INTRODUÇÃO
A região palpebral é um local comum de câncer. De fato, o câncer de pele das
pálpebras incluindo o carcinoma basocelular, o carcinoma espinocelular e o melanoma
são responsáveis por 5 a 10% de todos os cânceres de pele. Noventa e cinco por cento
são carcinomas basocelulares ou carcinoma espinocelular1,2. A
reconstrução da pálpebra inferior após exérese de neoplasia ou trauma é um desafio.
Numerosas opções são possíveis dependendo da extensão do defeito3.
A cirurgia plástica, por meio da reparação, busca restabelecer a função protetora
da
pálpebra, usando de preferência técnicas que também proporcionem bons resultados
estéticos4. A anatomia cirúrgica que
orienta o planejamento da reconstrução divide a pálpebra em três lamelas: anterior,
média e posterior. A lamela anterior é composta pela pele e músculo orbicular do
olho. A lamela média é definida como a combinação do septo orbital, tecido do corpo
adiposo da órbita e tecido fibroadiposo submuscular. A lamela posterior inclui a
fáscia da pálpebra inferior, o tarso e a túnica conjuntiva da pálpebra5.
Os defeitos palpebrais são divididos em dois grupos, de acordo com as estruturas
acometidas: parcial, quando a lamela posterior é preservada, e total, quando todas
as lamelas estão comprometidas6. Nos defeitos
de espessura total, faz-se necessário restaurar as duas lamelas e a sustentação da
pálpebra, função naturalmente desempenhada pelo tarso, composto por tecido
conjuntivo denso, desprovido de cartilagem7.
Nesses casos, ao menos uma das lamelas reconstruídas necessita suporte
sanguíneo.
Técnicas cirúrgicas comuns e confiáveis envolvem várias opções de retalhos e
enxertos. Assim, um algoritmo para reconstrução de defeitos de espessura total da
pálpebra inferior auxilia na escolha do tipo de reconstrução a ser realizada.
Defeitos menores que 25% da margem palpebral podem ser tratados com sutura primária.
Cantólise e cantotomia permitem o fechamento primário de defeitos de 25 a 50% da
margem palpebral.
O retalho semicircular de Tenzel, quando associado a retalho periosteal ou a enxerto
de mucosa palatal, cartilagem auricular ou septal para lamela posterior, repara
defeitos de 50 a 75%. Casos de lesões que exijam ressecção ampla de 50 a 100% da
margem palpebral são mais satisfatoriamente tratados pelo retalho tarsoconjuntival
da pálpebra superior para lamela interna e retalho de avanço ou enxerto de pele
total para lamela anterior8.
A literatura mostra alternativas discordantes quanto ao melhor método de reconstrução
de lamela interna de pálpebra inferior, quando da impossibilidade de sutura
primária. A grande maioria dos trabalhos é composta por relatos de casos ou reduzida
amostragem de pacientes, levando à inconsistência nas evidências apresentadas9.
Neste estudo avaliamos os casos de neoplasia de pálpebra inferior que deixaram um
defeito que envolvia mais de 50% da extensão palpebral e foram reconstruídos pela
associação de dois retalhos para reconstituição da lamelas anterior e posterior.
OBJETIVO
Avaliar os resultados da associação de retalhos miotarsoconjuntival de Hughes (Figura 1) para reconstrução da lamela interna e
do retalho de avanço de pele em VY de Destro (Figura 2) para reconstituir a lamela externa em lesões causadas pela ressecção
de neoplasia da pálpebra inferior.
Figura 1 - Retalho de Hughes. Técnica de Hughes para reconstrução da lamela
posterior da pálpebra inferior. (Patel BCK, Flaharty PM, Anderson RL:
Reconstrução palpebral . Baker SR, Swanson NA. Retalhos Locais na
Reconstrução Facial, St. Louis, Mosby, 1995, p. 289. Fig. 15, A B C e
F.
Figura 1 - Retalho de Hughes. Técnica de Hughes para reconstrução da lamela
posterior da pálpebra inferior. (Patel BCK, Flaharty PM, Anderson RL:
Reconstrução palpebral . Baker SR, Swanson NA. Retalhos Locais na
Reconstrução Facial, St. Louis, Mosby, 1995, p. 289. Fig. 15, A B C e
F.
