INTRODUÇÃO
No Brasil, estima-se que 1.000.000 de indivíduos se queimem por ano, não havendo
restrição de sexo, idade, raça ou classe social, com um forte impacto econômico,
tendo em vista o tempo prolongado de tratamento e acompanhamento1,2.
Os pacientes com queimaduras graves são mais propensos a morrer de septicemia devido
à liberação maciça de mediadores inflamatórios da ferida queimada, somada à
dificuldade de difusão tecidual dos antimicrobianos devido à trombose dos vasos e
necrose tecidual. Entretanto, outros parâmetros estão também intimamente
relacionados à mortalidade3.
Em meados dos anos 90, 50% a 80% dos pacientes com queimaduras envolvendo mais do
que
50% da área de superfície corporal total (ASCT) iam a óbito em decorrência de sepse,
choque e falência de múltiplos órgãos. Atualmente, mais de 90% destes pacientes
apresentam evolução favorável4,5.
Essa melhora na evolução se deve ao aprimoramento no atendimento, às novas técnicas
de tratamento, ao avanço no manejo dos pacientes, no maior número de médicos e
centro especializados.
Mesmo com todas melhorias, ainda existe um grupo de pacientes queimados que se
apresentam como um grande desafio no seu manejo: os pacientes idosos. Em
contrapartida aos baixos índices de internação, pacientes idosos possuem alta
mortalidade. A associação de doenças, medicalização e deteriorização da capacidade
cognitiva, os fazem vítimas mais susceptíveis a complicações que cursam com
óbito6-8.
Com o aumento da idade, o risco de morte cresce significativamente, acompanhando o
aumento da extensão das queimaduras. Segundo dados do National Burn
Repository-2011 da American Burn Association (Canadá,
Estados Unidos e Suécia), para queimaduras entre 20% e 30% de superfície corporal
queimada (SCQ), a faixa etária de 2 a 5 anos de idade apresenta cerca de 1% de taxa
de mortalidade, enquanto que para a faixa de 70 a 80 anos, ocorre cerca de 35% de
mortalidade. Para queimaduras mais extensas, entre 60 e 70% de SCQ, a faixa etária
de 2 a 5 anos apresenta cerca de 10% de mortalidade, enquanto que a faixa de 70 a
80
anos apresenta cerca de 85% de mortalidade9.
Em trabalho realizado sobre os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS), as queimaduras
atendidas em hospital não especializado corresponderam ao maior custo-dia (custo-dia
= valor pago pelas internações/número de dias de permanência) entre as internações
por causas externas, no valor de R$ 130,18.
O alto custo e a escassez de oferta de centros especializados em queimaduras no
Brasil demonstram que, independentemente da idade, para os casos que exigem
internação, a assistência adequada e especializada ao paciente em sua fase aguda tem
um papel crucial na redução da mortalidade, das sequelas funcionais, estéticas e
psicológicas10-12.
OBJETIVO
Análise da evolução dos pacientes internados na Santa Casa de Misericórdia de Santos
(SCMS), em Santos, SP, traçando um perfil epidemiológico e com o estudo
retrospectivo analisar fatores de risco para o óbito desses pacientes,
principalmente focando na idade e sexo como fator contribuinte para o desfecho.
MÉTODOS
Pesquisa retrospectiva dos pacientes internados na SCMS no período de janeiro de 2011
a maio de 2017. Foram analisados sexo, idade, período de internação e
mortalidade.
RESULTADOS
No período analisado de 6 anos e 5 meses na SCMS o serviço de cirurgia plástica
registrou 716 internações. Os pacientes que receberam apenas o primeiro atendimento
e não foram internados não foram contabilizados no estudo.
O perfil dos pacientes internados segundo a idade variou de 1 até 97 anos, sendo que
a faixa etária até 20 anos apresentou a maior prevalência dos casos 290 (40,5%), na
faixa etária de 20-40 anos foram 184 (25,6%), entre os pacientes com 40-60 anos
foram 174 (24,3%) e os pacientes com idade superior a 60 anos apenas 68 (9,4%)
(Figura 1).
