INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional vai remodelar inexoravelmente o mundo que conhecemos.
É
um processo gradual, gerador de verdadeiras mudanças comunitárias que trarão impacto
sobre a saúde, o bem-estar, as classes sociais e a capacidade individualizada de ser
útil na sociedade. O desafio atual é conhecer tais mudanças que já afetam
diretamente a qualidade de vida da população1.
Qualidade de vida é um construto multidimensional e cada um dos seus aspectos
(físico, emocional, psicológico, espiritual e social) tem importância de modo
individual para as pessoas, principalmente na velhice, fase de vida que se
caracteriza pela heterogeneidade com que se apresenta2.
Estudos comprovam que a cirurgia estética é um recurso capaz de provocar melhora da
qualidade de vida dos seus pacientes nos aspectos físico e mental2-5, principalmente no que diz respeito à autoestima, independentemente da
idade, sexo ou raça.
Autoestima é uma importante medida de saúde mental definida como um senso de valor
e
aceitação da pessoa por si mesma. Os idosos tendem a perder a autoestima devido às
mudanças da aparência e das funções, às perdas pessoais e à cessação do trabalho.
Tais dificuldades os colocam expostos a ansiedade e a depressão. Sendo assim, ações
que favoreçam o aumento da autoestima do idoso são vistas como decisivas para
afastá-los de doenças mentais6.
A melhoria da autoestima tem sido apontada como a principal motivação para se
submeter a uma ou mais cirurgias estéticas. Para o idoso, as cirurgias estéticas,
juntamente com procedimentos estéticos pouco invasivos, podem atenuar os aspectos
mais visíveis do envelhecimento melhorando assim a sua autoestima7.
Mesmo demonstrando melhoria na autoestima e qualidade de vida (QV), observam-se ainda
baixas porcentagens de cirurgias estéticas entre os idosos. Dados recentes da
Sociedade Americana de Cirurgia Plástica mostram que 23% (373.418 cirurgias) do
total das cirurgias cosméticas realizadas em 2015 foram em pessoas acima dos 55
anos, não havendo, portanto, levantamento específico dos pacientes acima de 65 anos,
idade do início da fase idosa em países desenvolvidos8. No Brasil, as cirurgias em pessoas com 65 anos ou mais correspondem a
5,4% do total de cirurgias plásticas9.
OBJETIVO
Diante da heterogeneidade do envelhecimento e da percepção dessa fase da vida, faz-se
necessário o estudo das mudanças provocadas por ações de cunho estético sobre o
idoso. A consequente necessidade de se avaliar essa relação da cirurgia estética
(CE) com a QV do idoso e sua repercussão sobre a autoestima inspira a realização de
uma pesquisa comparativa entre idosos que se submeteram e idosos que não se
submeteram a esse tipo de cirurgia, objetivando esclarecer o impacto que a cirurgia
estética ocasiona no idoso.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, tipo caso-controle, pareado por condições
socioeconômicas, para o qual foram escolhidas apenas participantes do sexo feminino
pelo fato de representarem ampla maioria (84,6%) das CEs mundiais. A amostra foi
formada por dois grupos de mulheres com 60 anos ou mais, sendo 25 idosas
selecionadas dentre pacientes de uma clínica particular de Cirurgia Plástica
localizada na periferia de Brasília, submetidas à CE (grupo-caso) nos últimos cinco
anos, e 25 idosas frequentadoras do Centro de Convivência do Idoso (CCI), mantido
pela Universidade Católica de Brasília (UCB), não submetidas à CE (grupo controle).
Estas idosas foram selecionadas de modo a parearem os dois grupos, após levantamento
dos dados do primeiro grupo como idade, estado civil, escolaridade e região de
moradia.
Os critérios de inclusão para o grupo-caso foram mulheres com 60 anos ou mais
submetidas à CE nos anos de 2013 a 2017; para o grupo controle, as idosas que não
foram submetidas à CE. Os critérios de exclusão, válidos para os dois grupos, foram:
idosas que passaram por cirurgia plástica reparadora, as com síndromes demenciais,
perdas visuais, auditivas ou incapacidade de verbalizar, além daquelas provenientes
de áreas administrativas afastadas de Taguatinga.