Figura 2 - Retalho de Destro. Representação esquemática do retalho de Destro e
de seu pedículo subcutâneo. Retirado da Tese de Mestrado do Dr. Marco
Willians Baena Destro intitulada Retalhos Triangulares de Pele com
Pedículo Subcutâneo Central na Reconstrução de Pálpebra Inferior, 1990,
p. 34, Fig. 8ª e 8b, com permissão.
Figura 2 - Retalho de Destro. Representação esquemática do retalho de Destro e
de seu pedículo subcutâneo. Retirado da Tese de Mestrado do Dr. Marco
Willians Baena Destro intitulada Retalhos Triangulares de Pele com
Pedículo Subcutâneo Central na Reconstrução de Pálpebra Inferior, 1990,
p. 34, Fig. 8ª e 8b, com permissão.
MÉTODO
Foram avaliados, retrospectivamente, por meio de coleta de dados em prontuários, 13
pacientes submetidos à reconstrução total de pálpebra inferior após ressecção de
neoplasia entre maio de 2012 e maio de 2016, no Santa Casa de Misericórdia de
Passos, MG, operados pelo autor. Foram incluídos os pacientes cujo defeito
comprometia a pálpebra inferior em plano total e em extensão horizontal maior que
50%, reconstruídos usando o Retalho Miotarsoconjuntival de Hughes10 para recriar a lamela posterior e retalho
triangular de pele com pedículo subcutâneo de Destro para reconstruir a lamela
anterior11.
Os dados colhidos foram idade, gênero, tipo histológico do tumor, comorbidades, tempo
cirúrgico, tempo de realização da transecção do retalho, complicações e tempo de
seguimento.
Os resultados foram avaliados utilizando os seguintes parâmetros: 1) capacidade de
oclusão palpebral; 2) sinais de ectrópio; 3) simetria; 4) morbidade da área doadora
dos retalhos.
Todos os casos foram operados pelo autor com um mesmo auxiliar, sob anestesia local
(lidocaína 2% com adrenalina 1:200.000) e anestesia tópica corneana com colírio
anestésico associada à sedação endovenosa. Em um caso, a anestesia foi geral
endovenosa. Foi realizada marcação com pincel das margens de segurança do tumor de
3
a 5 mm. Após assepsia e antissepsia de toda a face e anestesia, faz-se a ressecção
da lesão, que era enviada imediatamente para congelação e análise de margens de
segurança. Após receber o resultado de margens livres de neoplasia, prossegue o ato
cirúrgico.
Para realizarmos o retalho de Hughes evertemos a pálpebra superior com um ponto de
reparo no bordo palpebral ou usando um retrator e um cabo de pinça como apoio.
Delineia-se com azul de metileno o retalho miotarsoconjuntival de forma que incisão
distal fique a 4 mm da margem palpebral (sendo paralela a ela para garantir a
estabilidade e contorno da pálpebra superior) e a extensão medial e lateral seja
suficiente para alcançar e reconstruir a lamela posterior. Em média, o tarso
dissecado tem altura de 4 a 6 mm, sendo um pouco menor que a dimensão do
defeito.
Faz-se a infiltração da pálpebra superior evertida subconjuntival com 1 ml de
anestésico local. O retalho é incisado com lâmina número 15 e dissecado com tesoura
romba no plano subtarsal até o plano do músculo elevador da pálpebra superior, sendo
essa dissecção continuada superiormente até o retalho poder ser avançado para o
defeito inferior sem tensão. O retalho é suturado com fio Vicryl® 6.0 em
chuleio contínuo à conjuntiva palpebral inferior logo acima do fundo de saco
palpebral, estendendo-se para as laterais até o rebordo palpebral reparando assim
a
lamela posterior.
Para reparar a lamela anterior com o retalho de Destro, demarcamos com azul de
metileno um retalho em “V” que se inicia nas extremidades inferiores do defeito com
uma linha vertical de comprimento pouco maior que a altura do defeito e desce
convergindo em direção à região malar. O pedículo subcutâneo central do retalho em
forma de cone invertido é dissecado com delicadeza, separando-se o tecido subcutâneo
frouxo e preservando-se os vasos, em uma dissecção tendendo ao afunilamento do
pedículo que progride até o plano muscular. Quanto maior o deslocamento desejado,
mais afunilado e longo dissecamos o pedículo.
