INTRODUÇÃO
A restauração da integridade anatômica da orelha é de importância fundamental após
defeitos gerados pela ressecção de lesões tumorais cutâneas ou resultantes de
eventos traumáticos1-3, como foi citado por Sánchez-Sambucety et
al.1. Esses mesmos autores descreveram uma
opção para reconstrução de defeitos auriculares usando como princípio a transposição
de um retalho de base superior, localizado na região pré-auricular, mantendo assim
as características originais, como textura e cor da orelha.
Diversas técnicas cirúrgicas podem ser empregadas para a reconstrução da orelha,
entre elas o fechamento por segunda intenção, síntese primária, enxertos de pele
parcial ou total e/ou empregos de retalhos locais1,3,4.
O reparo auricular é complexo, particularmente quando o defeito atinge a região
anterior da orelha, que, por ser mais visível, requer técnicas que restabeleçam de
maneira adequada a integridade anatômica das estruturas afetadas. Quando o tumor é
situado na escafa, o processo de reconstrução dependerá do tamanho do defeito
resultante da exérese da lesão, e a presença ou não de cartilagem e pericôndrio3.
Dependendo da área afetada, podemos empregar retalhos insulares nutridos por
diferentes artérias. A artéria temporal superficial (ATS) é de grande importância
para vascularização da orelha (Figura 1). A
partir dela surgem ramos auriculares que vão nutrir as diferentes partes do complexo
auricular3,5. A artéria auricular superior provém da ATS, e
o retalho de base superior é especialmente indicado para reparar defeitos anteriores
não marginais da fossa escafoide, anti-hélice e da fossa triangular1,5 . O restante da orelha é suprido pela artéria auricular posterior5.
Neste trabalho nós descrevemos a transposição de um retalho insular pré-auricular
tunelizado, para cobertura de defeito na região da escafa, processo cirúrgico em
etapa única e de fácil execução técnica. Esse procedimento pode ser usado também em
defeitos marginais maiores que 2,5cm, e ser excetuada em dois estágios, como
descrito por Di Mascio & Castagnetti4.
Figura 1 - Na figura destacam-se a artéria carótida externa, que emite os ramos
auricular posterior, e artéria temporal superficial, que emite os ramos
superior, médio e inferior que irão irrigar a parte anterior da orelha.
Distribuição do sistema vascular arterial da orelha.
Figura 1 - Na figura destacam-se a artéria carótida externa, que emite os ramos
auricular posterior, e artéria temporal superficial, que emite os ramos
superior, médio e inferior que irão irrigar a parte anterior da orelha.
Distribuição do sistema vascular arterial da orelha.
RELATO DO CASO
Paciente 71 anos, foi submetido em 2015 à excisão de tumor cutâneo em concha
auricular esquerda, seguida de enxertia cutânea com boa evolução pós-operatória. O
laudo histopatológico revelou carcinoma nodular e esclerodermiforme com componente
escamoso, ulcerado, limites cirúrgicos livres.
Em agosto de 2017, retorna ao ambulatório de Cirurgia Plástica com queixa de nova
lesão, dessa vez em topografia da escafa de orelha esquerda (Figura 2). Optou-se por nova abordagem cirúrgica. No
intraoperatório, em estudo de congelação, observou-se que a lesão acometia pele,
tecido celular subcutâneo e pericôndrio, optando por ressecção desses tecidos, com
margem de segurança nos limites laterais e profundos. Para fechamento do defeito
resultante do ato cirúrgico, optamos pela rotação de um retalho da região
pré-auricular. A lesão foi reparada com bom resultado estético e funcional.
Figura 2 - No círculo menor, nota-se lesão tumoral com bordas mal delimitadas,
ulcerada no centro, na região da escafa. No círculo maior evidenciamos
área previamente tratada com enxertia cutânea, após exérese
tumoral.
Figura 2 - No círculo menor, nota-se lesão tumoral com bordas mal delimitadas,
ulcerada no centro, na região da escafa. No círculo maior evidenciamos
área previamente tratada com enxertia cutânea, após exérese
tumoral.
