INTRODUÇÃO
O câncer de mama é a malignidade não cutânea mais comum entres as mulheres no mundo,
sendo responsável por cerca de 28% de novos casos de tumores malignos a cada ano no
Brasil. No biênio 2016-2017 foram estimados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA)
aproximadamente 2.160 casos novos para o estado do Ceará e 57.960 casos novos de
câncer de mama para cada 100.000 mulheres no Brasil1.
As mamas constituem um dos mais eloquentes símbolos da sexualidade feminina, compondo
elementos de adorno do corpo feminino e qualquer situação que comprometa a sua
estrutura traz sérias consequências ao bem-estar físico e psicológico das
pacientes.
A alta incidência do câncer de mama e a importância da mama para garantir uma boa
qualidade de vida às pacientes vitimadas por esta doença fizeram com que a
reconstrução da mama após mastectomia fosse parte integrante do plano terapêutico
oncológico.
Em 1894, William Halsted publicou nos Estados Unidos a técnica conhecida nos dias
de
hoje como mastectomia radical clássica, que se baseia na retirada total da mama com
adequada margem de segurança de pele e tecido subcutâneo adjacente, em monobloco,
com a remoção dos músculos peitoral maior, menor e tecido adiposo da região, onde
estão contidos os linfonodos da cadeia axilar2. Esta técnica, porém, comprometia em grande escala a reconstrução mamária
em decorrência da não preservação de pele.
Com o passar dos anos, surgiram outras técnicas mais conservadores como a preconizada
por Patey, que preserva o músculo peitoral maior, e a técnica de Madden, que
preserva ambos os músculos peitorais.
Seguindo a ideia de mastectomias progressivamente mais conservadoras chegamos à
mastectomia poupadora de pele, que pode preservar ou não o complexo areolopapilar
(CAP) e que surgiu como um procedimento que trouxe melhor qualidade à mama
reconstruída, permitindo a utilização de técnicas não menos complexas, mas menos
debilitantes de reconstrução, por meio de implantes com material aloplástico. A
preservação do envelope de pele da mama fornece uma satisfatória tonalidade de cor,
textura e contorno para a mama reconstruída, seja com expansor tecidual, implante
aloplástico, lipoenxertia ou retalhos desepidermizados2.
A utilização de implantes protéticos para a reconstrução da mama começou no início
dos anos 60 com implantes preenchidos por gel de silicone. Com o passar dos anos,
a
tecnologia e as técnicas cirúrgicas dos implantes evoluíram, resultando em uma
melhora da qualidade da mama reconstruída3.
Os implantes de material aloplástico podem ser classificados quanto à forma (redondo,
natural, anatômico e cônico), quanto à textura (liso, texturizado e revestido de
espuma de poliuretano) e quanto à projeção (alto, extra alto, moderado e baixo)4. A escolha do implante é fundamental para o
formato normal e natural, proporcionando mais feminilidade ao tórax.
A reconstrução mamária com implante de material aloplástico apresenta complicações
cirúrgicas precoces e tardias que são direta ou indiretamente relacionadas à técnica
cirúrgica utilizada para a realização da mastectomia e a implantação do material
sintético.
OBJETIVO
O presente estudo tem por objetivo analisar as complicações encontradas em um grupo
de pacientes submetidas à reconstrução mamária imediata com uso de prótese cônica
e
não cônica realizadas no nosso serviço no período de janeiro de 2016 a janeiro de
2018.
MÉTODOS
Corresponde a um estudo de coorte transversal, retrospectivo e observacional com
análise de prontuário de pacientes que foram submetidos à mastectomia total
poupadora de pele, por câncer de mama, com reconstrução imediata da mama com o uso
de prótese cônica, extra alta e revestida de poliuretano e não cônica, no período
de
janeiro de 2016 a janeiro de 2018, realizada pelo Serviço de Cirurgia Plástica e
Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio da
Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, CE.
Foram incluídas as pacientes que mantiveram um seguimento ambulatorial de no mínimo
6
meses e cuja reconstrução não necessitou de retalhos de pele local ou a distância
e
como critérios de exclusão foram considerados as pacientes que mantiveram segmento
ambulatorial menor que 6 meses ou que fizeram uso de retalho local ou a distância
para a reconstrução da mama.
Todos os implantes mamários foram colocados em posição submuscular, com confecção
da
loja utilizando o músculo peitoral maior e o músculo serrátil anterior, seguido de
sutura muscular para aproximação das bordas após a colocação da prótese e o
procedimento finalizado através da drenagem da região subcutânea com dreno de sucção
a vácuo com retirada do dreno após o débito diário menor ou igual a 30 ml de
secreção sero-hemática.
