INTRODUÇÃO
A lesão causada por armas de fogo tem se tornado cada vez mais frequente, tendo em
vista o aumento da violência global1,2. Uma das lesões que
tem chamado atenção é a com acometimento da mão, órgão de extrema importância
para a
realização de atividades laborais e recreativas. Tal estrutura corporal apresenta
anatomia rica em estruturas nobres e delicadas, o que torna a cirurgia de
reconstrução um procedimento desafiador para o cirurgião2,3. Assim, a
abordagem terapêutica do trauma de mão exige do médico um alto conhecimento
anatômico e fisiológico dessa estrutura, uma noção sobre a reação do tecido vivo
aos
vários tipos de projéteis2.
No passado, a principal preocupação relacionada às injúrias por arma de fogo era a
infecção4. O início da aquisição de
conhecimentos para esse tipo de procedimento adveio a partir da experiência
adquirida por meio das lesões de mão ocasionadas em guerras como a II Guerra Mundial
e Guerra do Vietnã5. Entretanto, estudos
posteriores revelaram que a infecção, nesse tipo de lesão, não é um acometimento
comum6,7.
Dessa forma, o foco do tratamento desse tipo de agravo passou a ser direcionado para
a melhor recuperação funcional dessa importante estrutura. Visando uma melhor
chance
de recuperação funcional, um desbridamento cirúrgico precoce, uso de antibióticos,
reconstituição, reabilitação pós-operatória são muito importantes6,8.
OBJETIVO
O objetivo do presente estudo é relatar o tipo de tratamento proposto, e avaliar sua
evolução, nos casos de perfuração por arma de fogo na mão que tenham cursado com
fraturas de metacarpos ou falanges no Instituto Dr. José Frota, referência em
trauma
em Fortaleza, CE.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo, tendo como base a análise de
prontuários com abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada respeitando os
critérios de Helsinque.
Foram incluídos no trabalho todos pacientes conduzidos, no período de janeiro de 2015
a dezembro de 2016, pelo mesmo cirurgião, com diagnóstico de fratura por arma
de
fogo na mão.
A análise de dados foi realizada por meio do Microsoft Excel® e do
Epi Info versão 7.2®.
Os dados utilizados para a análise dos casos foram idade, sexo, data da lesão, data
da cirurgia, descrição da lesões óssea e associada, tipo de fixação, necessidade
de
enxerto ósseo, uso de retalho cutâneos e tempo de acompanhamento pós-operatório.
RESULTADOS
Entre o período de janeiro de 2015 e dezembro de 2016, desconsiderando os excluídos
do estudo, 26 pacientes foram admitidos na emergência do hospital devido a fratura
na mão por arma de fogo. Apenas um caso não foi tratado cirurgicamente. Os homens
foram o mais acometidos dentre a população estudada, totalizando 76,9% da amostra.
A
idade média dos pacientes foi de 33,28 anos. Neste estudo, 21 pacientes apresentaram
lesão unilateral (80,7%) e 5 (19,3%), lesão bilateral.
Nesta série de casos, os tipos de tratamento selecionado para ser utilizado nos
pacientes variou de imobilização com gesso (1 caso - 3,8%); Placa Sistema 2.4
(3,8%); Fio de Kirschner + Conservador (3,8%); Cimento ósseo pela técnica de
Masquelet (3,8%); Fio de Kirschner + Placa (3,8%); Placa Sistema 2.0 + amarris
com
Aciflex® (3,8%) (Figuras 1 e 2); Fixador externo + Sistema
tipo Suzuki (3,8%); Fio de Kirschner (7,7%); fio de Kirschner com amarris
Aciflex® (3,8%) e Placa sistema 2.0 (14 casos - 53,8%) (Figuras 3 e 4); Sistema tipo Suzuki (7,7%) (Figuras 5 e 6).
Figura 1 - Fratura de 5º MCD, 3º e 4º MCEs.
Figura 1 - Fratura de 5º MCD, 3º e 4º MCEs.
Figura 2 - Fixação não rígida com FK e Aciflex.
Figura 2 - Fixação não rígida com FK e Aciflex.
Figura 3 - Fraturas de múltiplos metacarpos.
Figura 3 - Fraturas de múltiplos metacarpos.
Figura 4 - Fixação rígida com miniplacas.
Figura 4 - Fixação rígida com miniplacas.
Figura 5 - Fratura de falange proximal de 3º QDD.
Figura 5 - Fratura de falange proximal de 3º QDD.
Figura 6 - Aparelho de Suzuki.
Figura 6 - Aparelho de Suzuki.
A maioria dos pacientes, correspondente a 22 casos (84,6%), não necessitou de
utilização de retalho cutâneo para cobertura de lesões. Do total de pacientes,
18
realizaram enxerto ósseo, dos quais 67% foram retirados do osso ilíaco. Dentre
o
surgimento de lesões associadas, a mais frequente foi a do aparelho extensor,
acometendo 26,9% (7 pacientes) porém, de um modo geral, a maioria dos pacientes
não
sofreu com tais distúrbios.