A entrevista, individual, com a pesquisadora preenchendo os instrumentos para evitar
cansaço e outras possíveis limitações das idosas10, iniciou-se com a apresentação do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Em seguida, foi aplicado o Miniexame de Estado Mental -
(MEEM)11, instrumento de avaliação
cognitiva, funcional e comportamental, visando a avaliação clínica do estado
cognitivo das pacientes, utilizando-se como pontos de corte: para analfabetos, 20
pontos; para baixa e média escolaridade, 25 pontos e para alta escolaridade, 28
pontos12.
A paciente considerada apta pela avaliação cognitiva foi então submetida à aplicação
do questionário elaborado para esta pesquisa, com perguntas sobre o perfil
socioeconômico, aspectos clínicos, aspectos cirúrgicos, sobre motivação e impacto
da
cirurgia estética na sua vida e relacionamentos. O questionário elaborado apresenta
variação entre os dois grupos, pois ao grupo controle, era perguntado se a idosa
faria ou não uma cirurgia estética. Dependendo da resposta, sim ou não,
questionou-se as motivações para se submeter ou não à cirurgia estética.
Em seguida, a pesquisadora aplicou a Escala de Autoestima de Rosenberg13 apresentando cinco sentenças referentes à
autoimagem positiva e cinco referentes à autoimagem negativa, medindo assim valor
e
atitude frente a emoções, numa escala tipo Likert14.
Finalizando a entrevista, para a avaliação de QV foi utilizado o questionário
WHOQOL-BREF15 que avalia os domínios
físico, psicológico, social e ambiental do sujeito da pesquisa. Essa forma de WHOQOL
foi escolhida por ser a única a perguntar sobre satisfação com a aparência física
e
por apresentar um menor número de questões, 26, com 5 opções de resposta.
Os dados foram analisados no programa STATA, versão 14.0. Inicialmente, foi realizado
o teste de Shapiro-Wilk para verificação da normalidade das
variáveis quantitativas. A seguir, foi realizada análise descritiva. As variáveis
qualitativas foram apresentadas como frequência absoluta e relativa e as
quantitativas como média e desvio padrão. Também foram utilizados o Teste
U de Mann-Whitney e o Teste Exato de
Fisher, além do alfa de Cronbach para
confiabilidade.
A presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) da
Universidade Católica de Brasília obtendo parecer favorável n º 2124672, mediante
protocolo CAAE 69067917.5.0000.0029.
RESULTADOS
Participaram do presente estudo um total de 50 mulheres, 25 idosas constituindo o
grupo 1 (grupo não operado ou grupo controle) e outras 25 idosas constituindo o
grupo 2 (grupo operado ou grupo caso). Na Tabela 1 pode ser observada a caracterização da amostra.
Tabela 1 - Características sociodemográficas das pacientes do estudo.
Variáveis |
Total (n = 50) |
Grupo 1 (n = 25) |
Grupo 2 (n = 25) |
p-valor
|
Idade (anos), média ± DP |
67,26±5,35 |
67,36±5,49 |
67,16±5,32 |
0,9151 |
Escolaridade (anos), média ± DP |
9,96±4,84 |
9,44±4,77 |
10,48±4,95 |
0,3951 |
Renda (sal. mín.), média ± DP |
4,58±3,36 |
3,00±2,08 |
6,16±3,68 |
0,0011 |
Estado marital, n (%) |
|
|
|
|
Com parceiro |
16 (32,0) |
7 (28,0) |
9 (36,0) |
0,7622 |
Sem parceiro |
34 (68,0) |
18 (72,0) |
16 (64,0) |
|
Etnia, n (%) |
|
|
|
|
Branca |
17 (34,0) |
8 (32,0) |
9 (36,0) |
0,0332 |
Preta |
6 (12,0) |
6 (24,0) |
- |
|
Parda |
16 (27,0) |
11 (44,0) |
16 (64,0) |
|
Grau de escolaridade, n (%) |
|
|
|
|
1º |
20 (40,0) |
11 (44,0) |
9 (36,0) |
0,7692 |
2º |
15 (30,0) |
8 (32,0) |
7 (28,0) |
|
3º |
15 (30,0) |
6 (24,0) |
9 (36,0) |
|
Tabela 1 - Características sociodemográficas das pacientes do estudo.
Segundo as características clínicas e de hábito de vida, a maioria das idosas
estudadas não era tabagista, não usava álcool, e convivia com alguma comorbidade,
principalmente hipertensão arterial e dislipidemia.
