INTRODUÇÃO
A obesidade mórbida caracteriza-se por acúmulo excessivo de tecido adiposo que se
distribui de maneira heterogênea em todo o organismo, tendo alcançado índices
epidêmicos em todo o mundo1. Além disso, pode
estar associada a diversas comorbidades, como coronariopatias, hipercolesterolemia,
hipertensão arterial, osteopatias, diabetes mellitus, doenças pulmonares, apneia
do
sono e distúrbios psicossociais que comprometem a qualidade de vida do paciente
obeso.
As deformidades do contorno abdominal são a principal queixa entre os pacientes com
perda de peso expressiva2 que procuram um
cirurgião plástico. Após perda considerável de peso, o doente apresenta grande
quantidade de sobras cutâneas que se distribuem pelo corpo e, sob essas sobras,
tanto pelo volume quanto pela dificuldade de acesso à higiene, acumulam-se secreções
que favorecem à instalação de infecções cutâneas.
A redundância anterior pode ter componente vertical e horizontal associados,
principalmente em região epigástrica, e a correção dessa região pode ter resultado
limitado com as técnicas convencionais de abdominoplastia3.
A abdominoplastia para o tratamento do excesso de pele em ex-obesos iniciou-se com
Kelly, no começo do século XX. Na década de 1960, surgiram variações apresentadas
por vários autores, como Castañares & Goethel, que propuseram a ressecção
vertical e horizontal, conferindo o aspecto em âncora da cicatriz final. Em 1970,
Regnault preconizou a retirada do excedente cutâneo com marcação em flor de lis4.
OBJETIVO
O propósito deste estudo é relatar à comunidade científica um caso de sucesso operado
em nosso serviço, com a técnica de abdominoplastia em flor-de-lis, após grande
emagrecimento, enfocando as complicações e a satisfação do paciente, de modo a
desmitificar o conceito de risco e perda de resultado estético com a cicatriz
vertical.
MÉTODO
Trata-se de paciente do sexo feminino, 62 anos, que procurou o serviço para
tratamento do excedente dermogorduroso em região abdominal, após perda ponderal
de
40kg, com estabilização do peso há mais de 1 ano. Queixava-se de dificuldade para
deambular, se exercitar e até para se vestir devido ao grande avental cutâneo
residual após perda de peso.
Mantinha Índice de Massa Corporal (IMC) = 33kg/m2, associado a hipertensão
arterial sistêmica e artropatia dos joelhos, necessitando do uso de apoio para
deambulação. História de colecistectomia convencional prévia, com presença de
cicatriz em hipocôndrio direito (Figura 1 A,
B, C e
D).
Figura 1 - A: Documentação pré-operatória - vista frontal;
B: Documentação pré-operatória - perfil direito;
C: Documentação pré-operatória - perfil esquerdo;
D: Documentação pré-operatória - tração do
retalho.
Figura 1 - A: Documentação pré-operatória - vista frontal;
B: Documentação pré-operatória - perfil direito;
C: Documentação pré-operatória - perfil esquerdo;
D: Documentação pré-operatória - tração do
retalho.
Após avaliação clínica minuciosa e compensação de comorbidades, optamos pela
abordagem com técnica de marcação em flor-de-lis.
A marcação foi feita no pré-operatório imediato, inicialmente com a paciente em pé.
A
abordagem inicial foi semelhante à da técnica convencional, com marcação da incisão
inferior a 6 cm acima da comissura vulvar anterior, após tração cefálica dos tecidos
excedentes, e marcação da linha média, estendendo-se do esterno até a incisão
inferior.
As marcações dos limites laterais foram feitas no ápice da dobra cutânea, com a
paciente sentada, e estimou-se a excisão em sentido horizontal unindo esses pontos
com a linha média.
A excisão vertical foi estimada por pinch test com a paciente
deitada.
Finalmente, a cerca de 16 cm abaixo do apêndice xifoide, foram demarcados,
bilateralmente, 2 pequenos retângulos cutâneos de 2 cm no sentido horizontal e
de 4
cm no vertical, posicionados medialmente nas bordas que delimitavam os limites
verticais de ressecção, para confecção do neoumbigo5 (Figura 2).
Figura 2 - Esquema da marcação pré-operatória com detalhe dos retalhos para
confecção do neoumbigo.
Figura 2 - Esquema da marcação pré-operatória com detalhe dos retalhos para
confecção do neoumbigo.
O procedimento foi realizado sob anestesia peridural alta, associada a sedação
venosa. Foi realizada infiltração com soro fisiológico a 0,9% e adrenalina a
1:500.000. Em seguida, procedeu-se à incisão cutânea ao longo de toda a linha
demarcada para ressecção, dissecção e exérese em monobloco de toda a capa cutânea
com eletrocautério até o plano aponeurótico, incluindo o umbigo e seu pedículo.
A
peça correspondente ao excedente dermogorduroso pesou 11kg.
O coto umbilical foi invaginado e suturado, fechando-se defeito da parede abdominal.
Os músculos reto abdominais foram plicados mediante sutura da aponeurose com fio
inabsorvível e, com a paciente em posição de Fowler, foi realizada
sutura das extremidades dos 2 hemirretalhos cutâneos na linha média pubiana.