RESULTADOS
A média de idade foi de 47,1 anos, com idade mínima de 27 e máxima de 71 anos. A
reconstrução mamária imediata total com uso de prótese direta, após mastectomia, por
câncer de mama, foi realizada em 24 pacientes, sendo 13 (54,2%) reconstruções
realizadas com próteses de formato não cônico e 11 (45,8%) reconstruções realizadas
com próteses de formato cônico. A preservação do complexo areolopapilar (CAP) foi
possível em 8 (72,7%) pacientes com uso de prótese cônica e 8 (61,5%) pacientes com
uso de prótese não cônica, enquanto que não foi possível preservar o CAP em 3
(27,3%) pacientes com uso de prótese cônica e 5 (38,5%) pacientes com uso de prótese
não cônica (Figura 1).
Figura 1 - Proporção das próteses cônicas e não cônicas na reconstrução total da
mama na casuística analisada e a relação com a preservação do complexo
areolopapilar (CAP).
Figura 1 - Proporção das próteses cônicas e não cônicas na reconstrução total da
mama na casuística analisada e a relação com a preservação do complexo
areolopapilar (CAP).
Em relação ao lado reconstruído, 12 procedimentos foram realizados em mama direita
e
12 procedimentos foram realizados em mama esquerda.
As complicações ocorreram em 13 (54,1%) pacientes. A complicação mais frequente foi
a
contratura capsular, que ocorreu em 6 (25%) (Figura 2). Nas pacientes com próteses cônicas, observamos 3 contraturas
capsulares, 2 distopias de CAP (Figura 3) e 2
sofrimentos de retalho com formação de um halo hiperemiado (Figura 4), semelhante a uma úlcera de pressão, sobre a ponta da
prótese cônica, que evoluíram para extrusão (Figura 5) e retirada da prótese. Nas pacientes com próteses não cônicas foram
identificadas 3 contraturas capsulares e 3 distopias de CAP (Figura 6).
Figura 2 - Contratura capsular.
Figura 2 - Contratura capsular.
Figura 3 - Distopia de complexo areolopapilar (CAP).
Figura 3 - Distopia de complexo areolopapilar (CAP).
Figura 4 - Halo hiperemiado da ponta da prótese cônica.
Figura 4 - Halo hiperemiado da ponta da prótese cônica.
Figura 5 - Extrusão da prótese.
Figura 5 - Extrusão da prótese.
Figura 6 - Frequência dos tipos de complicações de reconstrução total e imediata
da mama na casuística analisada e a relação com a utilização de prótese
cônica e não cônica.
Figura 6 - Frequência dos tipos de complicações de reconstrução total e imediata
da mama na casuística analisada e a relação com a utilização de prótese
cônica e não cônica.
Não houve nenhum caso de infecção ou de óbito neste grupo de pacientes estudadas.
Em
relação à preservação do CAP, 8 (50%) pacientes que tiveram o CAP preservado
apresentaram complicações, enquanto 5 (62,5%) pacientes que não tiveram o CAP
preservados apresentaram complicações.
Não houve diferença na frequência de complicações entre as mamas direita e esquerda,
pois ambas apresentaram incidência de 50% de complicações. A prótese que apresentou
o maior número de complicações foi a de formato cônico, com complicações em 7
(63,6%) pacientes, enquanto somente 6 (46,1%) pacientes com prótese de formato não
cônica apresentaram complicações. (Figura 7).
Em 6 pacientes submetidos à radioterapia, 2 (33,3%) tiveram como complicação a
contratura capsular, enquanto que entre os 18 que não foram submetidos à
radioterapia 4 (22,2%) apresentaram contratura capsular.
Figura 7 - Frequência do uso de prótese cônica e não cônica na reconstrução
imediata e total da mama na casuística analisada e a relação com a
frequência de complicações.
Figura 7 - Frequência do uso de prótese cônica e não cônica na reconstrução
imediata e total da mama na casuística analisada e a relação com a
frequência de complicações.
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, a reconstrução mamária no tratamento do câncer de mama vem se
tornando essencial para as pacientes mastectomizadas devido aos comprovados
benefícios psicológicos e físicos, já que permite o mais breve retorno ao convívio
social, além de melhora da imunidade, contribuindo, desta forma, para um prognóstico
mais favorável das pacientes5,6.
A escolha do formato da prótese influencia diretamente no formato da mama
reconstruída, permitindo melhor projeção superomedial em próteses redondas, melhor
projeção anterior em próteses cônicas e aspecto mais natural em próteses anatômicas
para mamas mais hipotróficas.
Em nosso estudo, as complicações com uso de material aloplástico foram de 54,1%,
superiores à maioria dos serviços de reconstrução de mama, nos quais as suas
incidências variaram de 30% a 43%7,8.