Sobre o retalho miotarsoconjuntival avançamos o retalho triangular, por deslizamento,
para cobrir a área cruenta. Os dois primeiros pontos são dados com
Mononylon® 5.0, atingindo-se o rebordo conjuntival bilateral dois
milímetros abaixo dos dois ângulos superiores do retalho Alguns pontos de Vicryl 6.0
são dados do retalho triangular fasciocutâneo ao tarso superior que fora rebatido,
1
mm acima da margem palpebral inferior residual, a fim de evitar retração inferior
(Figuras 3 a 9).
Figura 3 - Carcinoma basocelular de pálpebra inferior esquerda.
Figura 3 - Carcinoma basocelular de pálpebra inferior esquerda.
Figura 4 - Neoplasia já ressecada e retalho de Hughes demarcado na pálpebra
superior evertida, com sua borda distal a 4 mm da margem
palpebral.
Figura 4 - Neoplasia já ressecada e retalho de Hughes demarcado na pálpebra
superior evertida, com sua borda distal a 4 mm da margem
palpebral.
Figura 5 - Retalho rebatido e suturado à conjuntiva palpebral inferior para
reparar a lamela posterior.
Figura 5 - Retalho rebatido e suturado à conjuntiva palpebral inferior para
reparar a lamela posterior.
Figura 6 - Retalho de Destro triangular dissecado com pedículo subcutâneo
central em forma de cone invertido.
Figura 6 - Retalho de Destro triangular dissecado com pedículo subcutâneo
central em forma de cone invertido.
Figura 7 - Retalho de Destro avançado sobre o retalho de Hughes recriando a
lamela anterior.
Figura 7 - Retalho de Destro avançado sobre o retalho de Hughes recriando a
lamela anterior.
Figura 8 - Pós-operatório de 6 meses.
Figura 8 - Pós-operatório de 6 meses.
Figura 9 - Oclusão palpebral normal.
Figura 9 - Oclusão palpebral normal.
O transecção do retalho foi realizada após 3 a 4 semanas sob anestesia local
utilizando a tentacânula de suporte para proteção corneana (Figura 10). A borda superior do retalho foi hemostasiada e
regularizada com desbaste do excesso de tecido e cicatrizada por segunda intenção.
Em alguns casos, foram dados pontos simples de Vicryl 6.0 na intenção de regularizar
o rebordo.
Figura 10 - Transecção do retalho de Hughes.
Figura 10 - Transecção do retalho de Hughes.
Quanto ao aspecto ético, seguimos rigorosamente os princípios da Declaração de
Helsinki revisada em 2000 e a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os
pacientes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, permitindo a
utilização de seus dados e a publicação de suas imagens.
CAAE:69519617.7.0000.8043.
RESULTADOS
Foram operados 13 pacientes no período de 4 anos. Todos eram da raça branca, sendo
6
mulheres e 7 homens. As idades variaram entre 55 a 89 anos com média de idade de
72,61 anos. O carcinoma basocelular foi responsável pela maioria das lesões, com 11
casos (84,61%), sendo um caso de carcinoma espinocelular e um caso de carcinoma de
células de Merkel. O tempo cirúrgico apresentou média de 75,76 minutos (para a
primeira etapa da reconstrução). O tempo de transecção do retalho
miotarsoconjuntival após a primeira cirurgia variou de 19 a 39 dias, com média de
28
dias. Os pacientes tiveram um período de seguimento de no mínimo 12 meses. Durante
esse período, não houve casos de recorrência local da doença (Tabela 1).
Tabela 1 - Características dos pacientes.