A média de cirurgias realizadas por paciente foi de 2,16 (DP: 1,21), mínimo de uma
cirurgia e máximo de cinco cirurgias por paciente. Apurou-se que 36% das idosas
fizeram uma CE e 64% fizeram mais de uma, concomitantes ou em diferentes tempos
cirúrgicos. As cirurgias mais realizadas foram abdominoplastia e blefaroplastia, com
64% para ambas, seguidas do lifting de face ou ritidoplastia (40%),
conforme observado na Figura 1.
Figura 1 - Tipos de cirurgias realizadas pelo grupo operado.
Figura 1 - Tipos de cirurgias realizadas pelo grupo operado.
Do total das 25 mulheres operadas, 16,0% apresentaram complicações
pós-operatórias.
As complicações relatadas foram: deiscência (12%), seroma (8%), hematoma (4%), TEP
(4%) e infecção (4%). Seis pacientes (24%) passaram por revisão cirúrgica para
melhoria do resultado estético, sendo retoques de cicatrizes inestéticas as mais
frequentes.
Ao serem indagadas sobre os motivos para a realização da cirurgia, o desconforto
físico, a melhoria da QV e a insatisfação com a própria imagem foram os motivos mais
citados por elas, seguidos de desejo de rejuvenescimento e melhoria do aspecto
social (Figura 2).
Figura 2 - Motivos de realização das cirurgias.
Figura 2 - Motivos de realização das cirurgias.
Na Tabela 2, é observado o nível de satisfação
das idosas operadas.
Tabela 2 - Nível de satisfação das mulheres idosas que realizaram cirurgias.
Aspecto |
Nível de satisfação |
Muito pouco |
Pouco |
Médio |
Muito |
Muitíssimo |
Com a vida |
- |
- |
2 (8,0) |
14 (56,0) |
9 (36,0) |
Autoimagem |
1 (4,0) |
1 (4,0) |
2 (8,0) |
12 (48,0) |
9 (36,0) |
Relação com o parceiro |
14 (56,0) |
3 (12,0) |
3 (12,0) |
4 (16,0) |
1 (4,0) |
Relação com a família |
8 (32,0) |
3 (12,0) |
4 (16,0) |
8 (32,0) |
2 (8,0) |
Trabalho |
17 (68,0) |
2 (8,0) |
- |
4 (16,0) |
2 (8,0) |
Social |
5 (20,0) |
3 (12,0) |
1 (4,0) |
13 (52,0) |
3(12,0) |
Tabela 2 - Nível de satisfação das mulheres idosas que realizaram cirurgias.
Na Tabela 3, são observados os escores médios
dos itens e o escore global mensurado na Escala de Autoestima de Rosenberg, além da
confiabilidade do instrumento por grupo. A análise da confiabilidade da Escala de
Autoestima de Rosenberg em ambos os grupos mostrou um alfa de
Cronbach padronizado de 0,715, sugerindo boa confiabilidade
interna na amostra. Valores semelhantes foram encontrados para o grupo operado e não
operado. Não se observou diferença estatística no escore global de autoestima entre
os grupos operado e não operado. No entanto, o grupo operado apresentou escore maior
de autoestima relacionado aos itens 4 e 8 (sentir-se mais capaz e sentir mais
respeito próprio).
Tabela 3 - Comparação entre os itens e escores de autoestima medidos na Escala de
Rosenberg dos grupos de idosas submetidas e não submetidas à cirurgia
estética.
