INTRODUÇÃO
A síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber (SKTW) é caracterizada pelo conjunto de sinais
que consiste em malformações capilares, malformações venosas com ou sem malformações
linfáticas associado ao supercrescimento de membros1. Na maioria das vezes, envolve apenas uma extremidade com malformação
arteriovenosa e cerca de 75% dos pacientes manifestam a afecção antes dos 10 anos
de
idade2,3.
A síndrome de Klippel-Trenaunay foi descrita pela primeira vez por Maurice Klippel
e
Paul Trenaunay. Eles relataram dois casos que possuíam a tríade (mancha em vinho do
porto, varizes e hipertrofia óssea e de tecidos moles) em comum4. Algum tempo depois, Frederick Weber descreveu alguns casos
apresentando semelhança com a tríade, tendo a presença de fístula arteriovenosa como
associação3,4. A SKTW e a Sindrome de Parkes Weber podem ser
consideradas em conjunto como sd de Klippel-Trenaunay-Weber por apresentar sinais
clínicos diferentes de uma única enfermidade5,6.
A síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber é um distúrbio mesodérmico congênito raro,
sendo registrados cerca de mil casos em todo o mundo7. A SKTW distribui-se igualmente entre os diversos grupos étnicos e
afeta mais homens, na proporção de 1,5:17,8. A etiologia da
síndrome permanece desconhecida, embora existam algumas teorias de sua
patogenia9.
Embora a SKTW seja uma condição esporádica, trabalhos relatam casos familiares de
SKTW que não foram herdados de um padrão mendeliano, sugerindo uma herança
multifatorial, com penetração e expressão variáveis. Estudos realizados
posteriormente por Happle sugerem que a herança de um único gene defeituoso
adquirido na embriogênese poderia explicar o desenvolvimento dessa síndrome, bem
como a ocorrência de casos esporádicos e familiares, sugerindo que a herança
autossômica dominante é mais provável10,11.
Clinicamente, a SKTW compreende hemangioma plano, alterações venosas como
má-formações e varizes, hipertrofia óssea e de tecidos moles12,13.
O diagnóstico é clínico e pode ser feito pela presença da tríade de anormalidades,
ou
sendo necessários apenas dois sinais da tríade. Geralmente os pacientes cursam com
manchas em vinho do porto, desde o nascimento, principalmente em membro
hipertrofiado, variando em profundidade14. As
má- formações venosas acometem os membros inferiores na grande maioria dos casos.
Angiodisplasias arteriais ou venosas podem estar presentes em qualquer região do
corpo, desde a pele até órgãos viscerais. Por isso, existe a possibilidade ocorrer
flebite, sangramento, trombose venosa profunda (17% dos pacientes), embolia
pulmonar, hemoperitônio, hemotórax e insuficiência venosa crônica15.
Trata-se de uma síndrome pouco frequente em nosso meio, porém merece destaque pelo
fato da progressiva e grave morbidade.
RELATO DO CASO
D.A.P., 7 meses, masculino, natural e procedente de Anápolis-GO, encaminhado ao nosso
serviço do Pronto Socorro do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de
Uberlândia, MG, em 29/12/2014 com quadro de febre, vômitos, diarreia e desidratação
havia 2 dias. Associado a esse quadro, apresentava hemangioma gigante em membro
inferior esquerdo, varizes e hipertrofia óssea e de tecidos moles (síndrome de
Klippel-Trenaunay-Weber) (Figura 1) com
antecedente de tratamento prévio recente a laser em outro serviço de Goiânia-GO e
em
uso de propranolol.
Figura 1 - Hemangioma gigante, varizes e hipertrofia óssea e de tecidos moles em
membro inferior esquerdo.
Figura 1 - Hemangioma gigante, varizes e hipertrofia óssea e de tecidos moles em
membro inferior esquerdo.
Evoluiu-se rapidamente e gravemente com necrose do membro inferior esquerdo (MIE)
até
a região glútea ipsilateral e com quadro de choque séptico refratário (Figura 2). Recebeu tratamento intensivo em CTI
com drogas vasopressoras e antibioticoterapia de amplo espectro por 28 dias. Na
avaliação da cirurgia vascular, foi realizado o ecoDoppler arterial e venoso,
constatando-se a presença de malformação e pequenas fístulas arteriovenosa da
extremidade esquerda, confirmando o diagnóstico síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber.
Contudo, permaneceu com lesão necrótica extensa em MIE sendo necessário,
primariamente, desbridamento cirúrgico do MIE e posteriormente desarticulação
coxofemoral esquerda com colostomia protetora em 28/01/2015.
Figura 2 - Presença de infecção e tecido necrótico em todo o membro inferior
esquerdo até a região glútea ipsilateral.
Figura 2 - Presença de infecção e tecido necrótico em todo o membro inferior
esquerdo até a região glútea ipsilateral.
Após 2 meses de tratamento clínico intensivo, houve melhora clínica e tópica da lesão
em região de pós-operatório da desarticulação (Figura 3A), sendo realizada enxertia de pele em malha com uso do dermátomo
elétrico e do Mash Graft para oclusão da ferida cruenta (Figura 3B), sendo a área doadora de coxa direita. O paciente
apresentou boa recuperação clínica e epitelização da área receptora e doadora,
obtendo alta hospitalar no 15º dia de pós-operatório (Figura 3C).