Idade (anos) |
Sexo |
Etiologia |
Tempo cirúrgico (min) |
Transecção (dias) |
Complicações |
Resolução |
56 |
F |
CBC |
60 |
26 |
|
|
55 |
M |
CBC |
110 |
30 |
|
|
86 |
F |
CBC |
75 |
21 |
|
|
83 |
F |
CBC |
40 |
21 |
|
|
58 |
M |
CBC |
95 |
19 |
Ectopia mucosa na borda palpebral |
Enxerto de pele da pálpebra superior |
80 |
F |
CBC |
75 |
39 |
|
|
59 |
M |
Merkel |
135 |
36 |
Edema com irritação conjuntival |
Massagem |
77 |
M |
CBC |
130 |
39 |
|
|
89 |
F |
CBC |
45 |
28 |
|
|
83 |
M |
CBC |
40 |
22 |
|
|
61 |
F |
CBC |
60 |
23 |
|
|
85 |
M |
CEC |
75 |
32 |
|
|
72 |
M |
CBC |
120 |
28 |
Ectrópio |
Retalho de Fricke |
Tabela 1 - Características dos pacientes.
Segundo os critérios estabelecidos pelo estudo, nenhum paciente apresentou
comorbidade nas áreas doadoras dos retalhos. Um paciente, cuja lesão tumoral era
extensa, evoluiu com irritação conjuntival precoce devido a edema que levou a pele
do retalho a tocar e irritar a conjuntiva. Apresentou resolução espontânea em 4
meses após realização de massagem e regressão do edema (Figuras 11 a 13).
Figura 11 - Lesão vegetante de pálpebra inferior direita.
Figura 11 - Lesão vegetante de pálpebra inferior direita.
Figura 12 - Pós-operatório recente de transecção com edema e irritação
conjuntival.
Figura 12 - Pós-operatório recente de transecção com edema e irritação
conjuntival.
Figura 13 - Melhora da irritação conjuntival e edema do retalho após massagem 4
meses.
Figura 13 - Melhora da irritação conjuntival e edema do retalho após massagem 4
meses.
Outro paciente, mesmo tendo o rebordo palpebral regular e ao nível do limbo, sem
ectrópio, portanto, apresentou hiperemia de borda ciliar devido à ectopia da mucosa
conjuntival além do rebordo palpebral, sendo corrigido após 24 meses com fino
enxerto de pele da pálpebra superior homolateral (Figuras 14 a 17). O último caso
operado evoluiu com ectrópio severo corrigido, três meses após, com sucesso através
de um retalho de Fricke da pálpebra superior (Figuras 18 a 21). A simetria contralateral
e o fechamento palpebral foram observados em todos os casos ao fim do tratamento,
não sendo identificados outros problemas funcionais em nenhum dos pacientes.
Figura 14 - Defeito após resseção de carcinoma basocelular.
Figura 14 - Defeito após resseção de carcinoma basocelular.
Figura 15 - Hiperemia do rebordo palpebral após transecção devido a
posicionamento exteriorizado da mucosa do retalho de Hughes.
Figura 15 - Hiperemia do rebordo palpebral após transecção devido a
posicionamento exteriorizado da mucosa do retalho de Hughes.
Figura 16 - Enxerto de pele de pálpebra superior no rebordo palpebral.
Figura 16 - Enxerto de pele de pálpebra superior no rebordo palpebral.
Figura 17 - Melhora do aspecto no rebordo pós-enxerto.
Figura 17 - Melhora do aspecto no rebordo pós-enxerto.
DISCUSSÃO
A reconstrução de defeitos amplos da pálpebra inferior constituí um desafio à
cirurgia reparadora. Há diferentes técnicas relatadas, como a técnica descrita por
Mustarde12, o retalho de Hughes com suas
modificações e evolução13, o enxerto de
palato duro coberto pelo avanço de músculo orbicular14, o retalho de Tripier15 e
outras abordagens mais complexas, tais como o retalho de mucosa lingual
pré-expandido16, o uso de matriz dérmica
acelular17, o retalho de bochecha
suportado pela fáscia lata18, o retalho de
músculo orbicular superior associado a ilha tarsoconjuntival19 e o retalho de Fricke20,21. Todas essas
técnicas são úteis quando a reconstrução de pálpebra inferior é necessária; no
entanto, alguns desses procedimentos são complexos e caros3.
Para alcançarmos excelentes resultados funcionais e estéticos, as duas camadas da
pálpebra inferior têm que ser reconstruídas adequadamente, com atenção ao fato de
que o uso de enxerto em uma lamela obriga o uso de retalho na outra. Quando se usa
retalho em uma lamela, existe a opção de reconstruir a outra lamela com retalho ou
enxerto. Feito isso, o aporte vascular está garantido e a integração da reconstrução
também13.
