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Case Report - Year2018 - Volume33 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0182

RESUMO

O complexo auricular representa sede frequente de lesões, especialmente de origem tumoral ou resultante de eventos traumáticos. Diversas são as opções cirúrgicas para restaurar a integridade anatômica da orelha. Relatamos o caso de um paciente que apresentou lesões tumorais em mais de uma ocasião na face anterior da orelha esquerda e que precisou de intervenção cirúrgica para a correção do defeito gerado pela excisão tumoral. Como procedimento proposto, planejamos e executamos um retalho insular de base superior, que por meio de um túnel criado na projeção da fossa triangular foi rodado para a fossa escafoide, reparando-a em um único tempo cirúrgico, apresentando resultados estético e funcional satisfatórios ao paciente.

Palavras-chave: Orelha; Neoplasias da orelha; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos

ABSTRACT

The auricular complex is commonly affected by tumors or traumatic events. Several surgical options are available for restoration of ear anatomy. We report the case of a patient who presented with tumor lesions on more than one occasion in the anterior left ear and required surgical intervention to correct the defect generated by excision. As a proposed procedure, we designed and executed a superiorly-based insular flap that was rotated to the scaphoid fossa through a tunnel created in the projection of the triangular fossa; this was performed in a single stage, and the patient was satisfied with the aesthetic and functional results.

Keywords: Ear; Ear neoplasms; Surgical flaps; Reconstructive surgical procedures


INTRODUÇÃO

A restauração da integridade anatômica da orelha é de importância fundamental após defeitos gerados pela ressecção de lesões tumorais cutâneas ou resultantes de eventos traumáticos1-3, como foi citado por Sánchez-Sambucety et al.1. Esses mesmos autores descreveram uma opção para reconstrução de defeitos auriculares usando como princípio a transposição de um retalho de base superior, localizado na região pré-auricular, mantendo assim as características originais, como textura e cor da orelha.

Diversas técnicas cirúrgicas podem ser empregadas para a reconstrução da orelha, entre elas o fechamento por segunda intenção, síntese primária, enxertos de pele parcial ou total e/ou empregos de retalhos locais1,3,4.

O reparo auricular é complexo, particularmente quando o defeito atinge a região anterior da orelha, que, por ser mais visível, requer técnicas que restabeleçam de maneira adequada a integridade anatômica das estruturas afetadas. Quando o tumor é situado na escafa, o processo de reconstrução dependerá do tamanho do defeito resultante da exérese da lesão, e a presença ou não de cartilagem e pericôndrio3.

Dependendo da área afetada, podemos empregar retalhos insulares nutridos por diferentes artérias. A artéria temporal superficial (ATS) é de grande importância para vascularização da orelha (Figura 1). A partir dela surgem ramos auriculares que vão nutrir as diferentes partes do complexo auricular3,5. A artéria auricular superior provém da ATS, e o retalho de base superior é especialmente indicado para reparar defeitos anteriores não marginais da fossa escafoide, anti-hélice e da fossa triangular1,5 . O restante da orelha é suprido pela artéria auricular posterior5.

Neste trabalho nós descrevemos a transposição de um retalho insular pré-auricular tunelizado, para cobertura de defeito na região da escafa, processo cirúrgico em etapa única e de fácil execução técnica. Esse procedimento pode ser usado também em defeitos marginais maiores que 2,5cm, e ser excetuada em dois estágios, como descrito por Di Mascio & Castagnetti4.

Figura 1 - Na figura destacam-se a artéria carótida externa, que emite os ramos auricular posterior, e artéria temporal superficial, que emite os ramos superior, médio e inferior que irão irrigar a parte anterior da orelha. Distribuição do sistema vascular arterial da orelha.

RELATO DO CASO

Paciente 71 anos, foi submetido em 2015 à excisão de tumor cutâneo em concha auricular esquerda, seguida de enxertia cutânea com boa evolução pós-operatória. O laudo histopatológico revelou carcinoma nodular e esclerodermiforme com componente escamoso, ulcerado, limites cirúrgicos livres.

