INTRODUÇÃO
A abdominoplastia é um tipo de cirurgia plástica que, em sua maior parte, tem fins
estéticos. Nos últimos anos, tornou-se um procedimento comum entre as mulheres que
procuram a melhoria da imagem corporal, autoestima, saúde mental, relações sexuais
e
qualidade de vida. Um dos passos mais importantes neste procedimento cirúrgico é o
processo de reconstrução do umbigo.
As características do umbigo incluem uma cicatriz deprimida cercada por dobras de
pele, localizada na parede abdominal anterior, cerca de 18 a 23 cm da comissura
vulvar, com variação de 4 cm acima a 2 cm abaixo da linha horizontal que passa pelas
duas espinhas ilíacas anterossuperiores1.
Possui forma elíptica na direção vertical, ou em forma de T com o eixo longitudinal
que passa verticalmente na linha média. As médias do diâmetro do cordão umbilical
variam de 1,5 a 2 cm, com a depressão cônica cujo vértice está preso à parede
muscular anterior do abdome2.
Estudos anatômicos realizados por Dick em 19703
mostraram que existem quatro cordões fibrosos ligados à superfície umbilical, que
são responsáveis por exercer o deslocamento do umbigo em sentido posterior. Essas
estruturas fibrosas emanam de vestígios da veia umbilical, do úraco e das duas
artérias umbilicais.
A cicatriz umbilical é a única cicatriz natural do corpo, portanto, um componente
estético importante e essencial no abdome. Devido ao fato dos costumes e da moda
estimularem cada dia mais a exposição do abdome, a cicatriz umbilical secundária da
dermolipectomia continua como uma preocupação frequente de cirurgiões e
pacientes.
A preocupação com sua estética, entretanto, não coincide com o desenvolvimento das
abdominoplastias. No século XIX, na França, algumas técnicas removiam o umbigo junto
com o retalho abdominal4. Weinhold Zentralb,
em 1909, foi o primeiro a ter o cuidado em manter o umbigo nas dermolipectomias
abdominais5.
Só em 1924, First realiza a primeira transposição de umbigo. A partir daí, muitas
formas geométricas foram apresentadas no sentido de obter uma cicatriz próxima à
natural. Em 1931, Flesch-Thebesius e Weisheimer preservavam um triângulo de pele no
umbigo6,7. Em nosso meio, Prudente, em 19438, e Andrews, em 19569,
faziam sua transposição através de incisões circulares, deixando-o em um cilindro
de
pele. Em 1957, Vernon10, também por meio da
transposição de formas circulares, observou muitas estenoses no umbigo, o que se
tornou, então, um grande desafio.
Em 1979, Avelar11 apresentou sua técnica em
que realizava múltiplos “V” na face interna do umbigo, quebrando a cicatriz em três
retalhos. Nesse sentido, outros autores brasileiros também propuseram várias formas
geométricas em busca do “umbigo ideal”: López-Tallaj & Gervais, em 2001,
Saldanha et al., em 2003, D’Assumpção, em 2005, e Mello & Yoshino em 200912-15.
Desde a abdominoplastia clássica, o umbigo é conservado em sua posição original e,
por meio de um orifício no retalho abdominal, será refixado. Mesmo com o avanço de
muitas técnicas, o umbigo continua a ser fixado da mesma forma.
Na abdominoplastia moderna, criaram-se diversos formatos, tanto na cicatriz umbilical
quanto na abertura cutânea do retalho, com o objetivo único de manter a aparência
pós-operatória com aspecto semelhante ao do umbigo natural. Foram propostas formas
arredondadas, ovaladas, em gota, triangulares de base superior ou inferior e
losangulares. Contudo, todas elas apresentam uma cicatriz que envolve todo o
perímetro do umbigo16,17.
OBJETIVO
No sentido de minimizar os efeitos inestéticos dessas repercussões, propomos, nesse
estudo, apresentar uma técnica que demonstrou resultados operatórios positivos, com
uma cicatriz de aspecto mais natural e com menor índice de complicações
pós-operatórias.
MÉTODO
Neste trabalho foram adicionados 88 pacientes do sexo feminino na faixa etária entre
27 e 62 anos, com média de 43 anos de idade, no período compreendido entre junho de
2012 e maio de 2015, sendo todas as pacientes operadas com esta técnica proposta em
“Y”/“V”.
Nossa marcação se procedeu com a paciente em posição ereta, sendo marcada a linha
média no pré-operatório e reforçada após assepsia da paciente e da região operatória
para evitar, com isso, um possível deslocamento lateral do neoumbigo (Figura 1).
Figura 1 - Marcação cirúrgica.
Figura 1 - Marcação cirúrgica.
Todos os procedimentos foram realizados com bloqueio peridural e sedação venosa pelo
anestesista da equipe. Após a assepsia, iniciamos a cirurgia com bisturi de lâmina
15 na pele e seguimos com o descolamento do retalho abdominal com bisturi elétrico.