No presente trabalho defendemos o uso do retalho triangular de pedículo subcutâneo
para reconstruir a lamela anterior. Acreditamos que o retalho da mesma unidade
estética sempre que possível constitui a melhor opção por ter a cor e espessura do
tecido mais semelhantes à da área ressecada11,22. O enxerto de
pele, seja de pálpebra superior ou de pele retroauricular, também representa uma
opção, todavia, necessita ser retirado de outra região cirúrgica e necessita retalho
para lamela interna para vascularizar o enxerto.
A lamela interna pode ser reconstruída com uso de enxertos condromucosos de septo
nasa12,22,23,
preferência do Dr. Destro, cartilaginosos de orelha24,25 ou mucosa de
palato duro14. Contudo, estes enxertos nas
grandes ressecções são instáveis pela falta de suporte remanescente da pálpebra, o
que dificulta sua fixação, e necessitam do uso de extensos retalhos de pele para
refazer a lamela externa26 que podem
prejudicar a aderência ao enxerto devido à sua espessura excessiva.
Para reconstruir a lamela interna, utilizamos o retalho miotarsoconjuntival. É uma
alternativa que confere mais estabilidade e suporte ao ser fixado lateral, medial
e
inferiormente na pálpebra inferior remanescente, além do que é bem vascularizado,
facilitando a sua integração.
Mustarde se opunha ao uso da pálpebra superior para reconstrução da inferior, devido
à possibilidade de haver retração palpebral superior, levando à exposição corneana.
Isso seria realmente preocupante se levarmos em consideração o trabalho original de
Hughes, em 1937, no qual realizava a incisão na linha cinzenta com divisão total da
pálpebra superior, deixando esta com sustentação diminuída e propícia a retrações
pós-operatórias. O principal problema com a técnica original era, portanto, a
frequente morbidade apresentada pela área doadora, retração e entrópio, após a
divisão do pedículo.
Para evitar essa complicação alguns autores27-29 fizeram
modificações à técnica original de Hughes para preservar o tarso e diminuir sua
inclusão no retalho. Nessa modificação, que adotamos em nossos pacientes, a borda
horizontal inferior do retalho de Hughes deve estar a pelo menos 4 mm de distância
da margem palpebral para sobrar uma placa de tarso remanescente no local doador da
pálpebra superior, evitando deformidade no pós-operatório. Não existe justificativa
para não usar este excelente retalho nas lesões maiores que 50%, pois sua
vascularização é segura e fornece apoio para aposição da lamela externa, sendo este
um fator de estabilidade e estruturação da pálpebra reconstruída9.
Uma dificuldade apresentada por essa opção de retalho de Hughes é quando o olho da
pálpebra afetada é de visão única, o que dificulta o uso de retalhos dentro da mesma
unidade estética. Outro ponto negativo é a necessidade de um segundo tempo cirúrgico
após 3 semanas para transecção de retalho de Hughes e abertura da fenda
palpebral13.
Hughes realizava a transecção do pedículo do retalho miotarsoconjuntival após 3
meses10. Cies & Bartlett30 relataram dividir o retalho entre 3 e 4
semanas sem complicações, e McCord & Nunery28 esperaram 6 a 8 semanas antes da divisão. Já Leibovitch et al.31 dividiram o retalho em sete dias e
perceberam que isso não comprometia o suprimento de sangue do retalho, e relataram
bons resultados estéticos e funcionais mesmo após a divisão precoce do retalho. Nos
pacientes operados o objetivo era se realizar a transecção após 3 semanas em média,
mas esse período variou, devido a fatores externos e individuais, o que à nossa
análise não alterou os resultados apresentados, sendo que a média da transecção
ocorreu em 28 dias.
Um dos primeiros pacientes operados (Figuras 15
a 17) apresentou hiperemia da margem palpebral
após a divisão do pedículo no segundo tempo cirúrgico. Atribuímos essa hiperemia ao
fato de após ter realizado a transecção termos suturado com pontos simples de Vicryl
6.0 a borda palpebral, o que levou ao avanço da mucosa sobre o novo rebordo
palpebral, causando um excelente resultado funcional, contudo, necessitando de
pequena correção estética posterior, a qual foi realizada com enxerto delgado de
pele da pálpebra superior 2 anos após, se obtendo ótimo resultado.
