ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Tentativa de Suicídio por Queimadura - Estudo Retrospectivo
Burn-Suicide Attempt Retrospective Study
Articles -
Year1999 -
Volume14 -
Issue
3
Luiz Roberto Reis de AraujoI, Manoel Alberto PrestesII, Ronald RippelI, Ronaldo RoeslerI, Alderson Luiz PachecoI, Lincoln Graça NetoI
RESUMO
O objetivo deste trabalho é demonstrar a experiência do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba em casos de tentativa de suicídio por queimadura, no período entre janeiro de 1998 e janeiro de 1999.
Foram avaliados 21 pacientes adultos admitidos no Serviço por tentativa de suicídio por queimadura. Idade, sexo, escolaridade, doença prévia, uso de medicamentos, presença de distúrbios psiquiátricos e internações correlatas, tentativa anterior, abuso de álcool e drogas foram avaliados.
Dos 21 pacientes,17 eram do sexo feminino e 4 do sexo masculino. A terceira década de vida foi a mais acometida. Onze tentativas foram letais. A superfície corporal queimada variou de 20 a 95%. A maioria dos pacientes apresentava somente o primeiro grau completo ou incompleto. Catorze pacientes tinham história prévia de doença psiquiátrica, e 6 já haviam tentado suicídio anteriormente. Em 6 casos foi evidenciado o abuso de álcool e, em apenas 1, a toxicomania. A falha de relacionamento interpessoal foi o agente precipitante identificado em 14 pacientes. O método mais utilizado foi o fogo desencadeado por álcool etílico (85,7%).
Concluímos que o álcool etílico foi o agente mais utilizado nesta série de pacientes. O estudo demonstrou que a maioria dos casos ocorreu em pacientes com idade média de 40 anos, de baixo grau de instrução, apresentando distúrbios de relacionamento interpessoal e com maior incidência no sexo feminino. Tentativas anteriores ocorreram em cerca de 1/3 das mulheres. Aproximadamente metade dos pacientes teve êxito em sua tentativa.
Palavras-chave:
ABSTRACT
This paper aims at showing the Hospital Universitário Evangélico de Curitiba Plastic Surgery and Burn Specialty Service's experience in cases of burn-suicide attempt in the period between January 1998 and January 1999. Twenty-one adult patients were admitted to the Service for burn-suicide attempt. Age, gender, education, previous disease, use of medications, presence of psychiatric disorders and related internment, previous attempt, alcohol and drug abuse were assessed. From the 21 patients, 17 were female and 4 were male. Third life decade was the most committed. Eleven attempts were lethal. Burnt body surface ranged from 20 to 95%. Most patients presented complete or incomplete first grade burn only. Fourteen patients had previous history of psychiatric disease and 6 had already previously attempted suicide. Alcohol abuse in 6 cases and toxicomania in 1 case were evident. Interpersonal relationship failure was the precipitating agent identified in 14 patients. The most used method was fire provoked by ethyl alcohol (85.7%). We concluded that ethyl alcohol was the most used agent in this series of patients. The study showed that most cases occurred with average 40-year old patients, poor educated, presenting interpersonal relationship disorders and with more incidences of female subjects. One-third of the women had previously attempted suicide. About half of the patients succeeded in their attempts.
Keywords:
INTRODUÇÃO
A auto-incineração, apesar de ser um método pouco usual e curioso de tentativa de suicídio na cultura ocidental, é observado porém com certa regularidade nos Centros Regionais de Queimaduras. Estudos de autores dos Estados Unidos, Europa, Austrália e Índia demonstram que esses casos variam entre 1 e 9% das admissões de pacientes queimados(1,7) e correspondem a aproximadamente 2% de todas as tentativas de suicídio(8). A maioria dos pacientes é do sexo feminino, apresentando também algum distúrbio psiquiátrico associado. O tipo de agente utilizado varia dependendo da cultura e do país, sendo o álcool o agente mais comum no Brasil. Isto pode ser explicado pelo fácil acesso a esse produto em nosso país e por sua ampla utilização nas tarefas domésticas(9).
Apresentamos um estudo retrospectivo sobre tentativa de suicídio por queimadura durante o período de janeiro de 1998 a janeiro de 1999, demonstrando a experiência do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.
PACIENTES E MÉTODOS
Os pacientes foram admitidos no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba durante o período de janeiro de 1998 a janeiro de 1999. Todos os casos foram revisados retrospectivamente, incluindo apenas os pacientes de idade adulta. Somente os comprovados através de confissão do paciente ou altamente suspeitos pela avaliação médica, psicológica e de familiares foram incluídos no estudo.
Quando havia suspeita por parte da equipe médica e dos familiares, mas sem fortes evidências, e sendo negada a tentativa de suicídio por parte dos pacientes, os casos eram excluídos. Foi realizada avaliação psicológica diária.
Os casos considerados mais graves, principalmente por existir comprometimento inalatório, foram enviados à unidade de terapia intensiva do mesmo hospital, sendo submetidos a curativos em nosso serviço em períodos próximos a 2 dias. Idade, sexo, escolaridade, doença prévia, uso de medicamentos, presença de distúrbios psiquiátricos e internações correlatas, tentativa anterior, abuso de álcool e uso de drogas foram avaliados. Alguns dados foram fornecidos por familiares.