Técnica cirúrgica
A lesão foi demarcada com violeta de genciana a 2%, com margem de segurança
(Figura 3A). Sob anestesia local, foi
realizada a excisão da lesão incluindo pericôndrio (Figura 3B). O defeito resultante foi medido em seu maior
eixo. Desenhamos um retalho pré-auricular de dimensões compatíveis com o defeito
(Figura 3C).
Figura 3 - A: Na figura observamos lesão tumoral demarcada com
violeta de genciana, com limites cirúrgicos laterais de 4mm;
B: Lesão tumoral sendo ressecada, respeitando os
limites cirúrgicos laterais e profundo; C: Após
ressecção da lesão, demarcamos um retalho insular em região
pré-auricular anterior; D: O retalho sendo levantado a
partir do seu ponto distal, mantendo-se sua base íntegra;
E: Retalho insular rodado cobrindo o defeito gerado
pela ressecção tumoral; F: O procedimento é finalizado
com síntese primária do retalho e da área doadora.
Figura 3 - A: Na figura observamos lesão tumoral demarcada com
violeta de genciana, com limites cirúrgicos laterais de 4mm;
B: Lesão tumoral sendo ressecada, respeitando os
limites cirúrgicos laterais e profundo; C: Após
ressecção da lesão, demarcamos um retalho insular em região
pré-auricular anterior; D: O retalho sendo levantado a
partir do seu ponto distal, mantendo-se sua base íntegra;
E: Retalho insular rodado cobrindo o defeito gerado
pela ressecção tumoral; F: O procedimento é finalizado
com síntese primária do retalho e da área doadora.
O retalho foi levantado, e sua base desepidermizada (Figura 3D). Foi feita uma
incisão através da cruz da hélice, criando um túnel para passagem do retalho,
sendo este mobilizado através do túnel e adaptado ao defeito (Figura 3E). A área
doadora e a receptora foram fechadas por síntese primária (Figura 3F).
DISCUSSÃO
O retalho pré-auricular foi originalmente descrito por Pennisi et al.6, em 1965, para correção de defeitos do lóbulos
da orelha. Com modificações no procedimento, o retalho foi também utilizado para
defeitos na orelha, entretanto, muitos autores descrevem esse método em dois
estágios7.
As lesões resultantes de processos tumorais ou traumáticos são frequentes no complexo
auricular e exigem conhecimento técnico especializado no seu reparo. As diversas
opções de reconstrução auricular incluem retalhos locais, enxertos de pele ou
cicatrização por segunda intenção1.
Ressalta-se que a utilização de retalhos para reconstrução auricular, quando da
excisão de tumores, é a técnica mais indicada, pois o fechamento direto pode causar
distorção da anatomia, enxertia nessa região é de difícil aderência7,8.
Quando a lesão se situa na escafa, a reconstrução dependerá do tamanho do defeito
e
do envolvimento ou não de tecidos mais profundos como pericôndrio e cartilagem8,9. A exposição de cartilagem requer fechamento imediato pelo maior risco
de infecção, necrose e condrite crônica9.
Defeitos pequenos podem ser fechados por síntese primária ou uso de enxertos
cutâneos. Lesões maiores e mais complexas podem exigir a reconstrução por meio de
retalhos pré ou pós-auriculares1.
A técnica de interpolação do retalho posterior, descrita inicialmente em 1972 por
Masson10, é procedimento de elevado
risco, apesar de ser a primeira escolha na reconstrução conchal. O tecido tende a
apresentar o pedículo estreito, e a realização de rotação dentro da orelha dificulta
a circulação local.
Foram descritos vários retalhos da região mastóidea para reparo da orelha, muitos
deles exigindo dois estágios cirúrgicos11,12. No nosso caso
descrevemos um retalho de tempo cirúrgico único, com cor semelhante à da pele
auricular, bem vascularizado e que pode ser usado para reparar defeitos com ou sem
alterações em tecidos mais profundos como pericôndrio e cartilagem. Essa técnica
possibilita bom resultado estético, além da preservação da anatomia do pavilhão
auricular13.
