INTRODUÇÃO
A expansão tecidual é muito usada em cirurgia plástica e utiliza as propriedades
biomecânicas dos tecidos submetidos à tensão progressiva1.
A expansão natural ocorre durante a fase de crescimento físico, no aumento das mamas
na puberdade e na gestação, demonstrando adaptação rápida à expansão
fisiológica2.
O processo de expansão pode ser utilizado em lesões maiores ou em áreas com
distensibilidade pequena, permitindo reparar grandes perdas teciduais de origem
congênita ou adquirida por traumas ou tumores, por exemplo3-5.
Uma das principais queixas da expansão muscular progressiva é a dor, provavelmente
secundária ao espasmo muscular induzido pela hipóxia. Atenuação ou ausência da dor
em casos em que há uma denervação cirúrgica eletiva ou traumática de um determinado
músculo que será expandido é descrita, por exemplo, em casos de reconstrução mamária
com próteses expansíveis6,7. Além disso, no músculo expandido para
reconstrução mamária com prótese, há redução da dor após o relaxamento com toxina
botulínica7,8.
Após a expansão, há um ganho na complacência muscular, contribuindo para a diminuição
da tensão na sutura. As alterações histológicas descritas são hipertrofia muscular,
alteração no formato da fibra e na posição nuclear, aumento e alterações nos vasos
sanguíneos. Essas alterações não são vistas na expansão muscular aguda realizada no
intraoperatório por causa do tempo excessivamente curto para estimular crescimento
muscular permanente4.
OBJETIVO
Descrever as alterações histológicas no músculo grande dorsal submetido à expansão
após relaxamento com toxina botulínica.
MÉTODO
Trata-se de estudo piloto de projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética no
Uso
de Animais (CEUA) da Instituição. Seguimos as recomendações do CEUA buscando atender
aos princípios dos 3R (reduction, refinement and replacement),
sendo utilizada amostragem de conveniência.
Foram utilizadas dez ratas com peso médio de 300 g, com cerca de 6 meses da cepa
Wistar (Rattus norvegicus). O músculo utilizado para a expansão
foi o grande dorsal, por ser de fácil abordagem, delgado, com evidente plano de
clivagem e base óssea subjacente. Para a expansão muscular, foram utilizados
expansores de órbita de seres humanos com 1,7 cm de diâmetro, 3 ml de volume, lisos,
com duas válvulas, esterilizados com óxido de etileno, registrados na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (Figura 1A).
Figura 1 - A: Expansor de órbita de seres humanos fabricado para
esta pesquisa; B: Incisão utilizada para a inserção do
expansor no músculo grande dorsal; C: Inserção do expansor;
D: Aspecto após expansão.
Figura 1 - A: Expansor de órbita de seres humanos fabricado para
esta pesquisa; B: Incisão utilizada para a inserção do
expansor no músculo grande dorsal; C: Inserção do expansor;
D: Aspecto após expansão.
Foi aplicada a toxina botulínica tipo A, na forma liofilizada em frasco com 100UI,
diluída em 4 ml de solução fisiológica a 0,9%, de forma a obter 25UI/ml, na dose de
1UI por cm2 de músculo, em única dose, antes de iniciar a expansão. Para
a aplicação, foram utilizadas seringas e agulhas de insulina de 1 ml/cc e
infiltrados dois traços de referência da seringa.
Cinco animais foram submetidos à expansão do músculo grande dorsal sem aplicação da
toxina botulínica e cinco com aplicação prévia de toxina botulínica.
Após a incisão e identificação do músculo grande dorsal, foi realizada dissecção
romba submuscular para confeccionar uma loja na qual se colocava o expansor (Figura 1B). A válvula conectada ao expansor foi
posicionada no subcutâneo, para facilitar a identificação nas futuras punções.
Amostras do músculo foram coletadas para avaliação histológica antes da expansão e
ao final da mesma. Foram feitas dez expansões, com intervalo de sete dias e injetado
o equivalente a 0,3 ml em cada aplicação.
Para a introdução do expansor, os animais eram anestesiados com cloridrato de
xilazina 2% na dosagem de 5mg/kg, em uma concentração de 9,1mg/ml (peso x dosagem
x
1/concentração), associada a ketamina na dosagem de 50mg/kg, intraperitoneal (Figura 1C).
Imediatamente após o posicionamento do expansor, foi injetado 10% de sua capacidade
com soro fisiológico tingido com azul de metileno para acompanhamento de possíveis
extravasamentos. Após a expansão completa (Figura 1D), foram coletadas amostras do músculo para a análise histológica e
estas imediatamente fixadas em formol tamponado a 4%. Posteriormente, o material foi
processado, incluído em parafina e submetido à microtomia (cortes histológicos com
cerca de 4µm de espessura). Os cortes histológicos foram corados segundo as técnicas
de Hematoxilina-eosina (HE), para avaliação geral, e tricrômio de Masson (TM) para
avaliação do tecido conjuntivo.
As lâminas foram analisadas em microscópio de luz comum por dois observadores
simultaneamente. Nas lâminas coradas pelo HE, avaliou-se a presença de atrofia
muscular, mudança na posição e no tamanho do núcleo das células musculares, presença
de inflamação, alteração na quantidade de vasos sanguíneos e presença de depósitos,
comparando-se com a biópsia pré-expansão nos grupos com e sem relaxamento prévio com
a toxina botulínica.