Itens |
Grupo total (n = 50) |
Grupo 1 (n = 25) |
Grupo 2 (n = 25) |
p-valor1 |
1 |
3,10 ± 0,42 |
3,00 ± 0,29 |
3,20 ± 0,50 |
0,081 |
2 |
3,10 ± 0,36 |
3,00 ± 0,29 |
3,20 ± 0,41 |
0,053 |
3 |
3,31 ± 0,62 |
3,24 ± 0,66 |
3,40 ± 0,57 |
0,408 |
4 |
3,04 ± 0,49 |
2,88 ± 0,33 |
3,20 ± 0,58 |
0,020 |
5 |
3,16 ± 0,51 |
3,04 ± 0,35 |
2,38 ± 0,61 |
0,073 |
6 |
3,12 ± 0,38 |
3,04 ± 0,35 |
3,20 ± 0,41 |
0,147 |
7 |
3,04 ± 0,57 |
3,08 ± 0,49 |
3,00 ± 0,64 |
0,637 |
8 |
2,78 ± 0,54 |
2,60 ± 0,50 |
2,96 ± 0,54 |
0,023 |
9 |
4,96 ± 0,73 |
3,04 ± 0,79 |
2,88 ± 0,67 |
0,450 |
10 |
3,60 ± 0,67 |
3,76 ± 0,52 |
3,44 ± 0,77 |
0,075 |
Global |
31,22 ± 2,82 |
30,68 ± 2,62 |
31,76 ± 2,96 |
0,341 |
Confiabilidade |
|
|
|
|
Alfa de Cronbach |
0,715 |
0,724 |
0,709 |
- |
CCI (IC 95%) |
0,701 (0,560-0,811) |
0,732 (0,542-0,864) |
0,685 (0,462-0,841) |
- |
p-valor
|
< 0,001 |
< 0,001 |
< 0,001 |
- |
Tabela 3 - Comparação entre os itens e escores de autoestima medidos na Escala de
Rosenberg dos grupos de idosas submetidas e não submetidas à cirurgia
estética.
Nenhuma idosa apresentou autoestima baixa. A prevalência de autoestima alta foi maior
no grupo operado quando comparado ao não operado (68% versus 52%),
embora esta diferença não tenha sido estatisticamente significante
(p-valor = 0,387).
Na correlação entre idade e os escores de autoestima da escala de Rosenberg no grupo
total, observou-se correlação positiva baixa entre autoestima e idade (rs
= 0,312; p-valor = 0,027), determinando que quanto maior a idade,
maiores foram os escores de autoestima.
Não se observou diferença significativa nos escores de QV nos domínios físico,
psicológico, relações sociais e global (p-valor > 0,05). No
entanto, verificou-se que os escores de QV no domínio ambiental
(p-valor = 0,002) foram significativamente maiores no grupo operado
quando comparado ao grupo não operado. Na análise descritiva do WHOQOL-BREF por
grupo, verificou-se que os escores médios de QV foram maiores no grupo operado para
as questões 24 e 25 (serviços de saúde e meio de transporte) quando comparado ao
grupo não operado (Tabela 4).
Tabela 4 - Comparação dos itens do WHOQOL-BREF entre os grupos.
Questão |
Grupo total (n = 50) |
Grupo 1 (n = 25) |
Grupo 2 (n = 25) |
p-valor1 |
1 |
3,94 ± 0,68 |
3,92 ± 0,64 |
3,96 ± 0,73 |
0,707 |
2 |
3,66 ± 0,74 |
3,68 ± 0,55 |
3,64 ± 0,91 |
0,923 |
3 |
2,04 ± 1,16 |
2,08 ± 1,19 |
2,00 ± 1,15 |
0,740 |
4 |
3,34 ± 0,92 |
2,40 ± 0,96 |
2,28 ± 0,89 |
0,573 |
5 |
3,20 ± 0,86 |
3,28 ± 0,94 |
3,12 ± 0,78 |
0,316 |
6 |
3,82 ± 0,56 |
3,76 ± 0,44 |
3,88 ± 0,67 |
0,349 |
7 |
3,16 ± 0,68 |
3,24 ± 0,66 |
3,08 ± 0,70 |
0,416 |
8 |
3,79 ± 0,58 |
3,84 ± 0,55 |
3,76 ± 0,61 |
0,570 |
9 |
3,70 ± 0,68 |
3,64 ± 0,70 |
3,76 ± 0,66 |
0,613 |
10 |
3,56 ± 0,64 |
3,44 ± 0,65 |
3,68 ± 0,62 |
0,296 |
11 |
3,72 ± 0,83 |
3,72 ± 0,93 |
3,72 ± 0,73 |
0,975 |
12 |
2,98 ± 0,77 |
2,76 ± 0,66 |
3,20 ± 0,82 |
0,054 |
13 |
3,46 ± 0,84 |
3,24 ± 0,88 |
3,68 ± 0,75 |
0,089 |
14 |
2,86 ± 0,83 |
2,88 ± 0,88 |
3,84 ± 0,80 |
0,877 |
15 |
4,26 ± 0,78 |
4,24 ± 0,60 |
4,28 ± 0,94 |
0,412 |
16 |
3,62 ± 1,07 |
3,48 ± 1,12 |
3,76 ± 1,01 |
0,357 |
17 |
3,84 ± 0,71 |
3,84 ± 0,74 |
3,84 ± 0,69 |
0,982 |
18 |
3,84 ± 0,68 |
3,84 ± 0,62 |
3,84 ± 0,75 |
0,857 |
19 |
3,88 ± 0,75 |
3,80 ± 0,82 |
3,96 ± 0,67 |
0,627 |