Figura 1 - Internações por faixa etária
Figura 1 - Internações por faixa etária
Em relação ao sexo, 276 (38,54%) foram do sexo feminino e 440 (61,45%) do masculino,
com média de idade de 29 anos para ambos os sexos (Figura 2).
Figura 2 - Total de internações no período.
Figura 2 - Total de internações no período.
Ao analisar a mortalidade geral dos pacientes, o resultado é de 28 óbitos, sendo o
percentual total de 3,91%. Porém, ao analisar apenas os pacientes com idade de 60
anos ou mais, o percentual de óbito sobe para 36,34%, mesmo esses pacientes estando
na menor faixa etária com menor número de indivíduos entre os internados. Isso
demonstra que a idade e todas as comorbidades que veem associadas são um importante
fator de piora para o desfecho dos pacientes queimados (Tabela 1).
Tabela 1 - Percentual de óbitos.
SEXO |
QUEIMADOS |
ÓBITOS |
% |
Feminino |
276 |
16 |
5,79 |
Masculino |
440 |
12 |
2,72 |
Total |
716 |
28 |
3,91 |
Idosos (>60 anos) |
38 |
14 |
36,34 |
Tabela 1 - Percentual de óbitos.
O tempo de internação em ambos os sexos teve pouca variação, sendo de 21 dias na
média geral, chegando a 24,9 no sexo masculino nos pacientes com > 60 anos (Tabela 2).
Tabela 2 - Relação da média de idade com o tempo de internação.
SEXO |
Média de idade |
Tempo de internação |
Feminino |
29,9 |
21,33 |
Masculino |
29,1 |
21,8 |
Idosos >60 anos |
Feminino |
73,6 |
20,3 |
Masculino |
70,5 |
24,9 |
Tabela 2 - Relação da média de idade com o tempo de internação.
DISCUSSÃO
Um estudo sendo retrospectivo demonstra o perfil epidemiológico, traçando dados do
perfil demográfico, das características de idade, sexo, tempo de internação. Sendo
que os índices colhidos demonstram características já relatadas na literatura. Com
esses dados coletados, pode-se então traçar planos de cuidados dos pacientes
internados na SCMS buscando melhorar o atendimento com a identificação de fatores
de
mau prognóstico como áreas de superfície queimada, etiologia, injúrias secundárias
com a inalação, afecções associadas inerentes aos pacientes, evitando sempre que
possível as sequelas, infecções que levam a um pior desfecho aos casos. Outros
critérios não podem ser tratados como a idade, mas com dados que demonstram a sua
importância pode-se, ao identificar, procurar combater e buscar medidas mais
eficazes ao tratamento (Figura 3).
Figura 3 - Índice de internações nos anos estudados.
Figura 3 - Índice de internações nos anos estudados.
CONCLUSÃO
No período estudado houve 716 internações por queimadura, existindo maior quantidade
de pacientes do sexo masculino, entretanto, os óbitos foram maiores no sexo
feminino. A idade foi um fator de pior prognóstico, assim demonstrado pelo índice
de
óbitos nos pacientes com idade acima de 60 anos, superior a 10 vezes à média geral
dos pacientes afetados.
Houve uma pequena tendência de queda nas internações, mas não o suficiente, mostrando
que existe uma necessidade de maior investimento em estratégias públicas de educação
para o combate aos acidentes com queimaduras.
Desta forma, os dados apresentados são de extrema importância para identificar o
perfil epidemiológico das populações mais atingidas e as circunstâncias nas quais
as
queimaduras ocorrem, podendo apontar medidas preventivas de saúde pública.
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1. Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos,
SP, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Rodolfo Toscano Zafani, Rua João Pinho, nº
27, apt. 41 - Boqueirão - Santos, SP, Brasil. CEP 11055-060. E-mail:
rodzafani@hotmail.com
Artigo submetido: 13/1/2018.
Artigo aceito: 17/5/2018.
Conflitos de interesse: não há.