Em agosto de 2017, retorna ao ambulatório de Cirurgia Plástica com queixa de nova lesão, dessa vez em topografia da escafa de orelha esquerda (Figura 2). Optou-se por nova abordagem cirúrgica. No intraoperatório, em estudo de congelação, observou-se que a lesão acometia pele, tecido celular subcutâneo e pericôndrio, optando por ressecção desses tecidos, com margem de segurança nos limites laterais e profundos. Para fechamento do defeito resultante do ato cirúrgico, optamos pela rotação de um retalho da região pré-auricular. A lesão foi reparada com bom resultado estético e funcional.

Figura 2 - No círculo menor, nota-se lesão tumoral com bordas mal delimitadas, ulcerada no centro, na região da escafa. No círculo maior evidenciamos área previamente tratada com enxertia cutânea, após exérese tumoral.

Técnica cirúrgica

A lesão foi demarcada com violeta de genciana a 2%, com margem de segurança (Figura 3A). Sob anestesia local, foi realizada a excisão da lesão incluindo pericôndrio (Figura 3B). O defeito resultante foi medido em seu maior eixo. Desenhamos um retalho pré-auricular de dimensões compatíveis com o defeito (Figura 3C).

Figura 3 - A: Na figura observamos lesão tumoral demarcada com violeta de genciana, com limites cirúrgicos laterais de 4mm; B: Lesão tumoral sendo ressecada, respeitando os limites cirúrgicos laterais e profundo; C: Após ressecção da lesão, demarcamos um retalho insular em região pré-auricular anterior; D: O retalho sendo levantado a partir do seu ponto distal, mantendo-se sua base íntegra; E: Retalho insular rodado cobrindo o defeito gerado pela ressecção tumoral; F: O procedimento é finalizado com síntese primária do retalho e da área doadora.

O retalho foi levantado, e sua base desepidermizada (Figura 3D). Foi feita uma incisão através da cruz da hélice, criando um túnel para passagem do retalho, sendo este mobilizado através do túnel e adaptado ao defeito (Figura 3E). A área doadora e a receptora foram fechadas por síntese primária (Figura 3F).

DISCUSSÃO

O retalho pré-auricular foi originalmente descrito por Pennisi et al.6, em 1965, para correção de defeitos do lóbulos da orelha. Com modificações no procedimento, o retalho foi também utilizado para defeitos na orelha, entretanto, muitos autores descrevem esse método em dois estágios7.

As lesões resultantes de processos tumorais ou traumáticos são frequentes no complexo auricular e exigem conhecimento técnico especializado no seu reparo. As diversas opções de reconstrução auricular incluem retalhos locais, enxertos de pele ou cicatrização por segunda intenção1. Ressalta-se que a utilização de retalhos para reconstrução auricular, quando da excisão de tumores, é a técnica mais indicada, pois o fechamento direto pode causar distorção da anatomia, enxertia nessa região é de difícil aderência7,8.

Quando a lesão se situa na escafa, a reconstrução dependerá do tamanho do defeito e do envolvimento ou não de tecidos mais profundos como pericôndrio e cartilagem8,9. A exposição de cartilagem requer fechamento imediato pelo maior risco de infecção, necrose e condrite crônica9.

Defeitos pequenos podem ser fechados por síntese primária ou uso de enxertos cutâneos. Lesões maiores e mais complexas podem exigir a reconstrução por meio de retalhos pré ou pós-auriculares1.

A técnica de interpolação do retalho posterior, descrita inicialmente em 1972 por Masson10, é procedimento de elevado risco, apesar de ser a primeira escolha na reconstrução conchal. O tecido tende a apresentar o pedículo estreito, e a realização de rotação dentro da orelha dificulta a circulação local.

Foram descritos vários retalhos da região mastóidea para reparo da orelha, muitos deles exigindo dois estágios cirúrgicos11,12. No nosso caso descrevemos um retalho de tempo cirúrgico único, com cor semelhante à da pele auricular, bem vascularizado e que pode ser usado para reparar defeitos com ou sem alterações em tecidos mais profundos como pericôndrio e cartilagem. Essa técnica possibilita bom resultado estético, além da preservação da anatomia do pavilhão auricular13.