20 |
3,80 ± 0,83 |
3,68 ± 0,94 |
3,92 ± 0,70 |
0,415 |
21 |
3,54 ± 0,95 |
3,72 ± 0,98 |
3,36 ± 0,91 |
0,071 |
22 |
3,74 ± 0,80 |
3,56 ± 0,82 |
3,92 ± 0,76 |
0,122 |
23 |
3,78 ± 0,82 |
3,64 ± 0,76 |
3,92 ± 0,86 |
0,176 |
24 |
3,28 ± 1,23 |
2,88 ± 1,20 |
3,68 ± 1,14 |
0,017 |
25 |
3,66 ± 0,96 |
3,24 ± 1,16 |
4,08 ± 0,40 |
0,002 |
26 |
2,06 ± 0,62 |
2,08 ± 0,81 |
2,04 ± 0,35 |
0,840 |
Tabela 4 - Comparação dos itens do WHOQOL-BREF entre os grupos.
DISCUSSÃO
Pode-se constatar nesse estudo que a média de idade das pacientes por ocasião do
procedimento cirúrgico foi de 67 anos. Em um estudo, com uma amostra de 6786 idosos
submetidos a cirurgias estéticas, das quais 88,7% eram mulheres, foi constatada uma
média de idade de 68 anos, revelando importante similaridade com os achados do
presente estudo16.
O mesmo estudo denota que os idosos que se submetem à CE estão entre 65 e 75 anos
de
idade (95%), sinalizando que a procura por CE pelos octogenários é bem menor. Na
amostra da presente pesquisa, a maioria (80%) das idosas se submeteu à CE entre 60
e
70 anos e não houve registro de octogenários. Credita-se esse achado ao fator
cultural que dissemina a ideia de que a idade é um limite para a realização de uma
CE.
No tocante à prevalência de comorbidades entre as idosas pesquisadas, não foram
observadas diferenças significativas entre os grupos (p<0,05).
Em estudo de 2008, os autores17 afirmaram que
a sociedade está cada vez mais preocupada com a aparência, e que a maioria das
pessoas entende o procedimento estético como um reparo rápido e seguro, não
hesitando em recorrer a uma cirurgia para melhoria da autoimagem.
Desse modo, conclui-se que a presença de uma ou mais comorbidades não se constituiu
um fator impeditivo para a realização de cirurgia estética, por ser considerada
historicamente como procedimento seguro. Contudo, há riscos inerentes como em
qualquer outra cirurgia, devendo o cirurgião plástico ser rigoroso em sua avaliação
pré-operatória e planejamento cirúrgico.
Quanto aos tipos de cirurgia mais procurados pelas idosas, neste estudo constatou-se
que são as abdominoplastias (corporal) e as blefaroplastias (facial). Sabe-se que
pacientes mais jovens elegem as cirurgias corporais; principalmente as de aumento
mamário e lipoaspiração, enquanto os pacientes idosos preferem se submeter a
cirurgias faciais18. O presente estudo revela
uma igualdade de escolha entre as cirurgias faciais e corporais pelas idosas, o que
pode ser explicado pelo fato de ser o Brasil um país tropical, onde as oportunidades
de exposição do corpo são mais frequentes, o que levaria a uma equivalência na
valorização da cirurgia facial e corporal.
Apurou-se que 36% das pacientes idosas fizeram uma cirurgia estética, enquanto que
64% fizeram mais de uma, concomitantes ou em diferentes tempos cirúrgicos. A
associação de cirurgias e tempo cirúrgico maior que 4 horas foram os principais
fatores de risco relacionados a complicações pós-operatórias19, não havendo associação significativa com as variáveis como
sexo, idade, estado nutricional, sedentarismo ou presença de comorbidades. Outro
estudo confirma não haver diferença significativa quanto ao risco de complicações
entre CEs em idosos e em jovens16, podendo
ser feitas em ambos com igual segurança.