CONCLUSÃO
Os defeitos auriculares requerem procedimentos que restaurem a forma e mantenham a
simetria. O retalho pré-auricular de base superior é de execução fácil em mãos
experientes, fornece pele de boa qualidade, e é executado em único tempo cirúrgico,
tornando-o ideal para reparar defeitos principalmente em região da escafa, antélice
e fossa triangular.
COLABORAÇÕES
DAD
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e
desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação
do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo; suplemento especial
(apresentador do artigo).
|
WS
|
Análise estatística.
|
PRG
|
Análise e/ou interpretação dos dados.
|
MFC
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
SDB
|
Aprovação final do manuscrito.
|
FFD
|
Realização das operações e/ou experimentos.
|
REFERÊNCIAS
1. Sánchez-Sambucety P, Alonso-Alonso T, Rodríguez-Prieto MA.
Tunnelized preauricular transposition flap for reconstruction of anterior
auricular defects. Actas Dermosifiliogr. 2008;99(2):161-2.
2. Armin BB, Ruder RO, Azizadeh B. Partial auricular reconstruction.
Semin Plast Surg. 2011;25(4):249-56.
3. Pereira N, Brinca A, Vieira R, Figueiredo A. Tunnelized preauricular
transposition flap for reconstruction of auricular defect. J Dermatolog Treat.
2014;25(5):441-3. DOI: 10.3109/09546634.2012.713457
4. Di Mascio D, Castagnetti F. Tubed flap interpolation in
reconstruction of helical and ear lobe defects. Dermatol Surg. 2004;30(4 Pt
1):572-8. DOI: 10.1111/j.1524-4725.2004. 30182.x
5. Standring S, ed. Gray's Anatomy: The Anatomical Basis of Medicine
and Surgery. 39th ed. London: Churchill-Livingstone; 2005.
6. Pennisi VR, Klabunde EH, Pierce GW. The Preauricular Flap. Plast
Reconstr Surg. 1965;35:552-6.
7. Braga AR, Pereira LC, Grave M, Resende JH, Lima DA, De Souza AP, et
al. Tunnelised inferiorly based preauricular flap repair of antitragus and
concha after basal cell carcinoma excision: case report. J Plast Reconstr
Aesthet Surg. 2011;64(3):e73-5. DOI:10.1016/j.bjps.2010.09.005
8. Pereira CCA, Sousa VB, Silva SCMC, Santana ANLL, Carmo MCLC, Macedo
PRW. Carcinoma basocelular de localização inusitada na orelha - reconstrução
cirúrgica. Surg Cosmet Dermatol. 2016;8(4):362-5.
DOI:10.5935/scd1984-8773.201684836
9. Suchin KR, Greenbaum SS. Preauricular tubed pedicle flap repair of a
superior antihelical defect. Dermatol Surg. 2004;30(2 Pt
1):239-41.
10. Masson, JK. A simple island flap for reconstruction of concha-helix
defects. Br J Plast Surg. 1972;25(4):399-403.
11. Song R, Song Y, Qi K, Jiang H, Pan F. The superior auricular artery
and retroauricular arterial islands flaps. Plast Reconstr Surg.
1996;98(4):657-67.
12. Jayarajan R. A versatile flap reconstruction of partial pinna
defects - The preauricular flap. JPRAS Open. 2017;13:49-52. DOI:
10.1016/j.jpra.2017.05.007
13. Dessy LA, Figus A, Fioramonti P, Mazzocchi M, Scuderi N.
Reconstruction of anterior auricular conchal defect after malignancy excision:
revolving-door flap versus full-thickness skin graft. J Plast Reconstr Aesthet
Surg. 2010;63(5):746-52. DOI: 10.1016/j.bjps .2009.01.073
1. Hospital Federal de Ipanema, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil.
Autor correspondente: Délcio Aparecido Durso, Rua Visconde de
Pirajá, 135, apto 603 - Ipanema - Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP: 22410-001.
E-mail: medurso06@yahoo.com.br
Artigo submetido: 3/1/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.