RESULTADOS
Durante o período de 1 ano (janeiro de 1998 a janeiro de 1999), 21 casos de tentativa de suicídio por queimadura foram identificados entre 366 admissões por queimadura no mesmo período. Dezessete (80,9%) dos 21 pacientes eram do sexo feminino e 4 (19,0%) do sexo masculino. A idade dos pacientes variou entre 13 e 67 anos. A terceira década foi a mais freqüente, com 10 pacientes (47,6%). Onze das 21 tentativas de suicídio foram letais (52,3%) e os restantes 47,7% sobreviveram e receberam alta após a auto-enxertia ou a cicatrização das queimaduras. A superfície corporal queimada (SCQ) variou de 20 a 95%, com o maior número de pacientes com SCQ entre 40 e 50% (9 pacientes - 42,8%). Sete pacientes apresentavam SCQ maior que 60%, 6 pacientes entre 41 e 60%, 7 casos entre 21 e 40% e somente 1 caso abaixo de 20% (tabela II).
Dezessete pacientes apresentavam somente 1º grau completo ou incompleto (80,9%), 3 tinham nível secundário completo ou incompleto (14,2%) e apenas 1 paciente tinha nível superior de escolaridade.
Neste grupo de 21 pacientes, 14 apresentavam história prévia de doença psiquiátrica, sendo depressão a patologia mais comum. Foi diagnosticada depressão em 10 pacientes (47,6%), ansiedade em 1 caso (4,7%), distúrbio bipolar em 1 caso (4,7%), e o diagnóstico foi inespecífico em 3 casos (14,2%). Tentativas de suicídio anteriores foram relatadas em 6 casos (28,5%).
Um agente precipitante pôde ser identificado em 16 (76,1%) dos 21 pacientes. Falha em relacionamento interpessoal (divórcio, briga com parceiro, viuvez) foi encontrada em 14 casos (66,6%). Outro fator relatado foi desemprego (2 casos - 9,52%). Não foi encontrado agente precipitante em 5 casos (23,8%). Nenhum caso de doença crônica como agente precipitante foi encontrado ou, mesmo, tentativas de suicídio de conotação política.
O método mais utilizado foi fogo ateado com líquido inflamável derramado sobre o corpo. Esse método foi usado por 18 pacientes (85,7%). Outros métodos incluíram apenas fogo (2 casos - 9,5%) e derramamento de óleo quente sobre o corpo (1 caso - 4,7%). Nos 2 casos em que o agente causador foi o fogo, ele foi provocado com a utilização de álcool como líquido inflamável para incendiar os cômodos de suas casas. O agente mais comum foi o álcool, utilizado por 18 pacientes (85,7%). Apenas 3 casos usaram outro tipo de agente (querosene, cera líquida e óleo quente).
Alcoolismo foi identificado em 6 casos (28,5%) e toxicomania em somente 1 caso (4,7%).
A população controle com queimaduras no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, no mesmo período, corresponde a 366 pacientes, com cerca de 70,7% (259 casos) do sexo masculino e 29,2% (107 casos) do sexo feminino. Os casos letais corresponderam a 29 pacientes, o que significa uma taxa de mortalidade de 7,9%.
DISCUSSÃO
No período de 1 ano (janeiro de 1998 a janeiro de 1999), 21 casos de tentativa de suicídio por queimadura foram admitidos no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. Esse número corresponde a 5,7% do total de admissões no mesmo período, o que está dentro dos limites de admissões descritos na literatura. Essa cifra varia em torno de 1 a 9% das admissões em Centros de Tratamento de Queimados(1,7).
Dos 21 pacientes atendidos, 17 (80,9%) eram do sexo feminino e 4 (19,0%) do sexo masculino. Estes dados são conflitantes com os da literatura, os quais demonstram uma predominância masculina nas tentativas de suicídio por queimadura, como relatado por Shkrum & Johnson e Krummen e cols.(3). Entretanto, O'Donoghue e cols.(10) destacam a existência de 2 grupos distintos de pacientes auto-sacrificadores: um formado por pacientes do sexo masculino, sem história psiquiátrica prévia, normalmente bem-sucedidos em sua missão e que são oriundos da comunidade; e outro grupo, formado por pacientes usualmente do sexo feminino, com história psiquiátrica prévia, que podem tentar suicídio mas normalmente demonstram apenas comportamento automutilador, e que são encaminhados de instituições psiquiátricas.
A predominância feminina também difere do grupo controle de pacientes queimados (70,7% homens), demonstrando uma tendência suicida (tentativa de suicídio) mais importante em pacientes do sexo feminino em nosso serviço. Todavia os homens atingiram seus objetivos com maior freqüência, assim como descrito na literatura(10).
Neste estudo, a idade média foi de 40 anos, porém o maior número de pacientes do grupo suicida encontra-se na terceira década (10 casos - 47,6%). O estudo realizado por Krummen apresentou também o maior grupo na terceira década (41%)(11).