Nas lâminas coradas pelo TM, avaliou-se a quantidade de tecido conjuntivo, corado
em
azul, entre as fibras musculares, coradas em vermelho. O estudo foi analisado
considerando-se apenas variáveis categóricas, visto que, devido ao tamanho da
amostra, não é possível identificar diferença estatística entre os grupos.
RESULTADOS
As fibras musculares biopsiadas antes da expansão nos animais dos grupos com e sem
relaxamento com a toxina botulínica foram consideradas como músculo normal e
utilizadas como controle.
Ao avaliar os animais submetidos à expansão sem a toxina botulínica, observou-se
focos de fibrose, com aumento do tecido conjuntivo entre as fibras musculares e
entre os fascículos musculares, mais intensa que no grupo com relaxamento com a
toxina botulínica em todos os casos.
Além disso, havia maior aumento no número de vasos sanguíneos, atrofia do músculo
esquelético e consequente centralização dos núcleos destas células e maior escassez
de músculo. O grupo sem aplicação da toxina botulínica exibia ainda focos de
hemorragia antiga e leve infiltrado inflamatório inespecífico de linfócitos e
plasmócitos em todos os casos, não vistos no grupo com toxina botulínica (Figura 2).
Figura 2 - A: Músculo esquelético antes da expansão (HE, 400X);
B: Músculo esquelético após expansão e aplicação de
toxina botulínica (HE, 400X); C: Escasso tecido conjuntivo
(azul) entre as fibras musculares (vermelho) no músculo esquelético
antes da expansão (TM, 400X); D: Tecido conjuntivo (azul)
aumentado entre as fibras musculares (vermelho) após expansão e
aplicação de toxina botulínica (TM, 400X).
Figura 2 - A: Músculo esquelético antes da expansão (HE, 400X);
B: Músculo esquelético após expansão e aplicação de
toxina botulínica (HE, 400X); C: Escasso tecido conjuntivo
(azul) entre as fibras musculares (vermelho) no músculo esquelético
antes da expansão (TM, 400X); D: Tecido conjuntivo (azul)
aumentado entre as fibras musculares (vermelho) após expansão e
aplicação de toxina botulínica (TM, 400X).
DISCUSSÃO
Acredita-se que a maior fibrose nos animais submetidos à expansão muscular
esquelética decorra provavelmente da isquemia do tecido pela expansão e consequente
distensão e compressão dos vasos sanguíneos. Posteriormente, seriam liberadas
citocinas que induziriam a proliferação vascular encontrada9.
Quando se avaliou o grupo que recebeu a toxina botulínica, a fibrose e a proliferação
vascular foram menos intensas. Provavelmente, o relaxamento da musculatura induzido
pela toxina diminua a isquemia local8,10-12, justificando a diferença encontrada. Além
disso, também se encontrou menos atrofia, bem como não foi encontrada inflamação,
o
que poderia decorrer de menor liberação de citocinas pró-inflamatórias9. A expansão mais fácil após o relaxamento
muscular justificaria a ausência de hemorragia nesse grupo6,7.
Apesar de não termos avaliado a dor neste estudo, revisando a literatura, observamos
que uma das principais queixas da expansão tecidual progressiva é a dor, que pode
levar inclusive à interrupção do tratamento8,13. Existem
trabalhos que demonstram a redução da dor no músculo expandido para reconstrução
mamária com prótese pós-relaxamento com toxina botulínica8,9,13.
Além do relaxamento muscular, acredita-se que a menor hipóxia sofrida pelas fibras
musculares seja um fator associado à diminuição da dor, talvez pela diminuição de
liberação de substâncias álgicas6,13.
CONCLUSÃO
A toxina botulínica é uma substância usada na prática médica há vários anos,
relativamente segura e de fácil aplicação, que causa relaxamento muscular,
permitindo distensão muscular menos abrupta e dolorosa.
Apesar do tamanho reduzido da amostra, indicando a necessidade de estudos
posteriores, esses achados correlacionados com dados da literatura, nos permitem
presumir que sua aplicação no músculo esquelético expandido associa-se com maior
preservação do músculo, havendo consequentemente maior distensibilidade e melhor
acomodação da prótese.
COLABORAÇÕES
MPSN
|
Concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos.
|
LCR
|
Concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos.
|
ECSA
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
ACRD
|
Realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou
revisão crítica de seu conteúdo.
|
ACPB
|
Análise e/ou interpretação dos dados; realização das operações e/ou
experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
RME
|
Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito;
concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou
experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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SJ, ed. Plastic surgery: general principles. Philadelphia: Saunders Elsevier;
2006. p. 539-67.
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http://dx.doi.org/10.1097/00000637-199807000-00003
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9734422 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199809020-00019
13. Jankovic J, Brin MF. Therapeutic uses of botulinum toxin. N Engl J
Med. 1991;324(17):1186-94. PMID: 2011163 DOI: http://dx.doi.org/10.1056/NEJM199104253241707
1. Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
Uberaba, MG, Brasil.
*Autor correspondente: Renata Margarida Etchebehere,
Avenida Getúlio Guaritá, 130 - Uberaba, MG, Brasil. CEP 38025-440. E-mail:
renataetch@hotmail.com
Artigo submetido: 28/9/2017.
Artigo aceito: 5/9/2018.
Conflitos de interesse: não há.