Figura 3 -
A: Área cruenta após desarticulação coxofemoral esquerda;
B: Pós-operatório imediato de enxertia de pele em
malha; C: 15º pós-operatório de área receptora.
Figura 3 -
A: Área cruenta após desarticulação coxofemoral esquerda;
B: Pós-operatório imediato de enxertia de pele em
malha; C: 15º pós-operatório de área receptora.
O paciente está em acompanhamento ambulatorial neste serviço, evoluindo
satisfatoriamente com epitelização completa da área doadora e receptora. Já foi
realizado fechamento da colostomia de proteção com a reconstrução do trânsito
intestinal.
DISCUSSÃO
Este estudo foi motivado por ter recebido um paciente referindo tratamento prévio
em
outro serviço de Cirurgia Plástica com tratamento conservador da SKTW com laser. Tal
conduta manteve o paciente incapacitado, sofrendo com sintomas de estase venoso
crônico e evoluiu com complicações de infecção locais de pele até receber o
tratamento final.
Não existe nenhum tratamento curativo, e os objetivos terapêuticos são destinados
a
melhorar os sintomas do paciente e corrigir as consequências de lesões graves e a
discrepância de comprimento. No entanto, todos os autores concordam que as medidas
conservadoras continuam norteando o tratamento da SKTW. Isso não afasta a
necessidade de intervenções cirúrgicas pontuais durante a evolução da história
natural da doença.
As terapias adjuvantes podem variar desde a terapia a laser, escleroterapia com
microespuma, ressecções escalonadas de veias ectasiadas e até exéreses mais
amplas1,16-19. As
indicações mais utilizadas para o tratamento operatório são: as hemorragias, as
infecções locais, o tromboembolismo e a ocorrência de ulcerações de perna muito
refratárias. Outras indicações são: dor local, limitação funcional e estética17.
A radioterapia intervencionista tem grande papel na propedêutica das malformações
arteriovenosas (MAVs). Por meio da mesma, é possível avaliar o tipo de malformação
e
como os vasos de alimentação são estruturados. Para o tratamento de MAV de baixo
fluxo (STWK), em alguns casos pode ser aplicada uma injeção de agente esclerosante
para tornar os vasos menores.
Em outros, isso pode ser feito sob fluoroscopia. Há opções limitadas de tratamento
para displasia venosa congênitas. Em casos graves, o intervencionista pode usar
remoção cirúrgica, escleroterapia ou uma técnica de ablação endovascular. Se houver
sintomas na pele, tais como uma mancha vinho do porto, poderá ser indicado o
tratamento a laser.
Em casos como o supracitado, considerando o tratamento realizado, a cobertura da área
cruenta pela enxertia pode ser vista como uma boa opção reconstrutiva, visto a
simplicidade do procedimento, menor morbidade quando comparamos com o uso dos
retalhos e possibilidade de reabilitação através do uso de próteses.
Apesar de ser o mais alto nível de amputação em membro inferior, a protetização é
eficiente, de vez que a prótese para este nível de amputação proporciona segurança
e
estabilidade, com marcha contínua, com ou sem auxiliar de locomoção, dependendo de
outros fatores, entre eles a idade do paciente.
A SKTW deve ser suspeitada em todos os recém-nascidos com malformações capilares
envolvendo uma extremidade do corpo desde o nascimento. O diagnóstico diferencial
para a SKTW é a síndrome de Proteus e a síndrome de Maffucci, entre outras
malformações capilares da pele não síndrômicas20.
Avanços maiores serão feitos quando for possível diagnosticar ainda mais precocemente
a SKTW e impedir o desenvolvimento da hipertrofia de tecidos, angiodisplasias
complexas e outras alterações fenotípicas, talvez corrigindo ou impedindo a mutação
genética relacionada20.
CONCLUSÃO
A SKTW é uma doença rara, com morbidade progressiva e grave. O paciente portador da
síndrome deve ser acompanhado em um centro de referência com experiência e arsenal
terapêutico diversificado para atuar da melhor forma possível no tratamento. Cada
paciente tem parcimônia e individualização na escolha do melhor tratamento, bem como
a época ideal de realizá-lo.
Atualmente, a indicação de intervenções operatórias é restrita às complicações
decorrentes do quadro inicial. No presente caso, a utilização do tratamento
operatório foi decisivo para permitir uma melhora no quadro clínico e de qualidade
de vida do paciente, mostrando que pode ser uma alternativa válida.
COLABORAÇÕES
VPB
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
AOM
|
Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão
crítica de seu conteúdo.
|
REFERENCES
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1. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
MG, Brasil.
Autor correspondente: Victor Parreira
Bizinoto, Av. Mato Grosso, nº 3395, apt. 202 - Umuarama - Uberlândia,
MG, Brasil. CEP 38405-314. E-mail:
victorpbizinoto@hotmail.com
Artigo submetido: 26/11/2017.
Artigo aceito: 5/9/2018.
Conflitos de interesse: não há.