CONCLUSÃO

Os defeitos auriculares requerem procedimentos que restaurem a forma e mantenham a simetria. O retalho pré-auricular de base superior é de execução fácil em mãos experientes, fornece pele de boa qualidade, e é executado em único tempo cirúrgico, tornando-o ideal para reparar defeitos principalmente em região da escafa, antélice e fossa triangular.

COLABORAÇÕES

DAD

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo; suplemento especial (apresentador do artigo).

WS

Análise estatística.

PRG

Análise e/ou interpretação dos dados.

MFC

Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

SDB

Aprovação final do manuscrito.

FFD

Realização das operações e/ou experimentos.

REFERÊNCIAS

1. Sánchez-Sambucety P, Alonso-Alonso T, Rodríguez-Prieto MA. Tunnelized preauricular transposition flap for reconstruction of anterior auricular defects. Actas Dermosifiliogr. 2008;99(2):161-2.

2. Armin BB, Ruder RO, Azizadeh B. Partial auricular reconstruction. Semin Plast Surg. 2011;25(4):249-56.

3. Pereira N, Brinca A, Vieira R, Figueiredo A. Tunnelized preauricular transposition flap for reconstruction of auricular defect. J Dermatolog Treat. 2014;25(5):441-3. DOI: 10.3109/09546634.2012.713457

4. Di Mascio D, Castagnetti F. Tubed flap interpolation in reconstruction of helical and ear lobe defects. Dermatol Surg. 2004;30(4 Pt 1):572-8. DOI: 10.1111/j.1524-4725.2004. 30182.x

5. Standring S, ed. Gray's Anatomy: The Anatomical Basis of Medicine and Surgery. 39th ed. London: Churchill-Livingstone; 2005.

6. Pennisi VR, Klabunde EH, Pierce GW. The Preauricular Flap. Plast Reconstr Surg. 1965;35:552-6.

7. Braga AR, Pereira LC, Grave M, Resende JH, Lima DA, De Souza AP, et al. Tunnelised inferiorly based preauricular flap repair of antitragus and concha after basal cell carcinoma excision: case report. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(3):e73-5. DOI:10.1016/j.bjps.2010.09.005

8. Pereira CCA, Sousa VB, Silva SCMC, Santana ANLL, Carmo MCLC, Macedo PRW. Carcinoma basocelular de localização inusitada na orelha - reconstrução cirúrgica. Surg Cosmet Dermatol. 2016;8(4):362-5. DOI:10.5935/scd1984-8773.201684836

9. Suchin KR, Greenbaum SS. Preauricular tubed pedicle flap repair of a superior antihelical defect. Dermatol Surg. 2004;30(2 Pt 1):239-41.

10. Masson, JK. A simple island flap for reconstruction of concha-helix defects. Br J Plast Surg. 1972;25(4):399-403.

11. Song R, Song Y, Qi K, Jiang H, Pan F. The superior auricular artery and retroauricular arterial islands flaps. Plast Reconstr Surg. 1996;98(4):657-67.

12. Jayarajan R. A versatile flap reconstruction of partial pinna defects - The preauricular flap. JPRAS Open. 2017;13:49-52. DOI: 10.1016/j.jpra.2017.05.007

13. Dessy LA, Figus A, Fioramonti P, Mazzocchi M, Scuderi N. Reconstruction of anterior auricular conchal defect after malignancy excision: revolving-door flap versus full-thickness skin graft. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010;63(5):746-52. DOI: 10.1016/j.bjps .2009.01.073











1. Hospital Federal de Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Instituição: Hospital Federal de Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Autor correspondente: Délcio Aparecido Durso, Rua Visconde de Pirajá, 135, apto 603 - Ipanema - Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP: 22410-001. E-mail: medurso06@yahoo.com.br

Artigo submetido: 3/1/2018.
Artigo aceito: 1/10/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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