Bartley & Putterman32, após fazer a
transecção do retalho, regularizavam a borda e deixavam ocorrer granulação
espontânea. Isso permitiu à junção mucocutânea se formar por segunda intenção e a
evitar hiperemia pós-operatória. Assim, foi realizado no restante dos pacientes e
não houve mais essa ocorrência.
Casos de lesões mais extensas apresentam edema pós-operatório mais acentuado, o que
pode levar a desconforto e irritação ocular. Nesses pacientes a realização de
massagens ou drenagem linfática pós operatória pode ajudar na resolução do quadro
(Figuras 11 a 13).
Atribuímos o ectrópio pós-operatório do último paciente (Figuras 18 a 21) à pouca
flacidez e pouca elasticidade da pele malar do paciente que subestimamos ao indicar
o retalho para reconstruir a lamela anterior. Acreditamos que, nessas situações,
para se reconstruir a lamela anterior após rotacionar o retalho de Hughes não seja
boa indicação o retalho fasciocutâneo de Destro. Outras alternativas devem ser
indicadas, como o retalho de Mustardé, se houver flacidez lateral da face, ou mesmo
enxertia cutânea de pele total da pálpebra superior contralateral ou retroauricular,
sobre o retalho miotarsoconjuntival.
Figura 18 - Neoplasia de pálpebra inferior direita.
Figura 18 - Neoplasia de pálpebra inferior direita.
Figura 19 - Defeito extenso após ressecção.
Figura 19 - Defeito extenso após ressecção.
Figura 20 - Ectrópio e cicatriz em alçapão 4 meses pós-transecção do
retalho.
Figura 20 - Ectrópio e cicatriz em alçapão 4 meses pós-transecção do
retalho.
Figura 21 - Resolução com retalho de Fricke.
Figura 21 - Resolução com retalho de Fricke.
Nesses casos para a reconstrução da lamela anterior, os enxertos de pele total são
considerados33, sendo estes a preferência
de muitos autores34. Nesta complicação bem
solucionada com um retalho de Fricke, verificamos que deve se ter o cuidado de
avaliar bem a elasticidade da pele da face antes de se optar por retalho de avanço
em VY, pois flacidez inadequada da pele da região malar pode levar à retração
inferior do rebordo palpebral reconstituído.
Os pacientes foram operados com tempo cirúrgico médio de 74,61 minutos, considerado
rápido para o procedimento proposto. Em três casos em que o tempo cirúrgico foi
maior, a margem de congelação estava comprometida, necessitando ser ampliada, o que
não comprometeu os resultados, visto a importância de se realizar a exérese total
do
tumor para reconstrução ser realizada e evitarmos manutenção da doença.
Todos pacientes foram acompanhados por no mínimo 12 meses pela Cirurgia Plástica
evoluindo adequadamente, inclusive os dois casos com complicação, que foram tratados
satisfatoriamente. Durante este período, não apresentaram recorrência da lesão e
após continuaram em seguimento pela oncologia clínica.
CONCLUSÃO
A reconstrução palpebral inferior é um desafio para o especialista em Cirurgia
Plástica que dispõe de diversas técnicas para executá-la. A associação do retalho
miotarsoconjuntival de Hughes e retalho de Destro é uma alternativa valiosa para a
reconstrução total da pálpebra inferior, visto conseguirmos um resultado funcional
e
estético favorável com tecidos doadores semelhantes aos ressecados, mostrando ser
umas das principais opções de reconstrução pós-ressecção oncológica em plano total
de pálpebra inferior.
COLABORAÇÕES
DAL
|
Redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
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1. Departamento de Cirurgia Plástica, Santa Casa
de Passos, Hospital Regional de Câncer de Passos, Passos, MG,
Brasil.
Autor correspondente: Diogo Almeida Lima, Avenida Arouca, 260,
Centro - Passos, MG, Brasil. CEP 37900-152. E-mail:
drdiogolima@gmail.com
Artigo submetido: 8/8/2017.
Artigo aceito: 11/10/2017.
Conflitos de interesse: não há.