Após confecção do neoumbigo, através de sutura dos dois pequenos retalhos
retangulares, e respectiva fixação na aponeurose, procedeu-se à sutura por planos
dos retalhos dermogordurosos vertical e horizontalmente, deixando dreno de sucção
a
vácuo em plano subcutâneo.
RESULTADOS
A paciente foi mantida internada por 3 dias, devido a questões sociais, para
monitorar o dreno a vácuo, que foi retirado com o declínio do debito da secreção
sero-hemática. Evoluiu com deiscência da ferida operatória em região do “T”
suprapúbico no pós-operatório recente, que, após duas ressuturas em ambiente
ambulatorial, apresentou fechamento completo.
Em acompanhamento por 6 meses, paciente refere melhora da postura, na deambulação,
na
qualidade de vida em geral. Não apresenta queixas com relação à cicatriz vertical
(Figura 3).
Figura 3 - Aspecto pós-operatório (20o dia pós-operatório).
Figura 3 - Aspecto pós-operatório (20o dia pós-operatório).
DISCUSSÃO
O paciente ideal é aquele com estabilidade ponderal, com menor IMC possível,
equilíbrio emocional e quadro clínico estável, entretanto, a maioria dos pacientes
ex-obesos foge desse perfil.
A avaliação do IMC como critério de decisão torna-se insuficiente no preparo
pré-operatório de pacientes como esta, uma vez que apenas a retirada do retalho
dermogorduroso excedente já determinou queda do IMC de 33kg/m2 para
29kg/m2. Ou seja, havia um viés de classificação da paciente em
“obesa” devido à grande redundância abdominal, quando na verdade tratava-se de
um
quadro de sobrepeso.
As cicatrizes devem ser muito bem descritas, assim como as possíveis complicações
e
as limitações do procedimento em relação à falta de elasticidade e à provável
flacidez cutânea residual. A ocorrência de pequenas deiscências é comum em
procedimentos dessa monta, mas que não comprometem o resultado em médio prazo.
Obviamente, os resultados estéticos em procedimentos como este estão aquém daqueles
conseguidos em pacientes não obesos. Contudo, o alívio pela retirada dos excessos
dermogordurosos é maior que a presença das cicatrizes, levando à melhoria da
qualidade de vida, permitindo melhor desenvoltura do aparelho locomotor, melhora
da
integração social, do comportamento sexual e das condições higiênicas.
CONCLUSÃO
Abdominoplastia em flor-de-lis é um recurso poderoso para correção de flacidez
cutânea horizontal e vertical, muito comum em pacientes com perda ponderal
expressiva, melhorando a qualidade de vida, facilitando a higienização, a
deambulação, além de melhorar o desempenho sexual e reforçar sua autoestima.
Os resultados estéticos são satisfatórios, não sendo a cicatriz vertical um
empecilho. As taxas de complicações são comparáveis às da abdominoplastia
convencional, exceto pela incidência de infecções de ferida operatória, que se
mostra aumentada pela adição do componente vertical.
Deve-se ter bastante cautela no uso do IMC como critério de indicação ou exclusão
cirúrgica nesse grupo de pacientes, pois este parâmetro pode estar falseado pelos
grandes excedentes cutâneos.
AGRADECIMENTOS
Registramos nosso agradecimento a todos os funcionários e colegas do Hospital
Universitário Ciências Médicas, em especial ao Dr. José Cesário da Silva Almada
Lima, chefe do Serviço de Cirurgia Plástica, e ao Dr. Lucio Flavio Manetta Martins
Belem, regente do programa de Residência Médica/Especialização em Cirurgia Plástica
do HUCM/FELUMA.
REFERÊNCIAS
1. Cortes JES, Oliveira DP, Sperli A. Abdominoplastias em âncora em
pacientes ex-obesos. Rev Bras Cir Plást. 2009;24(1):57-63.
2. Friedman T, O'Brien Coon D, Michaels J, Purnell C, Hur S, Harris DN,
et al. Fleur-de-Lis abdominoplasty: a safe alternative to traditional
abdominoplasty for the massive weight loss patient. Plast Reconstr Surg.
2010;125(5):1525-35. PMID: 20145584 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e3181d6e7e0
3. Mitchell RT, Rubin JP. The Fleur-De-Lis abdominoplasty. Clin Plast
Surg. 2014;41(4):673-80. DOI: 10.1016/j.cps.2014.07.007. pii:
S0094-1298(14)00098-4 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.cps.2014.07.007
4. Grando MC. Dermolipectomia em âncora após cirurgia bariátrica:
complicações e índice de satisfação dos pacientes. Rev Bras Cir Plást.
2015;30(4):515-21.
5. Reno BA, Mizukami A, Calaes IL, Staut JG, Claro BM, Baroudi R, et
al. Neo-onfaloplastia no decurso das abdominoplastias em âncora em pacientes
pós-cirurgia bariátrica. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(1):114-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752013000100019
1. Hospital Universitário Ciências Médicas,
Belo Horizonte, MG, Brasil.
Endereço Autor: Juliana Metzker Oliveira
Bergamo
Avenida Agulhas Negras, 680 - Mangabeiras
Belo Horizonte,
MG, Brasil CEP 30210-340
E-mail: jumobergamo@gmail.com