A sequela mais prevalente foi a rigidez articular, acometendo 57% dos pacientes.
Todos os pacientes receberam antibioticoterapia venosa terapêutica no momento
do
primeiro desbridamento na emergência até o dia da cirurgia e durante 7 dias, via
oral. Foi usada cefalosporina de primeira geração. Não houve extrusões ou infecções
de materiais de fixação rígida. Houve um caso de necessidade de troca de placa
de
titânio por motivo de quebra, visualizada em raio-x de controle em pós-operatório
de
7 dias. Em relação ao tempo de acompanhamento dos pacientes, 12 (46,1%) não tiveram
seguimento, 9 (34,7%) foram inferiores a 1 ano e 5 (19,2%) foram maiores ou iguais
a
1 ano.
DISCUSSÃO
De acordo com a literatura atual, este estudo também mostrou a incidência maior de
fraturas na mão nos países onde há guerras civis ou envolvidos em graves situações
socioeconômicas, onde normalmente há tráfico de drogas ilícitas1. Por esta situação, houve dificuldade de seguimento pós
operatório por, no mínimo, um ano.
Um estudo2 de 10 anos de acompanhamento do
tratamento das feridas por arma de fogo na mão e punho avaliou 38 pacientes, que
foram abordados com desbridamento inicial, seguido por fixação interna ou externa
precocemente, associada à antibioticoterapia por 3 dias após o primeiro
desbridamento. Diferentemente, neste estudo as reparações ósseas foram feitas
tardiamente, após antibioticoterapia venosa por no mínimo 7 dias. Conclui-se então
que a taxa de infecção não se altera independentemente do tempo da abordagem
definitiva.
Este mesmo estudo2, assim como este trabalho,
priorizam a fixação rígida como forma de tratamento cirúrgico definitivo, pois
permite um retorno às atividades e início de fisioterapia mais precocemente.
De acordo com a literatura, o sítio doador de enxerto ósseo mais utilizado, quando
necessário, foi da crista ilíaca3,4. De La Rosa-Massieu
et al.1 relataram um caso
em que foi utilizado enxerto sintético (chronOS granulado
DePuySynthes®) para tratamento de fratura de ossos do carpo,
com ótimo resultado.
CONCLUSÃO
Conclui-se, então, que os pacientes operados neste serviço, predominantemente pela
técnica de fixação rígida, com placas e parafusos, abordados tardiamente, evoluem
satisfatoriamente quando comparada a técnicas com abordagem precoce.
REFERÊNCIAS
1. De la Rosa-Massieu D, González-Sánchez M, Onishi-Sadud W,
Gómez-Chavarría J, Bello-González A. Lesión severa de mano por proyectil de arma
de fuego de alta energía con artrodesis del carpo e injerto sintético de hueso
más fijadores externos: Reporte de un caso. Acta Ortop Mex.
2014;28(4):240-3.
2. Pereira C, Boyd JB, Olsavsky A, Gelfand M, Putnam B. Outcomes of
complex gunshot wounds to the hand and wrist: a 10-year level I urban trauma
center experience. Ann Plast Surg. 2012;68(4):374-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/SAP.0b013e31823d2ca1
3. Langford MA, Cheung K, Li Z. Percutaneous Distraction Pinning for
Metacarpophalangeal Joint Stabilization After Blast or Crush Injuries of the
Hand. Clin Orthop Relat Res. 2015;473(9):2785-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s11999-015-4233-x
4. Howland WS Jr, Ritchey SJ. Gunshot fractures in civilian practice.
An evaluation of the results of limited surgical treatment. J Bone Joint Surg
Am. 1971;53(1):47-55. DOI: http://dx.doi.org/10.2106/00004623-197153010-00005
5. Turker T, Capdarest-Arest N. Management of gunshot wounds to the
hand: a literature review. J Hand Surg Am. 2013;38(8):1641-50. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jhsa.2013.02.011
6. Nathan R. The management of penetrating trauma to the hand. Hand
Clin. 1999;15(2):193-9.
7. Benato ML, Zaninelli EM, Graells XSI. Avaliação da incidência das
lesões por arma de fogo da coluna vertebral. Rev Coluna/Columna.
2007;6(3):155-61. [acesso 2007 Set 16]. Available from: http://www.coluna.com.br/revistacoluna/volume6/Novo_pag_155_161_novos_graficos_-_Incidências_lesões_arma_fogo.pdf
8. Silva JB, Muñiz AR, Ramos RFM, Ferdinando MPL. Trauma complexo da
mão parte I: lesão vascular, lesão nervosa, lesão tendínea. Rev AMRIGS.
2014;58(3):240-6.
1. Instituto Dr. José Frota, Fortaleza, CE,
Brasil.
2. Unichristus, Fortaleza, CE,
Brasil.
Endereço Autor: Alfredo Lima Filho
Rua
Joaquim Nabuco, nº 455, apt. 1300
Fortaleza, CE, Brasil CEP 60125-120
E-mail: alfredofilho@hotmail.com