O descolamento se estende até a cicatriz umbilical, sendo o umbigo isolado com
bisturi lâmina 15 em forma arredondada (Figura 2).
Figura 2 - Isolamento do umbigo.
Figura 2 - Isolamento do umbigo.
Após isolamento do umbigo, continuamos com o descolamento superior ao umbigo até o
apêndice xifoide, formando um túnel sem prolongar este descolamento lateralmente
para evitar problemas de vascularização do retalho. Após completado o descolamento,
elevamos a cabeceira da paciente e avaliamos a quantidade do retalho que será
ressecado conforme a marcação prévia. Retirado o retalho e feita a plicatura dos
músculos retos abdominais, entramos especificamente na técnica proposta.
Realiza-se a fixação do coto umbilical com pontos separados na aponeurose dos
músculos retos abdominais, sendo esta fixação avaliada segundo sua mobilidade de
acordo com a espessura do panículo adiposo resultante do retalho abdominal
definitivo (Figura 3). A ilha umbilical
ressecada em forma arredondada será modelada com tesoura curva, para alcançarmos uma
forma em “Y”, sendo feita a retirada de um triângulo de pele na porção cefálica e
retificada em suas laterais direita e esquerda a fim de se formar um “Y” (Figuras 4 e 5).
Figura 3 - Coto umbilical fixado.
Figura 3 - Coto umbilical fixado.
Figura 4 - Ilha umbilical em forma de “Y”.
Figura 4 - Ilha umbilical em forma de “Y”.
Figura 5 - Ilha umbilical modelada.
Figura 5 - Ilha umbilical modelada.
Após a fixação do retalho abdominal na cicatriz inferior, efetua-se a marcação da
localização do neo umbigo na pele do retalho abdominal em forma de “Y”, usando
manobra de introdução da mão pela abertura lateral do retalho, onde, por
contiguidade, palpa-se o umbigo e o mesmo é projetado na pele após a introdução de
uma agulha 25x7 em direção ao dedo indicador do cirurgião, que se encontra sobre a
ilha umbilical fixada na aponeurose, sem que a mesma possa ferir o cirurgião (Figura 6).
Figura 6 - Manobra que possibilita a localização do umbigo.
Figura 6 - Manobra que possibilita a localização do umbigo.
Este ponto é marcado na porção inferior do dedo do cirurgião. Marcado este primeiro
ponto, é feita uma nova pontuação com azul de metileno a uma distância de 1,0 a 1,5
centímetros na linha média acima do ponto 1 (dependendo da espessura do panículo
adiposo e da medida da largura da paciente para evitar-se neo umbigos pequenos ou
grandes proporcionalmente ao abdome da paciente). Seguindo, marcam-se dois pontos
laterais e superiores entre 0,5 e 1,0 centímetros do ponto 2 formando, com isso, o
“Y” proposto neste técnica (Figura 7).
Figura 7 - Marcação com azul de metileno.
Figura 7 - Marcação com azul de metileno.
Neste momento, realiza-se a incisão na pele, em cima da marcação do “Y” (Figura 8), e é feita a retirada de um cilindro
gorduroso do retalho abdominal já fixado (Figura 9). Com o intuito de se evitar estenoses umbilicais, são retirados dois
“biquinhos” dos retalhos laterais do Y para melhor acomodação da sutura umbilical
(Figura 10).
Figura 8 - Incisão em cima da marcação do “Y”.
Figura 8 - Incisão em cima da marcação do “Y”.
Figura 9 - Retirada de um cilindro gorduroso do retalho abdominal já
fixado.
Figura 9 - Retirada de um cilindro gorduroso do retalho abdominal já
fixado.
Figura 10 - Retirada de “biquinhos” de pele dos retalhos laterais do “Y”.
Figura 10 - Retirada de “biquinhos” de pele dos retalhos laterais do “Y”.
A sutura umbilical se inicia com o retalho triangular de pele, formado pela incisão
em “Y” junto ao vértice do “V” retirado na ilha umbilical, permitindo assim a
descida deste retalho e acomodação intraumbilical superior, o que proporciona a
ocultação da cicatriz a este nível (Figura 11). Em seguida, fixa-se o vértice inferior da ilha umbilical ao vértice
inferior do “Y” incisado no retalho abdominal. São dados dois pontos laterais junto
aos vértices laterais superiores da ilha umbilical e as laterais do “Y” incisado na
pele (Figura 12).
Figura 11 - Sutura umbilical.
Figura 11 - Sutura umbilical.
Figura 12 - Umbigo já suturado.
Figura 12 - Umbigo já suturado.
Após estes quatro pilares de fixação, é terminada a sutura com mais dois pontos
laterais e dois pontos entre o retalho em triângulo inicial e os vértices laterais
do Y. Nestas suturas utilizamos nylon 4-0 incolor.