A média de cirurgias realizadas pelas idosas desse estudo foi de 2,16, dado que
evidencia o desejo da idosa de fazer a correção cirúrgica em diversas áreas do
corpo, o entendimento da cirurgia estética como procedimento seguro e a constatação
de que a recuperação pós-operatória parece não ser tão difícil.
As complicações pós-operatórias encontradas na população estudada foram poucas (16%)
e consideradas menores, já que o seu manejo foi feito ambulatorialmente ou no
próprio ambiente da paciente e não em ambiente hospitalar. Seroma (8%) e deiscência
(12%) foram as mais comuns, diferindo da literatura, que aponta serem o hematoma e
a
infecção as complicações mais frequentes16,19. Seis pacientes
do presente estudo (24%), sentiram necessidade de revisão cirúrgica para melhoria
do
resultado estético pós- operatório. Na maioria dos casos foram retoques em
cicatrizes inestéticas.
Da análise das motivações para a realização da CE depreende-se que o livrar-se do
desconforto físico causado pela alteração da forma daquela parte do corpo, o desejo
de melhoria da QV e a vontade de ter uma autoestima melhor são importantes nessa
fase da vida. Analisados 48 estudos nas bases eletrônicas entre 2000 e 200717 com o objetivo de apontar as motivações para
a CE, resultou em motivos psicológicos, psicossociais e psiquiátricos, que foram
resumidos em problemas com a autoimagem, com a autoestima, experiencia social com
provocações por causa da aparência (teasing) e a dismorfofobia.
Observa-se, porém, no presente estudo, a significante presença do fator físico, que
é
o desconforto causado pela forma daquela parte do corpo (60%), citado também em
estudo realizado no Rio de Janeiro4, que
encontrou 26% dos entrevistados, de todas as faixas etárias, com essa motivação,
sendo prevalente entre os candidatos à mamoplastia redutora e abdominoplastia,
indicando que o grande volume mamário ou abdominal seria a causa do desconforto
físico.
Observou-se que 60% das idosas operadas escolheram como motivação para a realização
de cirurgia estética, o desconforto físico, sendo que 92% delas relataram muito ou
muitíssimo benefício pessoal, levando ao entendimento de que houve resolução do
desconforto físico. Paralelamente, 60% das idosas elegeram a melhoria da autoimagem
como um motivo importante para a realização da CE, e 84% delas afirmaram ter sentido
melhoria da autoimagem após a CE.
Esta comparação enfatiza o impacto positivo da cirurgia estética na vida da paciente
idosa, parecendo superar as expectativas do pré-operatório quando se repara nas
porcentagens que crescem quando da avaliação dos benefícios trazidos pela CE.
Considera-se que a melhoria da autoimagem justifica o crescimento do número de
procedimentos estéticos em idosos na última década. Nos Estados Unidos da América,
houve um crescimento de 4% na demanda de cirurgias estéticas em idosos e de 26%
quando se consideram todos os procedimentos estéticos8.
Quanto à percepção da influência da CE no relacionamento com o parceiro, apenas 20%
das idosas operadas relataram muita ou muitíssima melhora no relacionamento com o
parceiro, e raros (4%) foram os casos que tinham por motivação o agradar outra
pessoa. Já em estudo do Instituto Ivo Pitanguy com pacientes de todas as idades, 65%
deles relataram melhora do relacionamento com o parceiro após a realização de uma
CE4. Assim, parece existir uma diferença
de valores que os relacionamentos sofrem com o avançar da idade. As idosas do
presente estudo mostraram considerar que a CE traz, principalmente, benefício
próprio (92%), mais segurança com a autoimagem (84%) e influência na vida social
(64%).
O presente estudo não mostrou diferença significativa no escore global de autoestima
entre os grupos analisados. Um estudo que avaliou a autoestima antes e após a
cirurgia de rejuvenescimento facial20 mostrou
não haver diferença significativa de autoestima entre essas medidas considerando-se
todo o grupo, porém surgindo diferença quando subdividiram o grupo: pacientes com
baixa autoestima no pré-operatório experimentaram elevação na sua autoestima após
a
cirurgia; aqueles com moderada autoestima não apresentaram mudanças significativas
com a CE; e os que tinham alta autoestima no pré-operatório evoluíram com diminuição
da autoestima no pós- operatório, o que se relaciona à provável depressão
preexistente ou expectativas não realísticas do resultado ou a desordens de
personalidade.