Das 21 tentativas, 11 (52,3%) foram letais e 10 pacientes (47,7%) sobreviveram, recebendo alta após a cicatrização das feridas ou a auto-enxertia. Outros estudos apresentam taxas de mortalidade variando entre 29 e 84%(1,2,4,6,10,11). A letalidade no grupo controle de queimados no mesmo período foi de 7,9%, demonstrando uma taxa de mortalidade bem maior em pacientes que tentam suicídio por queimadura, confirmando os achados de outro estudo(11).
A superfície corpórea queimada (SCQ) variou de 20 a 95%, com o maior número de casos (9 - 42,8%) entre 40 e 50% de SCQ. A letalidade masculina ocorreu somente com SCQ acima de 41%, enquanto a feminina ocorreu já entre 21 e 40%.
O maior índice de letalidade, tanto masculina quanto feminina, ocorre com SCQ acima de 60%. Estes dados confirmam os de outro estudo realizado em 1997(9).
A avaliação do grau de escolaridade dos pacientes selecionados demonstra que a maioria possuía somente o 1º grau completo ou incompleto (17 casos - 80,9%), 3 pacientes tinham formação secundária completa ou incompleta (3 casos - 14,2%) e apenas 1 paciente apresentava curso superior (economista - 4,7%). Encontramos na literatura apenas o estudo de Kaplan & Sadock(12) demonstrando que a maior incidência nas tentativas de suicídio estava entre profissionais liberais, contrariando nossos resultados.
Encontramos 14 pacientes (66,6%) com história psiquiátrica prévia, sendo depressão a patologia mais comum (10 casos - 47,6%). Outros estudos apresentam percentuais variando de 21,5% a 71%(1-5,9,11,13), em relação a distúrbio psiquiátrico anterior.
Kaplan relata que em quase 95% dos casos de tentativa de suicídio existe uma doença mental diagnosticada, sendo os distúrbios depressivos (80%) seguidos pela esquizofrenia (10%) os mais comumente encontrados. Este autor afirma que o risco em pacientes depressivos pode chegar a 15%(12). A avaliação de tentativas anteriores de suicídio demonstrou que 6 pacientes (28,5% - 5 mulheres e 1 homem) tentaram terminar com suas vidas em outras ocasiões. Os métodos variaram de ingestão de comprimidos, queda de nível elevado, ferimento cortante em punhos, a tentativa de jogar-se em frente a veículo em movimento. Outros autores relatam valores entre 44% e 71,8%(3,4,5,11).
Dentre os agentes precipitantes das tentativas de auto-imolação, os distúrbios de relacionamento interpessoal (66,6%) compreendiam a maior parte dos casos, semelhante aos achados de Krummen e cols.(11). Desemprego foi o segundo fator mais freqüente (9,52%). Cinco pacientes (23,8%) não apresentavam agente precipitante identificável, um número menor que o encontrado na literatura (41,1%)(11). Nosso estudo encontrou 3 casos de pacientes portadores de doença crônica (2 hipertensos, 1 epiléptico - 14,2%), bem menos que o demonstrado por outro estudo em nosso país(9), entretanto nenhuma delas pôde ser identificada como agente precipitante. Não encontramos também nenhum caso de tentativa de suicídio de conotação política, encontrado com grande freqüência na cultura oriental(8).
Nossa série encontrou como principal agente o álcool etílico (85,7%); também cera líquida, querosene e óleo quente foram utilizados, confirmando os achados do estudo de Marchesan e cols.(9). Este fato pode ser atribuído à facilidade de obtenção de álcool em nosso país, sendo ele utilizado freqüentemente nas tarefas domésticas. A variedade encontrada de agentes inflamáveis usados nas tentativas de suicídio por queimadura demonstra que o agente depende da disponibilidade e da cultura no país de cada estudo. Em relação ao método utilizado, 18 pacientes (85,7%) derramaram líquido inflamável sobre o corpo e atearam fogo, confirmando os dados de outros estudos(1-5,11).
O abuso de álcool foi identificado em 6 pacientes (28,5%) e apenas um caso de uso de drogas foi encontrado (4,7%). Estes achados são menores em relação a outro estudo, que demonstrou uma história de alcoolismo em 35% dos pacientes e toxicomania em 21% dos casos(11).
CONCLUSÃO
O álcool etílico foi o agente mais utilizado nesta série de pacientes. O estudo demonstrou que a idade média foi de 40 anos e a maioria dos pacientes tinha baixo grau de instrução, apresentando distúrbios de relacionamento interpessoal, com maior incidência no sexo feminino. Tentativas anteriores de suicídio ocorreram em cerca de 1/3 dos pacientes do sexo feminino. Aproximadamente metade dos pacientes teve êxito em sua tentativa, sendo o índice letal maior no grupo do sexo masculino.
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I. Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica.
II. Membro Titular da SBCP. Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do Hospital Evangélico de Curitiba.
Endereço para correspondência:
Luiz Roberto Reis de Araujo
R. Guilherme Pugsley, 2650 ap. 1707
Curitiba - PR - 80610-300
Fone: (41) 345-5396
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