No resultado final do neoumbigo, observa-se um formato em Y aberto com sua parte
caudal triangular e a parte cefálica embutida dentro panículo adiposo do retalho
abdominal, o que proporciona mais graciosidade ao neoumbigo e a diminuição do
estigma da abdominoplastia com umbigos mais aparentes e suturados (Figura 13).
Figura 13 - Pós-operatório imediato.
Figura 13 - Pós-operatório imediato.
Finalizando, efetua-se curativo com neomicina e a introdução de uma gaze modelada
em
forma de esfera, que será substituída por um molde umbilical de silicone após 48
horas de pós-operatório. A retirada dos pontos umbilicais é feita com 7 dias,
observando a situação cicatricial neste momento.
RESULTADOS
Nas pacientes operadas, demonstrou-se uma diminuição sensível dos casos de estenose
umbilical das técnicas em formatos circulares, ovais e outras; sendo observada mais
naturalidade se comparado a um abdome virgem de cicatriz (Figuras 14 a 19).
Figura 14 - Pré-operatório.
Figura 14 - Pré-operatório.
Figura 15 - Pós-operatório imediato.
Figura 15 - Pós-operatório imediato.
Figura 16 - Pós-operatório em 15 dias.
Figura 16 - Pós-operatório em 15 dias.
Figura 17 - Pós-operatório em 30 dias.
Figura 17 - Pós-operatório em 30 dias.
Figura 18 - Pós-operatório em 60 dias.
Figura 18 - Pós-operatório em 60 dias.
Figura 19 - Pós-operatório em um ano.
Figura 19 - Pós-operatório em um ano.
As complicações foram: deiscência de sutura em 3 casos, em que se observou que,
nestas pacientes, o panículo adiposo era mais denso (3,4%), estenose umbilical em
1
caso (1,13%), alterações crômicas da cicatriz em 4 casos (4,54%), cicatrizes com
queloide em 2 casos, corrigidas cirurgicamente após 6 meses (2,27%).
Contabilizados 11,34% de complicações, concluímos que a técnica se comportou com
eficácia e melhora das cicatrizes umbilicais, sendo necessários constantes estudos
e
adaptações para evitarmos as complicações acima.
Importante ressaltar que um bom exame físico e uma boa indicação cirúrgica irão
proporcionar melhores resultados, sendo levados em consideração todos os fatores que
envolvem o ato cirúrgico.
DISCUSSÃO
Existem várias técnicas para a confecção do neoumbigo. As principais são as que usam
um formato circular, em “V” e outros desenhos propostos por vários autores. Até o
momento, em nossa experiência, os resultados mais harmônicos e naturais, do ponto
de
vista estético, são os desenhos que saem da circular, pelo fato de darem menos
estenoses do cordão cicatricial.
Em nossa proposição, a técnica se torna de fácil execução, com resultados estéticos
de boa qualidade e maior naturalidade ao abdome pós-dermolipectomia com relação à
aceitação por parte dos pacientes da cicatriz umbilical resultante.
O formato final em Y aberto se mostra próximo da naturalidade do abdome sem
cirurgia.
Outros autores realizam neo-onfaloplastias em formas não circulares, com resultados
também satisfatórios com relação à naturalidade estética do neoumbigo.
CONCLUSÃO
A técnica relatada neste estudo é uma boa alternativa às existentes no tratamento
do
neoumbigo. O acompanhamento a longo prazo e o aumento dos casos submetidos a ela
serão importantes na avaliação e definição de sua utilização.
Esta técnica proposta se mostra de simples execução, proporcionando melhor aspecto
a
longo prazo da cicatriz umbilical com maior naturalidade dos resultados e evita as
frequentes estenoses da cicatriz umbilical das técnicas em formas arredondadas. Foi
denominada em “Y” pelo formato da incisão na pele do retalho abdominal para formação
do neoumbigo.
Sugerimos sua utilização após a análise destes casos que se demonstraram
satisfatórios tanto para o cirurgião quanto para os pacientes submetidos à
dermolipectomia abdominal, aumentando, com isso, o arsenal técnico e tático da
clínica cirúrgica.
COLABORAÇÕES
VHMG
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das
operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de
seu conteúdo.
|
VAG
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
FAG
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu
conteúdo.
|
PCCCJ
|
Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação
final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; redação do
manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.
|
REFERÊNCIAS
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4. Clínica MC Médicos, Montes Claros, MG, Brasil.
5. Faculdades Integradas Pitágoras, Montes Claros,
MG, Brasil.
Autor correspondente: Fernando de Azevedo Gonçalves, Avenida Aida
Mainartina, nº 100 - Ed. Veneza, Apto 105 - Ibituruna, Montes Claros, MG,
Brasil. CEP 39408-007. E-mail: feazegoncalves@gmail.com
Artigo submetido: 31/10/2016.
Artigo aceito: 22/6/2018.
Conflitos de interesse: não há.