Apesar de todos relatarem rejuvenescimento de cerca de nove anos, o resultado
positivo da cirurgia não foi relacionado com melhora da autoestima, concluindo-se
que realmente existe um largo espectro de possíveis reações psicológicas após uma
cirurgia estética.
De acordo com a pesquisa corrente, nenhuma idosa apresentou baixa autoestima e a
prevalência de autoestima alta mostrou-se maior no grupo operado (68%
versus 52% com p-valor = 0,387). O grupo
operado apresentou escore maior de autoestima relacionado ao item 4 e 8, que fazem
menção à capacidade e respeito próprios. A avaliação desses dados revela que idosas
em geral têm uma boa autoestima, porém, a CE parece fazer a paciente sentir-se mais
capaz e possuidora de mais respeito próprio, sentimentos esses relacionados com um
aumento do valor pessoal que define a autoestima saudável.
Os idosos, por estarem mais sujeitos à solidão, a perdas de familiares, a doenças,
estresse, perdas cognitivas, ansiedade e depressão, estão mais predispostos à
diminuição da sua autoestima. Porém, vários relatos na literatura5,21,22 confirmam que
uma porcentagem significativa de pacientes submetidos à CE experimenta um aumento
de
sua autoestima, o que diminui o retraimento social e melhora a habilidade de fazer
amizades.
Cada esforço para eliminar a solidão do idoso aumenta sua autoestima e o afasta de
doenças psicológicas6. Logo, pode-se afirmar
que a CE no idoso se justifica por contribuir para melhoria da vida social,
afastando-o das doenças psicológicas como ansiedade e depressão.
O presente estudo mostrou ainda não haver diferença da QV global ou dos domínios
físico, psicológico e social entre os grupos de idosas. Contrariando tal achado,
revisão de literatura3 evidenciou que a CE
melhora a QV dos pacientes. Outro autor, que como no presente estudo analisou
pacientes somente no pós-operatório, chegou a afirmar que QV é um motivo consistente
para a realização de CE23. Seus resultados
indicaram que 84% estavam satisfeitos ou muito satisfeitos com o resultado cirúrgico
e que 88,9% deles recomendariam a cirurgia a um amigo.
Duas hipóteses surgem com o presente estudo: o WHOQOL-BREF não tem capacidade de
detectar as mudanças provocadas pela CE (responsividade), ou que idosas podem ter
uma avaliação de QV diferente de outras faixas etárias, a qual a CE não foi capaz
de
modificar, talvez porque a idosa tem uma expectativa de melhora idealizada e,
portanto, mais exigente do que o resultado cirúrgico pode oferecer.
Apesar das dificuldades metodológicas do presente estudo, que podem estar
relacionadas à avaliação concomitante de vários tipos de CE, à população de
pacientes analisados, e ao uso de questionários validados, porém inespecíficos, foi
demonstrada a importância da pesquisa envolvendo procedimentos estéticos nos
idosos.
CONCLUSÃO
A média de idade das pacientes idosas que realizaram uma CE é 67 anos, a maioria
delas com escolaridade mediana. Idosas procuraram igualmente por cirurgias faciais
e
corporais e a ocorrência de complicações e reintervenções não foi considerada maior
do que em pacientes mais jovens.
As motivações das idosas para a CE foram de ordem física e psicológica. O nível de
benefício da CE foi elevado quando relacionado ao campo pessoal e à vida social.
Idosas submetidas à CE não apresentaram melhor QV e autoestima quando comparadas a
idosas não submetidas à CE e em condições semelhantes. Porém, analisando-se
isoladamente as idosas submetidas à CE, foram comprovados altos níveis de satisfação
pessoal e na vida social.
COLABORAÇÕES
LMSP
|
Análise e/ou interpretação dos dados; coleta de dados; concepção e
desenho do estudo; gerenciamento do projeto; metodologia; redação -
preparação do original; validação; visualização.
|
GAC
|
Aprovação final do manuscrito; gerenciamento do projeto; supervisão.
|
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1. Universidade Católica de Brasília, Brasília,
DF, Brasil.
Autor correspondente: Lenise Maria Spadoni-Pacheco, QND 22M CASA
11, Brasília, DF, Brasil, CEP 72120-220. E-mail:
lenisespadoni@hotmail.com
Artigo submetido: 17/8/2018.
Artigo aceito: 11/11/2018.
Conflitos de interesse: não há.