior da coxa em V-Y. Rev Assoc
Med Bras. 2001;47(4):311-9.
10. Paletta C, Bartell T, Shahadi S. Applications of the posterior thigh
flap. Ann Plast Surg. 1993;30(1):41-7.
1. Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
PR, Brasil.
2. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR,
Brasil.
Autor correspondente: Antonio Chiquetti Junior, Rua Paes Leme, nº
1264, sala 601 - Jardim das Américas - Londrina, PR, Brasil, CEP 86010-610.
E-mail: chiqueti@sercomtel.com
Artigo submetido: 12/4/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.