A complicação mais frequente identificada foi a contratura capsular, que ocorreu em
6
pacientes (25%), incidência semelhante à literatura pesquisada, que apresenta
incidência de 0,5 a 30%9,10.
A complicação mais grave identificada foi a extrusão da prótese que necessitou da
retirada da mesma, apresentada em 2 pacientes que fizeram uso da prótese de formato
cônico, representando 18,1% dos pacientes. Esta incidência foi superior ao descrito
na literatura estudada, com incidência de 1,2% a 5,3%, e, superior ao uso de prótese
não cônica, em que não houve nenhum caso de extrusão da prótese11.
Foi observado ainda que as extrusões que ocorreram nas próteses de formato cônico
evoluíram inicialmente de uma área de sofrimento (halo hiperemiado local) formada
no
retalho miocutâneo que ficava sobre a ponta destas próteses cônicas, semelhante às
úlceras de pressão (Figuras 4 e 5).
CONCLUSÃO
A reconstrução imediata da mama com prótese de silicone é uma excelente opção para
pacientes selecionadas, visto a baixa complexidade do procedimento e baixo tempo
cirúrgico, porém, a gravidade da doença, associada à experiência do mastologista que
realiza a mastectomia e a espessura do retalho cutâneo, podem deixar a cobertura
cutânea da prótese fragilizada, facilitando a extrusão.
O nosso estudo mostrou maior frequência de complicações na reconstrução imediata da
mama com uso de próteses cônica e não cônica quando não há preservação do CAP e
quando a paciente é submetida à radioterapia e maior frequência de complicações com
o uso de próteses cônicas em relação à não cônica, devido principalmente à formação
de uma área de sofrimento na ponta da prótese cônica que resultou em extrusão das
mesmas.
COLABORAÇÕES
ROR
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aquisição de
financiamento; coleta de dados; concepção e desenho do estudo;
gerenciamento de recursos; investigação; metodologia; redação -
preparação do original.
|
SGPP
|
Aprovação final do manuscrito; conceitualização; gerenciamento do
projeto; redação - revisão e edição; supervisão; visualização.
|
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Estimativa 2016: Incidência de Câncer de Mama no
Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2016. [acesso 2018 Mar 12]. Disponível em:
http://santacasadermatoazulay.com.br/wp-content/uploads/2017/06/estimativa-2016-v11.pdf
2. Mélega JM. Cirurgia Plástica Fundamentos e Arte: Princípios Gerais.
2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
3. Grabb WC, Smith JW. Cirurgia Plástica. 6a ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2009.
4. Pitanguy I. Cirurgia Plástica: Uma visão de sua amplitude. 1a ed.
São Paulo: Atheneu; 2016.
5. Veiga DF, Veiga-Filho J, Ribeiro LM, Archangelo I Jr, Balbino PF,
Caetano LV, et al. Quality-of-life and self-esteem outcomes after oncoplastic
breast-conserving surgery. Plast Reconstr Surg.
2010;125(3):811-7.
6. Bellino S, Fenocchio M, Zizza M, Rocca G, Bogetti P, Bogetto F.
Quality of life of patients who undergo breast reconstruction after mastectomy:
effects of personality characteristics. Plast Reconstr Surg.
2011;127(1):10-7.
7. Almeida Júnior GL, Macedo JLS, Borges SZ, Souza AO, Henriques FAM,
Suschino CMH, et al. Reconstrução mamária imediata após cirurgia conservadora do
câncer de mama. Rev Soc Bras Cir Plást. 2007;22(1):10-8.
8. Bronz G, Bronz L. Breast reconstruction with skin-expander and
silicone prostheses: 15 years' experience. Aesthetic Plast Surg.
2002;26(3):215-8.
9. D'Alessandro GS, Povedano A, Santos LKIL, Santos RA, Góes JCS.
Reconstrução mamária imediata com retalho do músculo grande dorsal e retalho de
silicone. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(2):163-71.
10. Mathes SJ, Hentz VR. Plastic surgery. 2a ed. Philadelphia: Saunders;
2006. p. 26-33.
11. Farah AB, Nahas FX, Mendes JA. Reconstrução mamária em dois estágios
com expansores de tecido e implantes de silicone. Rev Bras Cir Plást.
2015;30(2):172-81.
1. Hospital Universitário Walter Cantídio,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil.
Autor correspondente: Rogério de Oliveira Ribeiro, Rua Odilardo
Silva, nº 81 - Laguinho - Macapá, AP, Brasil , CEP: 68908-182. E-mail:
roimed@yahoo.com.br
Artigo submetido: 5/8/2018.
Artigo aceito: 4/10/2018.
Conflitos de interesse: não há.